COP23: os principais resultados das negociações climáticas de 2017

As mudanças climáticas voltaram ao centro da diplomacia global nas últimas duas semanas com a reunião de diplomatas e ministros na COP23 em Bonn, na Alemanha, para a última rodada anual de negociações das Nações Unidas deste ano

 

A COP23, a segunda Conferência das Partes da Convenção Clima realizada depois do Acordo de Paris, prometia ser basicamente técnica, já que os países tinham como principal missão dar continuidade às negociações para a construção do “livro de regras” para a implantação do Acordo a partir de 2020.

 

Mas não foi possível esquecer que esta COP seria a primeira rodada de negociações depois dos EUA de Trump terem anunciado sua intenção se retirarem do Acordo de Paris. E, também, a primeira COP a ser presidida por uma nação-ilha em desenvolvimento (Fiji), apesar de ter sido realizada em Bonn.

 

Apresentamos a seguir um resumo dos principais resultados e discussões feito pelo Carbon Brief.

 

AS DUAS DELEGAÇÕES DOS EUA

 

Após Trump anunciar a retirada dos EUA do Acordo de Paris, todos os olhos se voltaram para a delegação oficial daquele país buscando sinais de como esta se comportaria nas negociações.

 

Logo na primeira semana, o grupo da sociedade civil Aliança Pan-Africana de Justiça Climática pediu que a delegação dos EUA fosse impedida de participar das negociações, devido ao anúncio de Trump. No segundo dia das negociações uma importante mensagem foi enviada pela Síria ao anunciar que assinaria o Acordo de Paris. Este movimento deixou os EUA na condição de único país do mundo que não pretende honrar o histórico Acordo.

 

No entanto, a delegação dos EUA manteve um perfil relativamente baixo. E manifestantes anti-Trump interromperam por sete minutos um evento paralelo promovido pelos EUA sobre “combustíveis fósseis mais limpos” cantando: “Nós orgulhosamente levantamos até vocês manterem os fósseis no chão…”).

 

@LeoHickman: Este foi o momento em que o protesto começou em torno de mim no evento da administração Trump na #COP23

 

A delegação dos EUA co-presidiu com grande sucesso um grupo de trabalho com a China sobre as contribuições nacionalmente determinadas (NDC – as promessas feitas por cada país ao Acordo de Paris). Vale observar que muitos dos negociadores dos EUA são os mesmos que representaram o país nas COPs anteriores. Eles continuaram as negociações com pequenas mudanças de atitude, embora assumindo posições possivelmente mais difíceis em questões como perdas e danos e finanças.

 

Houve um momento caótico no centro de mídia, quando o conselheiro de Trump, George David Banks, apareceu por lá e disse que sua prioridade na COP23 era lutar contra a “diferenciação”, a divisão entre países industrializados (do Anexo-Um da Convenção Clima) e o resto do mundo. No entanto, à excessão deste momento, o comportamento da delegação dos EUA não diferiu significativamente dos anos anteriores.

 

 

A delegação oficial dos EUA não foi o único grupo do país a chamar atenção na COP. Os EUA estiveram, também, representados por uma delegação alternativa formada pelos membros da coalizão “We Are Still In”, que montou um grande pavilhão (Centro de Ação Climática) fora do principal local das conversas. A coalizão inclui importantes atores subnacionais, como o ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, e o governador da Califórnia, Jerry Brown, decididos a provar que existem muitas vozes dos EUA contra as políticas anti-clima de Trump.

 

Seu relatório America’s Pledge ​​descreveu como a coalizão de cidades, estados e empresas representava mais da metade da economia dos EUA. No evento de lançamento do relatório, Bloomberg argumentou que o grupo deveria receber um assento na mesa de negociação do clima.

 

Trump tornou impossível limitar o aquecimento global em 1,5oC? Respondem James Hansen, Bill Hare, Rachel Cleetus, Catherine McKenna, Bill Peduto e Rachel Kyte

 

UMA CHINA MAIS FORTE?

Muito se discutiu sobre em que medida a retirada dos EUA da liderança climática dos tempos de Obama encorajaria a China a assumir este papel.

