NO GOVERNO BOLSONARO, O MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DÁ LICENÇA AMBIENTAL PARA OS MINISTÉRIOS DA ECONOMIA E DA INFRAESTRUTURA
Ontem, o futuro chefe da casa civil conversou com a imprensa e disse que a pasta do meio ambiente ficará sob o ministério da agricultura, como Bolsonaro tinha ensaiado durante a campanha. O capitão-afastado-agora-presidente-eleito decidiu ignorar os vários recados vindos do setor exportador do agronegócio, de analistas do mercado internacional de commodities e, claro, do campo ambiental daqui e lá de fora. Em compasso de bolero – dois-prá-lá, dois-prá-cá – ele voltou atrás em outro recuo e decidiu colocar a pasta da indústria, desenvolvimento e comércio exterior debaixo de um superministério da economia.
O andar da carruagem lembra a marchinha de Adoniran Barbosa: “Se vocêis pensa que nóis fumos embora, nóis enganemos vocêis, fingimo que fumo e vortemo, ó nóis aqui traveis.” A ver quanto tempo dura a última declaração.
REAÇÕES ÀS PROPOSTAS DE BOLSONARO & CIA PARA O MEIO AMBIENTE
Alex Tajra escreveu um especial para a UOL reforçando os riscos que a “política” ambiental de Bolsonaro gera, tanto para o meio ambiente quanto ao ambiente de negócios do país. Subordinar as responsabilidades do meio ambiente ao setor rural é, para a subprocuradora da República, Sandra Cureau, uma ideia “catastrófica, é o mínimo que eu posso dizer… Na prática, o ministério do Meio Ambiente vai acabar”.
No começo da matéria, Tajra conversa com a líder da bancada ruralista, deputada Tereza Cristina, que mentiu ao dizer que a fusão “já é praticada na Europa em muitos países como a Inglaterra, a Espanha, na Alemanha”. Na Espanha os temas ambientais estão sob o Ministério para a Transição Ecológica, que é completamente separado do Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação. A Alemanha tem o Ministério para o Meio Ambiente, Conservação da Natureza e Segurança Predial e Nuclear completamente separado do Ministério da Alimentação e Agricultura. Na Inglaterra, o Defra, Departamento para o Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais tem uma pegada mais forte nos temas ambientais. A fusão se deu como decorrência da epidemia da vaca louca, em 2001, quando o departamento que cuidava da agricultura e pecuária se revelou incapaz de conter a doença, por ser controlado pelos produtores rurais. Toda a área climática não está sob a responsabilidade do Defra. A deputada deveria pelo menos consultar os sites governamentais antes de citá-los.
Para ajudar a deputada a não mentir mais por aí, é bom que ela saiba que nos grandes países exportadores de produtos agrícolas, como EUA, Canadá e Austrália, os ministérios são independentes. Nos EUA, o meio ambiente é responsabilidade da Agência de Proteção Ambiental (EPA), ligada à presidência e completamente independente do Departamento da Agricultura (USDA). No Canadá, existem as Environment and Climate Change Canada e Environmental Protection Review Canada, de um lado, e a Agriculture and Agri-Food Canada, do outro. E a Austrália juntou o meio ambiente com energia e os separou do Departamento da Agricultura e Recursos Hídricos. Em tempo de caça às bruxas, é bom dizer que os governos dos EUA e da Austrália não são comunistas. O governo canadense é liberal segundo os cânones da ekipeconômika (apud Glauber Rocha, um ‘comunista’).
AS OPORTUNIDADES QUE NÃO DEVERIAM SER PERDIDAS PARA A AMAZÔNIA
A Folha de ontem publicou dois artigos preciosos sobre a Amazônia, assinados por Caetano Scannavino, coordenador da ONG Saúde & Alegria, e por Thomas Lovejoy, biólogo e ecologista falando da Amazônia. Scannavino lembra bem que é preciso uma política séria para explorar a região, ao contrário do que é feito hoje, onde iniciativas para explorar corretamente a madeira simplesmente quebram porque não conseguem competir com as operações ilegais. “Sem uma séria revisão programática do governo eleito – menos mal que sinalizou recuar em algumas propostas – corremos o risco de perder os mercados de commodities mais exigentes, de sofrer retaliações comerciais, de encarecer custos, inclusive do agronegócio. Sem florestas, não tem água; sem água, não tem agricultura. Quem é a favor do agro deveria ser o primeiro a combater o lado ogro do setor e pressionar por bom senso.”
