ClimaInfo, 1 de agosto de 2018

ClimaInfo mudanças climáticas

SECA NO CENTRO SUL ESTÁ QUEBRANDO A SAFRA DE CANA-DE-AÇÚCAR

A falta de chuvas no centro sul do país está reduzindo semanalmente as estimativas da safra de cana-de-açúcar. O impacto será sentido na colheita dos próximos meses, já que a cana colhida até junho cresceu com as chuvas do verão. A colheita de julho, em São Paulo, teve uma queda de quase 5% na produtividade por hectare. Além da falta d’água para o canavial, o tempo seco está aumentando o número de incêndios na lavoura, que já chegaram a quase 2.700 focos nesta temporada. As esperanças se voltam agora para a possibilidade da vinda de um El Niño, que, em geral, traz chuvas para a região canavieira.

Será interessante ver o comportamento do Renovabio num cenário de quebra de safra. Uma menor produção de etanol geraria menos CBIOS, os créditos de carbono do Programa e, com menos CBIOS na praça, muita distribuidora de combustível sofreria para atingir a meta anual lhes atribuída.

https://www.valor.com.br/agro/5695751/estiagem-amplia-quebra-da-safra-de-cana-no-centro-sul

 

CENSO AGROPECUÁRIO: APPs E RESERVA LEGAL OCUPAM 22% DOS ESTABELECIMENTOS

Dados do censo agropecuário do IBGE dão conta de que a atividade agropecuária é desenvolvida em mais de 5 milhões de propriedades que ocupam 350 milhões de hectares, 41% do território nacional. Quase 20% do território são pastagens e a lavoura ocupa 7%. Existem ainda 3% dedicados a outras finalidades. Dos 350 milhões de hectares ocupados pela atividade agropecuária, o IBGE identificou um total de pouco mais de 100 milhões de hectares com mata nativa e florestas, dos quais 75% estão em APPs e Reserva Legal, o que dá 22% da área dos estabelecimentos agropecuários. O censo se limita a coletar as informações prestadas e não as confronta com dados de satélites e quetais. Assim, este valor deve estar superestimado, pois dificilmente alguém vai declarar uma área preservada menor do que realmente é. Ainda assim, na semana passada, a fração ruralista do pessoal da Embrapa Agropecuária disse que as áreas protegidas dentro de propriedade rurais somavam 218 milhões de hectares. Esta área é mais do que o dobro da identificada no Censo.
https://censos.ibge.gov.br/agro/2017/

https://www.valor.com.br/agro/5691697/grandes-fazendas-puxam-expansao-da-agropecuaria

https://www.valor.com.br/agro/5686067/area-rural-com-vegetacao-nativa-soma-218-milhoes-de-hectares-no-pais

 

TEM SENTIDO CONTRAPOR CARROS A ETANOL COM ELÉTRICOS?

O professor José Goldemberg, presidente da Fapesp, voltou a contrapor carros movidos a etanol com os elétricos. Com razão, diz que a eletricidade na maioria dos países ainda depende de combustíveis fósseis e, portanto, tem uma grande emissão embutida. Mas tem menos razão quando diz que as emissões associadas ao etanol são muito pequenas. Segundo a calculadora desenvolvida para o Programa  Renovabio, as emissões do etanol correspondem a um terço das emissões da gasolina, enquanto várias avaliações de ciclo de vida do uso do etanol em veículos leves mostram emissões menores que 20% das da gasolina. Goldemberg também diz que o etanol polui menos do que a gasolina e que seu uso melhoraria a qualidade do ar nas grandes cidades, o que já não é tão certo com as tecnologias atualmente embarcadas nos veículos. Melhor mesmo seria termos muito menos carros circulando e o grosso do transporte urbano ser público, com um ganho expressivo de eficiência. A eletricidade poderia ser a força motriz principal e o etanol, como o professor bem cita, poderia ser usado para carregar as baterias.

Um último pitaco: o transporte de carga interurbano é, talvez, um dos maiores desafios para quem se preocupa em descarbonizar a matriz energética brasileira. Em geral, a ferrovia só é competitiva em distâncias longas e com muita carga. Não é nosso caso, onde as distâncias com muita carga são menores que 500 km e as distâncias maiores não têm muita carga para levar. Assim, parece que o caminhão continuará relevante por um bom tempo. Não seria o caso de investir em pesquisa e desenvolvimento para o uso do etanol em caminhões?

https://www.valor.com.br/opiniao/5695825/carros-eletricos-ou-etanol

 

UM GUIA PARA A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA (2a PARTE)

O Financial Times está publicando um guia para a transição energética em capítulos. Ontem saiu o 2o lote de artigos (falamos do 1o em 18/6).