 

Concretamente, a China começou a desempenhar esse papel na Coalizão Ministerial sobre o Ação Climática (MOCA), um grupo composto pela UE, China e Canadá, concebido durante a COP do ano passado após o resultado das eleições dos EUA.

Li Shuo, consultor sênior de políticas globais do Greenpeace do leste asiático, disse ao Carbon Brief que “vale ressaltar que este é um dos únicos processos climáticos de alto nível realizado em colaboração por países desenvolvidos e em desenvolvimento. É também um caso muito concreto no qual a China está apoiando o processo climático internacional como parte da liderança coletiva/compartilhada”.

 

Xie Zhenhua, chefe de delegação da China na COP23 em Bonn, com funcionários da delegação chinesa (foto: Carbon Brief)

 

Outros argumentam que a liderança não é mais de um país ou de um particular conjunto de países. Falando na COP23, Mohamed Adow, da Christian Aid, disse que “os dias em que se procurava por um país para liderar a transição desapareceram. Estamos agora em uma nova era, onde realmente vemos a liderança distribuída e compartilhada, onde 200 países contribuem coletivamente para o esforço global”.

 

ELIMINAÇÃO DO CARVÃO

 

Um segundo grande momento da COP foi o lançamento da “Powering Past Coal Alliance“, liderada pelo Reino Unido e pelo Canadá. Mais de 20 países e outros atores subnacionais se juntaram à aliança, incluindo a Dinamarca, Finlândia, Itália, Nova Zelândia, Etiópia, México e as Ilhas Marshall; bem como os estados dos EUA de Washington e Oregon. A coalizão pretende associar 50 membros até a próxima COP.

 

Embora a declaração da aliança diga que, para atender aos objetivos do Acordo de Paris, “a eliminação do carvão é necessária até 2030 na OCDE e na UE e, no mais tardar, até 2050 no resto do mundo”, os signatários não se comprometem com qualquer data específica para eliminação do combustível fóssil, nem com acabar com o financiamento a termelétricas a carvão intactas, mas somente a “restringi-lo”.

 

Claire Perry, a ministra do clima do Reino Unido, viajou para Bonn para lançar a iniciativa junto com a ministra da Educação do Canadá, Catherine McKenna. O Reino Unido já se comprometeu a eliminar o carvão até 2025, enquanto o Canadá tem um prazo até 2030.

 

 

Vários grandes consumidores de carvão não assinaram a declaração. Além dos EUA, por razões óbvias, também não assinaram Alemanha, Polônia, Austrália, China e Índia.

 

Enquanto isso, a chanceler alemã, Angela Merkel, manobrava um delicado equilíbrio tentando manter sua liderança climática no cenário mundial e, ao mesmo tempo, negociando internamente um governo de coalizão entre o seu partido, a União Democrata Cristã, o Partido Verde e os Democratas Livres (FDP).

 

A eliminação do uso do carvão se transformou em um ponto focal significativo para os ativistas nas cúpulas da Convenção Clima, e as esperanças de que Merkel comprometeria a Alemanha com uma data firme para tal foram quebradas.

 

Por seu lado, Michael Bloomberg usou um evento paralelo para prometer US$ 50 milhões para expandir sua campanha anti-carvão dos EUA para a Europa.

 

 

AÇÃO PRÉ-2020

 

As negociações oficiais terminaram nas primeiras horas da manhã de sábado, depois de algumas discussões de última hora sobre a sempre controversa questão do financiamento climático (veja o mapa de financiamento dos fundos climáticos multilaterais publicados no primeiro dia da COP pelo Carbon Brief).

 

No entanto, a ação climática pré-2020 foi um conflito-chave que emergiu já nos primeiros dias da COP23. Os países em desenvolvimento se preocupam com o fato dos países ricos não terem feito o suficiente para cumprir os compromissos assumidos para o período que vai até 2020. Estes compromissos são separados do Acordo de Paris, o qual se aplica apenas para o período após 2020.