O 1o artigo traz histórias de ações pessoais que mostram que cada um de nós pode fazer diferença. Trata-se de examinar hábitos de vida e de pensar que estes embutem emissões e outras poluições, como os plásticos. Mudar esses hábitos pode ser difícil, mas o aquecimento global não vai parar nos 2oC se a parte mais rica da humanidade continuar consumindo com a voracidade atual. O 2o artigo reafirma a necessidade urgente de um preço para as emissões para fazer a economia global emitir menos (com a ressalva da nota seguinte).

Os dois artigos seguintes narram a persistente importância do carvão na Indonésia e no Paquistão. Os artigos dizem que os países se aproveitarão do carvão em baixa na China para manter sua energia barata – localmente e no curto prazo. A Indonésia já contribui para o aquecimento global com seu desmatamento e aumentará sua contribuição com mais térmicas a carvão. Tanto ela quanto o Paquistão estão na lista dos países mais impactados pelo aquecimento que, em parte, eles mesmos estão provocando.

Na sequência, dois artigos exemplificam a luta contra a poluição atmosférica na China e no México e sobre a relação intrínseca desta com a emissão de gases de efeito estufa, posto que ambas vêm da queima dos combustíveis fósseis.

O último artigo do lote fala da luta do movimento ambiental para mostrar que o aquecimento existe e é provocado pela humanidade. Aponta que o embate mais importante está sendo travado para encerrar a idade dos fósseis, por meio de campanhas de desinvestimento em corporações que lucram com os fósseis.

https://www.ft.com/reports/energy-transition-guide

 

IMPOSTO SOBRE AS EMISSÕES DA AGRICULTURA PODE TER IMPACTO PIOR QUE O DA MUDANÇA DO CLIMA

Muito se fala sobre impostos e mercados de carbono envolvendo as atividades que queimam combustíveis fósseis para gerar eletricidade e tocar indústrias e o transporte. Pouco se fala destes sobre as emissões da agropecuária. Um trabalho publicado na Nature conclui que colocar um imposto sobre o carbono emitido pela agricultura pode ser um tiro no pé e que os impactos sobre a produção de alimentos podem ser maiores do que os impactos da própria mudança do clima. A modelagem usada incorporou os efeitos da mudança climática na produtividade agrícola e os efeitos de um aumento da produção de biocombustíveis para a redução das emissões fósseis. Os autores adotaram a premissa de que um imposto sobre emissões fósseis favorece a produção de biocombustíveis, que, por sua vez, competem com os alimentos pela terra forçando um aumento de preços e uma menor disponibilidade dos últimos. No modelo, o imposto também incide sobre as emissões diretas da agropecuária e sobre as emissões associadas à mudança de uso da terra. Os dois fatores fazem o preço dos alimentos subir ainda mais, o que amplifica a fome e a pobreza no mundo. Um cenário a ser evitado tomando muito cuidado com a precificação das emissões, possivelmente fazendo-a acompanhar de políticas públicas voltadas à proteção das populações mais vulneráveis.

https://www.nature.com/articles/s41558-018-0230-x

 

O CLIMA E OS REGIMES AUTORITÁRIOS

A mudança do clima é uma hidra de muitas ameaças, e sociedades ameaçadas são mais vulneráveis a radicalizações e a soluções autoritárias. A guerra civil na Síria foi aguçada por uma seca desestabilizadora e, excetuando os primeiros anos, virou um conflito de visões autocráticas – Assad contra radicais que se dizem islâmicos. Um golpe de estado na Maldivas, onde o novo autocrata se retira do cenário das discussões do clima e onde seu antecessor havia sido protagonista, para prometer construir novas ilhas mais protegidas contra a elevação do nível do mar. Um artigo na New Republic aponta o Oriente Médio e o leste da África como os cenários de crises agudas novamente provocadas ou aguçadas pelo novo clima que vem chegando. Diz o artigo: “povos que se sentem ameaçados por uma força externa, sejam invasores estrangeiros ou marés crescentes, frequentemente buscam se reassegurar. E este seguro pode vir na forma de um ditador, alguém que lhes diga que tudo ficará bem, que a economia crescerá e que os muros para conter o mar o conterão. Só é preciso desistir de eleições e seus procedimentos, até que a crise seja debelada. Talvez esta seja a mais ignorada das ameaças da mudança do clima: grandes mudanças no clima global podem abrir espaço para uma nova geração de líderes autoritários, não só em países mais pobres ou nos com instituições democráticas mais fracas, mas em nações ricas e industrializadas também”.

https://newrepublic.com/article/148861/climate-change-authoritarian-leaders

 