 

São duas as preocupações principais: em primeiro lugar, os países desenvolvidos ainda não entregaram os prometidos US$ 100 bilhões por ano de financiamento climáticos até 2020, que foram motivo de acordo feito em 2009 em Copenhague; em segundo lugar, a Emenda de Doha, um segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto para os anos anteriores a 2020, ainda não foi ratificada pelo número necessário de países para sua entrada em vigor.

 

Os países em desenvolvimento, incluindo a China e a Índia, ficaram particularmente irritados pela ação pré-2020 não ter espaço formal na agenda de negociação da COP23. Eles insistiram para que fosse criado este espaço argumentando que o alcance dos compromissos anteriores a 2020 são parte fundamental da construção de confiança par o restante das negociações.

 

Jennifer Morgan, diretora do Greenpeace internacional, diz que a questão da ambição pré-2020 tem a ver com os países desenvolvidos, que se comprometeram a assumir a liderança na Convenção Clima em 1992, estarem ou não assumindo esta liderança, e se eles tomaram medidas específicas para reduzir suas próprias emissões antes de 2020.

 

Morgan disse ao Carbon Brief que “muitos países desenvolvidos queriam simplesmente ignorar estes compromissos e se concentrar no pós-2020, mas os países em desenvolvimento disseram “não”, que nós realmente precisamos de um pico de emissões globais até 2020, então queremos que esse seja um grande tópico aqui”.

 

Inicialmente, muitos países desenvolvidos rejeitaram a demanda. No entanto, ao final, concederam, e a ambição e a implementação pré-2020 formaram uma parte importante do texto final da COP23 acordado e publicado no início da manhã de sábado.

 

 

Os países em desenvolvimento perderam a batalha pela inclusão das ações anteriores a 2020 na agenda, mas ganharam a guerra porque a ambição pré-2020 agora está incorporada nas negociações #COP23

 

Isso incluiu um acordo para a realização de sessões adicionais – em 2018 e 2019 – relacionada ao inventário de emissões para analisar o progresso nas reduções de emissão, bem como duas avaliações do financiamento climático a serem publicadas em 2018 e 2020. Os dados a serem enviados pelos países serão reunidos em um relatório-síntese sobre a Ambição pré-2020 que deve ser divulgado antes da COP24, que acontecerá em dezembro do próximo ano em Katowice, na Polônia.

 

Cartas também serão enviados aos países inscritos no Protocolo de Quioto que ainda não ratificaram a Emenda de Doha instando-os a depositar os seus instrumentos de aceitação o mais rápido possível. Vários países europeus ratificaram a Emenda de Doha durante a COP, incluindo a Alemanha e o Reino Unido.

 

A Polônia, país que tem conseguido fazer a UE não ratificar o Acordo de Paris, também anunciou planos para ratificar a emenda neste ano. A UE, que é tratada como uma parte da Convenção Clima, também sugeriu que poderá ratificar o acordo sem a Polônia.

 

COP DE FIJI

 

Com Fiji sendo o primeiro estado das pequenas ilhas a presidir as negociações climáticas, eram altas as expectativas de impulso adicional às negociações. Os palestrantes da sessão de alto nível da quarta-feira foram recebidos por um discurso de Timoci Naulusala, um estudante de Fiji de 12 anos, lembrando aos delegados que “não é sobre como, ou quem, mas é sobre o que você pode fazer como indivíduo”.

 

 

A #COP23 terminou no sábado, mas esta mensagem de um menino de 12 anos das Ilhas Fiji ficará com os participantes por muito tempo.

 

As opiniões sobre a eficácia da presidência de Fiji foram dúbias, mas pelo menos duas conquistas significativas foram obtidas: o Plano de Ação de Gênero, que destaca o papel das mulheres na ação climática e promove a igualdade de gênero no processo; e a Plataforma das Comunidades Locais e dos Povos Indígenas, que apoia o intercâmbio de experiências e o compartilhamento das melhores práticas em mitigação e adaptação.

 

Fiji também lançou a Parceria Ocean Pathway, que visa fortalecer a inclusão da questão dos oceanos dentro do processo da Convenção Clima.

 

DIÁLOGO TALANOA

 

Há dois anos, em Paris, os países concordaram em promover um momento em 2018 para “fazer um balanço” de como a ação climática progride. Esta informação será utilizada para informar a próxima rodada de NDCs, prevista para 2020.

 

Esta forma de reconhecer a “ambição melhorada” – um termo que se ouviu muito nas COP23 – foi vista como um importante precursor do “mecanismo de torniquete” de longo prazo do Acordo de Paris, que visa aumentar a ambição em ciclos incrementais de cinco anos.

 

Originalmente chamado de “Diálogo Facilitador”, o processo foi rebatizado como “Diálogo Talanoa” por sugestão da presidência das Ilhas Fiji. Isso foi feito a espelho de uma abordagem tradicional usada em Fiji para processos “inclusivos, participativos e transparentes”.

 

O que precisa acontecer na COP24 para manter o Acordo de Paris no bom caminho? Respondem Rachel Cleetus, Li Shuo, Manuel Pulgar-Vidal e Carlos Rittl.

 

O Diálogo Talanoa foi incluído como um anexo de quatro páginas na decisão final principal da COP23. O texto estrutura o Diálogo em torno de três perguntas – “Onde estamos? Onde queremos ir? Como chegaremos lá?” – mas, também, inclui detalhes adicionais, como a decisão de aceitar insumos de partes interessadas, além das partes (países) do Acordo; a configuração de uma plataforma online para receber insumos; e uma nova ênfase nos esforços que estão sendo feitos no período anterior a 2020. Também diz claramente que o diálogo “não deve levar a discussões de natureza conflituosa”, com a identificação do posicionamento de partes individuais.

 

Naoyuki Yamagishi, do WWF Japão, disse ao Carbon Brief que “o Diálogo Talanoa deveria ser uma espécie de conversa orientada para a oportunidade, construtiva e orientada para a solução. Esse tipo de conversa, suscitando conversas sobre a ambição, tendem a ser conversas muito duras no contexto da Convenção Clima. O Diálogo Talanoa é uma tentativa de superar isso e criar um espaço para tentar ser positivo sobre isso.

 

O Diálogo Talanoa também foi mencionado no texto principal das decisões da COP23. Este trecho do texto sofreu alterações de última hora na COP23, uma vez que as partes negociavam até onde queriam estar comprometidos com o processo Talanoa. A escolha final das palavras “congratula-se com apreciação” é significativa – um rascunho anterior tinha endossos mais fortemente redigidos, mas não lançava oficialmente o Diálogo Talanoa, como feito no texto final. Versões ainda mais fracas também estavam na mesa.

 

De acordo com Yamagishi, “um equilíbrio cuidadoso” parece ter sido atingido entre as partes. Ele observa, no entanto, que o texto final torna difícil para os signatários desafiar a forma como o diálogo é organizado, uma vez que o “recebem” com apreciação e também o “lançam” oficialmente. Vale ressaltar que as mudanças de última hora também reconheceram que o diálogo “começou” em janeiro de 2018 e não na própria COP23, de acordo com os rascunhos anteriores.

 

A fase preparatória do Diálogo Talanoa começará já no próximo ano, antes da fase política conduzida pelos ministros na COP24 na Polônia. Um momento-chave para o Diálogo também será a publicação do relatório especial 1,5oC do IPCC, em setembro de 2018. A COP24 concluirá o Diálogo Talanoa em sua fase política.

 

O “LIVRO DE REGRAS” DE PARIS

 

Como foi o caso da COP22 de Marrakesh, no ano passado, as negociações desta sessão centraram-se em tentativas de fazer progressos significativos no desenvolvimento do “livro de regras” de Paris. O livro estabelecerá as regras e processos técnicos necessários para cumprir a ambição do Acordo de Paris.

 

Essas discussões são supervisionadas pelo Grupo de Trabalho Ad-hoc sobre o Acordo de Paris, o APA. O seu trabalho abrange várias áreas, incluindo a definição do quadro de promessas dos países (NDCs), relatórios dos esforços de adaptação, relatórios transparentes das ações realizadas em um “inventário global” (global stocktake) em 2023 e como monitorar a conformidade com o Acordo de Paris.