MAIS CHINESES COMENDO MAIS CARNE NÃO É BOM PARA O CLIMA

A China consome 28% da carne do mundo e seu consumo tende a seguir crescendo. Até o início da abertura da economia chinesa, a maioria da população vivia na zona rural e sob muita pobreza. Hoje, milhões se mudaram para as cidades e desfrutam de uma qualidade de vida que gerações passadas não podiam sequer imaginar. Parte do cardápio desta qualidade de vida é a carne. Em 1980, a população ainda não tinha chegado ao primeiro bilhão e, em média, cada chinês comia menos de 14 kg de carne por ano. Hoje, eles são quase 1,4 bilhões, consumindo mais de 60 kg per capita por ano. O impacto da carne se mede em emissões de metano e na competição pelo uso da terra com outros alimentos. Embora a China esteja consumindo o dobro de carne consumida pelos EUA, o consumo per capita lá ainda é metade. Estima-se que a manutenção do ritmo de aumento no consumo de carne implique em quase dobrar as emissões da agropecuária mundial e comprometer seriamente o limite de 1,5oC.

https://undark.org/article/china-meat-consumption-climate-change

 

A NEGAÇÃO DA MUDANÇA CLIMÁTICA DEIXARÁ DE BENEFICIAR AS EMPRESAS FÓSSEIS EM BREVE

Vamos tentar resumir o muito interessante artigo escrito por Phil McDuff para o Guardian: 2018 está a caminho de ser o 4o ano mais quente já registrado, superado apenas por 2016, 2015 e 2017. Segundo a NOAA, junho de 2018 é o 402o mês consecutivo com temperaturas acima da média do século 20. Sabemos do impacto que a liberação repentina de carbono à atmosfera teria sobre o clima da Terra desde meados do século passado. No entanto, como espécie, temos sido incapazes – e parece que não estamos dispostos – a fazer algo sobre isso. Nossa demanda por carbono gerou grandes lucros para as empresas que produzem combustíveis fósseis e riquezas insondáveis ​​para as pessoas que as administravam. O que criou um grupo de interesse muito poderoso com interesse em manter o sistema funcionando. Sabemos agora que a indústria fóssil sabe da mudança climática desde, pelo menos, 1977, quando James L. Black, cientista da Exxon, fez uma apresentação para a diretoria da empresa detalhando sua pesquisa sobre o aquecimento global. Mas as empresas de energia despejaram dinheiro não para reduzir o carbono, mas para negar a realidade da mudança climática. Por meio de campanhas de mídia bem orquestradas e esforços de lobby, criaram uma narrativa-padrão de negação: “a mudança climática não está acontecendo, mesmo que aconteça não tem nada a ver conosco, e mesmo que tenha algo a ver conosco, seria muito caro mudar isso”. Mas todos os negócios e todas as pessoas vivem no mesmo planeta, no qual os custos aumentarão devido à mudança climática. Um estudo do grupo de trabalho Economics of Climate Adaptation (ECA) estima que as perdas devido às mudanças climáticas podem chegar, até 2030, a 19% do PIB em algumas partes do mundo.

Difícil dizer quando a indústria fóssil será impactada pelos custos crescentes causados pela mudança climática, mas a questão certamente é “quando” e não “se”, de modo que é bom colocar as barbas hipsters de molho.

https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/jul/31/climate-change-denial-oil-companies-fossil-fuels

 

SECAS, ONDAS DE CALOR E INUNDAÇÕES: COMO SABER QUANDO A MUDANÇA CLIMÁTICA É A CULPADA

A Nature News publicou um artigo detalhado sobre como os cientistas do clima estão agora conseguindo atribuir eventos climáticos individuais às mudanças climáticas. A revista entrevista, entre outros, o Dr. Friederike Otto, um especialista em modelos climáticos da Universidade de Oxford que na semana passada publicou os resultados preliminares de um estudo rápido de atribuição sobre a onda de calor que varre a Europa neste verão, revelando que ela é cinco vezes mais provável devido à mudança climática causada pela humanidade. A revista diz que “o trabalho da equipe de Otto se junta a um conjunto de estudos sobre atribuição de clima. De 2004 a meados de 2018, cientistas publicaram mais de 170 relatórios cobrindo 190 eventos climáticos extremos ao redor do mundo”. Até agora, as descobertas sugerem que cerca de dois terços dos eventos climáticos extremos estudados se tornaram mais prováveis, ou mais severos, devido às mudanças climáticas. A edição da Nature News também traz um editorial com o título ‘Atribuir o clima extremo às mudanças climáticas é agora uma ciência rotineira e confiável’.

(Da newsletter do Carbon Brief)

https://www.nature.com/articles/d41586-018-05849-9

 

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