 

O prazo para o término deste trabalho termina na COP do próximo ano na Polônia. Mas o objetivo em Bonn foi criar um rascunho dessas diretrizes de implantação, com opções e desentendimentos esboçados de forma tão clara quanto possível para mostrar o que ainda precisa ser resolvido.

 

O texto final da COP23 reconhece que uma sessão de negociação adicional pode ser necessária em 2018, entre maio e a COP24 de dezembro, para garantir que o livro de regras de Paris seja concluído a tempo. Isso será decidido durante a reunião agendada para maio, embora os primeiros rascunhos do texto tenham sugerido “agosto/setembro de 2018” como o momento preferido para essa sessão adicional.

 

NDCS; ITEM 3 DA AGENDA

 

Um documento de 179 páginas que reuniu as posições das partes sobre as informações necessárias para a comunicação dos planos nacionais de ação climática (NDCs) foi lançado no início da semana. O tamanho do texto já indicava diferenças significativas ainda existentes na forma como as NDCs deveriam ser organizadas, entregues e atualizadas, o que gerou alguma decepção.

 

Yamide Dagnet, do World Resources Institute, diz que a comunicação das NDC foi a área do livro de regras de Paris que teve o menor progresso até o momento. Ela disse ao Carbon Brief que “os países ficaram entalados porque não havia acordo sobre como abordar a questão do alcance e diferenciação, bem como a flexibilidade. Então, foi por isso que chegamos a um documento de 180 páginas que inclui os pontos de vista de todos os países. Deve haver uma simplificação. Precisamos traduzir esses pontos de vista para algum tipo de opções para cada questão.

 

BALANÇO GLOBAL (GLOBAL SOTOCKTAKE – ITEM 6 DA AGENDA)

 

Mais progressos foram feitos no exercício de balanço global – uma versão mais formal do Diálogo Talanoa de 2018 – que é parte do Acordo de Paris e que terá lugar a cada cinco anos a partir de 2023. As discussões se centraram na equidade, bem como no escopo do balanço – por exemplo, incluirá ou não perdas e danos?

 

TRANSPARÊNCIA (ITEM 5 DA AGENDA)

 

As negociações sobre a transparência no livro de regras de Paris abrangem a forma como o cumprimento do Acordo será acompanhado, em fase com o “quadro de transparência reforçada” estabelecido pelo Acordo de Paris. Dagnet diz que houveram progressos significativos nestas conversas, resultando em um texto de 46 páginas. Ela disse ao Carbon Brief que “obviamente, o formato final será objeto de uma conversa política. Precisamos manter esse equilíbrio no próximo ano, mas, pelo menos, podemos realmente assistir a um bom progresso na transparência” (este artigo do Carbon Brief sobre a reunião intersecional de Bonn, de maio de 2017, explicou ao que se referem os diferentes “itens da agenda”).

 

AS LUTAS SOBRE FINANÇAS

 

A resolução de várias questões durante o último dia da COP23 deixou muitos esperando que a reunião terminasse, pela primeira vez, no horário. No entanto, as disputas sobre duas questões financeiras impediram que isso acontecesse, e a conferência acabou terminou somente às 5h30 da manhã de sábado.

 

As tensões de última hora se concentraram no Artigo 9.5 do Acordo de Paris, que pede aos países desenvolvidos que relatem seus fluxos de financiamento climático para países em desenvolvimento.

 

O ponto chave do Artigo 9.5 é melhorar a previsibilidade dos fluxos financeiros para os países em desenvolvimento, fornecendo informações para ajudá-los a desenvolver seus planos climáticos.

 

No entanto, assim como para as tensões sobre o “pré-2020” mencionadas acima, não houve espaço formal na agenda da COP23 para o desenvolvimento desta transparência, com os países desenvolvidos argumentando que as demandas estavam além do que foi originalmente acordado.

 

No final, os negociadores decidiram criar um tempo extra para discutir esta questão nas reuniões intersecionais que acontecerão até a COP24.

 

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Representantes do Brasil, África do Sul, Índia e China reafirmam seu compromisso com os tratados climáticos da ONU durante uma entrevista coletiva na COP23

 

 

Um segundo ponto crítico é o Fundo de Adaptação, um fundo multilateral relativamente pequeno, mas politicamente significativo, para projetos de pequena escala. As Partes concordaram anteriormente que este deve estar ao abrigo do Acordo de Paris, mas suas especificidades não foram decididas.

 

No final da noite, no último dia da COP23, os países membros do Protocolo de Quioto, ao qual o fundo atualmente atende, finalmente concordaram que o fundo “deve” servir ao Acordo de Paris.

 

O Fundo de Adaptação também recebeu mais de 90 milhões de Euros (incluindo 50 milhões da Alemanha) em novas promessas durante a COP. O mesmo montante também foi prometido ao Fundo dos Países Menos Desenvolvidos (LDCF).

 

Em separado, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse aos delegados da COP23 que a Europa cobrirá qualquer déficit de financiamento para o IPCC. Isso se segue à decisão dos EUA de retirar sua contribuição financeira ao IPCC. O painel “não vai perder um único Euro”, disse Macron. O Reino Unido também se comprometeu a dobrar sua contribuição.

 

PERDAS E DANOS

 

O Acordo de Paris inclui uma seção que reconhece a importância de evitar – e resolver – as perdas e danos causados ​​pelas mudanças climáticas. O Acordo também diz que as partes devem melhorar a “compreensão, ação e suporte” sobre este tema-chave, que se tornou um ponto problemático nas negociações nos últimos anos.

 

Para alguns, as perdas e danos tornaram-se o “terceiro pilar” da ação climática, ao lado da mitigação e da adaptação. Mas, ao contrário destas – com seus prometidos US$ 100 bilhões anuais de financiamento climático – atualmente não há fontes de financiamento para as perdas e os danos.

 

O atual fluxo de trabalho para a criação do livro de regras de Paris não inclui perdas e danos como ponto de agenda, o que significa que estas não possuem um grande espaço no processo político da Convenção Clima, apesar das demandas dos países em desenvolvimento por finanças adicionais necessárias para tal fim.

 

Ativistas fantasiados de urso polar protestaram perto do local da COP23 em Bonn, Alemanha

 

A COP23 incluiu as discussões sobre perdas e danos como parte de um processo técnico de mais baixo-nível, denominado Mecanismo Internacional de Varsóvia (ou “WIM”). Originalmente acordado em 2013, na COP19 que aconteceu na Polônia, este mecanismo é um canal da Convenção Clima separado do Acordo de Paris e que conta com seu próprio comitê executivo.

 

O WIM chegou a um novo “plano de trabalho de cinco anos” para o mecanismo que deve começar em outubro. No entanto, o WIM ainda não apresentou qualquer plano concreto sobre finanças – a principal dificuldade das discussões de perdas e danos. Um único “diálogo especializado” também foi definido para maio de 2018, que deverá informar a próxima revisão do WIM em 2019.

 

Sven Harmeling, da CARE internacional, disse ao Carbon Brief que adiar a discussão de finanças para 2019 é “totalmente inadequado” à luz dos impactos crescentes enfrentados por tantas pessoas. Uma maior ênfase no aprimoramento da ação e do apoio, bem como a identificação de fontes adicionais de financiamento, é urgentemente necessária para a questão das perdas e danos, diz ele, ao lado de iniciativas como a nova Parceria Global InsuResilience lançada nas negociações deste ano.

 

AGRICULTURA

 

Um dos resultados notáveis, ainda que de baixo perfil, da COP23 foi o fim de um impasse de anos na questão da agricultura.

 

As partes concordaram em trabalhar nos próximos anos sobre uma série de questões que ligam as mudanças climáticas e a agricultura. Concordaram também em juntar duas discussões técnicas até agora separadas sob um único processo.

 

Os países foram convidados a apresentar suas opiniões sobre o que deve ser incluído no trabalho até 31 de março de 2018, com opções que incluem como aumentar o carbono presente no solo e a fertilidade deste; como avaliar a adaptação e a resiliência; e a criação de melhores sistemas de gerenciamento de gado.

 

Jason Funk, do Center for Carbon Removal, disse que a decisão em si, ao invés do que lá se diz, é a parte mais significativa do acordo. Ele disse ao Carbon Brief que acompanha “as partes negociarem as questões da agricultura desde 2011 e, muitas vezes, eles quase chegaram perto de um acordo. Mas esta é a primeira vez que chegaram a um consenso sobre como trabalhar a questão agrícola. As apostas são muito altas e testemunhei as divisões profundas entre as partes sobre questões que ligam agricultura e mudanças climáticas. Da minha perspectiva, esta decisão indica que eles alcançaram um nível de confiança e entendimento comum sobre os pontos de vista uns dos outros, e essa confiança e compreensão abrirão caminho para que trabalhem juntos com êxito.

 

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) saudou o resultado, chamando-o de “um passo importante” para atender à necessidade de adaptar a agricultura às mudanças climáticas e atender a uma crescente demanda global por alimentos.

 

Enquanto isso, no início da semana, durante as discussões sobre o Conselho Consultivo Científico e Tecnológico (SBSTA) na COP23, houve uma escaramuça sobre a melhor maneira de contabilizar o impacto sobre o aquecimento global das fontes e sumidouros dos gases-estufa.

 

Diplomatas e políticos se reúnem no plenário principal para um exercício de balanço informal a meio da COP23

 

O argumento centra-se em como a métrica de Potencial de Aquecimento Global (GWP) contabiliza o efeito do metano. Brasil, Argentina e Uruguai formaram uma nova aliança para dizer que a métrica GWP atualmente sobrevaloriza a contribuição do metano, prejudicando-os “injustamente” por terem grandes setores pecuários. O Brasil reafirmou este ponto, também, na sua NDC, ao calcular as emissões tanto na métrica GWP quanto na métrica Global Temperature Potential (GTP).

 

No entanto, nenhuma resolução clara foi alcançada e a discussão foi empurrada para junho de 2019. Os observadores dizem que isto é algo a ser acompanhado em futuras reuniões.

 

A INTERFACE

 

Uma proposta apresentada pela República Democrática do Congo e seis outros países pede a inclusão de um novo item na agenda que considere uma nova interface (gateway). A ideia é criar uma plataforma de comércio de emissões a ser aprovada pela ONU e projetada para “incentivar, medir, relatar, verificar e responder a uma maior ambição de entidades corporativas, investidores, regiões, estados/províncias, cidades e organizações da sociedade civil”.

 

Isso gerou preocupação entre alguns quanto ao mecanismo aumentar a influência corporativa sobre as negociações da ONU. Ocorreram preocupações semelhantes, durante a primeira semana na COP23, em relação a uma proposta da Ucrânia que visava aproximar as empresas de energia do processo climático da ONU, incorporando multinacionais de energia em uma “camada intermediária” entre a UNFCCC e os governos nacionais.

 

OS CAMINHOS PARA 2018

 

Com a conclusão da COP23, o relógio começa a marcar os prazos e eventos de 2018. Com o Diálogo Talanoa definido em sua essência e acontecendo ao longo do próximo ano, ainda resta muito trabalho antes de se chegar a um acordo em relação ao livro de regras de Paris COP24 na Polônia.

 

Algumas datas-chave da agenda climática do próximo ano:

 

Finalmente, o Brasil se candidatou oficialmente para sediar a COP25 em 2019, que está programada para acontecer na América Latina e no Caribe (a Argentina e a Jamaica também propuseram suas candidaturas). A oferta do Brasil foi inicialmente “aceita com apreciação“, o que sugere que tem alguma vantagem na disputa. No entanto, uma intervenção de última hora colocou o assunto em consulta.

 

A Turquia e a Itália sinalizaram interesse em acolher a COP26 em 2020, outro ano-chave no qual uma próxima rodada de NDCs deve ser apresentada.