Lovejoy toma o projeto de asfaltamento da BR-319 que liga Manaus a Porto Velho: “Os últimos 300 km da BR-319 não foram asfaltados por um bom motivo, ficam em uma região baixa e úmida, convertendo sua construção e manutenção em um pesadelo”. Se referindo a trabalhos recentes com o climatólogo Carlos Nobre, Lovejoy diz que “a conclusão lógica e inescapável é que isso (a Amazônia toda) precisa ser administrado como um sistema. A chave para a proteção do precioso ciclo de umidade é a manutenção de 80% da floresta – e sua ampliação, com a ajuda de algum reflorestamento prudente. É a única maneira de evitar o ponto de inflexão amazônico, agora preocupantemente próximo, que ressecaria as partes sul e oeste da Amazônia. As consequências seriam negativas para a floresta e sua biodiversidade, para a população, para os interesses agrícolas ao sul e para o sistema climático continental”.
Em tempo: a decisão de ontem de Bolsonaro, de colocar o meio ambiente sob o comando da agricultura, vai exatamente no sentido contrário dos avisos dos dois colunistas.
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/10/o-pais-do-futuro-tem-futuro.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/10/amazonia-e-tempo-para-uma-nova-visao.shtml
MILITARES PREOCUPADOS COM O DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA
Militares pertencentes ao grupo que está planejando o próximo governo estão preocupados com o desmatamento na Amazônia. Aparentemente, eles partiram dos estudos sobre a hidrologia do bioma e entenderam a crucial importância da floresta para o agronegócio brasileiro. Uma fonte mencionou que “para eles, é uma questão de segurança nacional. Na discussão sobre a fusão da Agricultura com o Meio Ambiente, eles fizeram chegar ao Bolsonaro essa preocupação”.
Pelo jeito, não adiantou.
https://www.valor.com.br/brasil/5957995/militares-querem-impedir-alta-do-desmatamento
RURALISTA SE QUEIXA DO MERCADO GOSTAR CADA VEZ MENOS DE DESMATAMENTO
O uber-ruralista e futuro senador, Luiz Heinze, entende que a ONGs ambientais estão a serviço dos estrangeiros malvados que não conseguem competir com o agro brasileiro e ficam inventando dificuldades e sobrecustos para enfraquecê-lo. É bom lembrar que Heinze foi um dos que mais comemorou a aprovação do Código Florestal como sendo uma vitória contra os ambientalistas. Pelo discurso do senhor, se depreende que os ambientalistas ganharam. Heinze, que é cotado para o Ministério da Agricultura, deveria estar mais preocupado com a visão geopolítica de Bolsonaro, que pretende alinhar o Brasil com os EUA e Israel. Se isto realmente acontecer, o agronegócio brasileiro terá grandes dificuldades para manter os mercados árabes e chineses. Tentar vender carne, soja e milho para o maior produtor mundial de carne, soja e milho não parece ser muito esperto. Até onde se tem conhecimento, as ONGs malvadas não têm muita voz nem junto à China nem junto aos países árabes.
Por outro lado, é verdade que os mercados internacionais estão querendo cada vez mais distância do desmatamento e de condições degradantes de trabalho. O jornalista Mauro Zafalon, da Folha, chama atenção para a importância da diplomacia comercial para a manutenção das portas abertas. A isso se dá o nome de processo civilizatório.
ATUAL BANCADA RURALISTA QUER ENFRAQUECER O LICENCIAMENTO AMBIENTAL ANTES DA POSSE DO NOVO CONGRESSO
O congresso que toma posse em 1o de janeiro não terá algumas das lideranças ruralistas. Assim, a bancada decidiu pressionar para aprovar o que pode ser aprovado. A lista começa pelo projeto de lei do licenciamento “flex”. Dentre outras, eles querem que propriedades rurais fiquem isentas do licenciamento, como se a atividade se desse em um lugar longe do ambiente natural, que não usasse água, não precisasse de polinização por insetos e cujos efluentes dos venenos e fertilizantes que aplicam desvanecessem por mágica. Essa parte do “ogronegócio” adota as estratégias adotadas pela agricultura dos tempos coloniais até o século passado: usa-se a terra até que ela não mais consiga suportar a produção. Aí desmata-se um pouco mais e começa tudo de novo em terras frescas. Como lembrou Lovejoy (veja nota anterior), falta pouco para o ponto de virada da floresta Amazônica, a partir do qual, o bioma se degrada sem a menor aptidão para a agricultura.
https://www.valor.com.br/politica/5957935/agricultura-e-incognita-para-proximo-governo
GRANDES PRODUTORES DE PETRÓLEO BLOQUEIAM AÇÕES CLIMÁTICAS, MAS TERÃO QUE DIVERSIFICAR
Um trabalho da Agência Internacional de Energia (IEA) levanta questões importantes para seis dos maiores países produtores de petróleo e gás – Iraque, Nigéria, Rússia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Venezuela. A IEA aponta três grandes problemas: a produção de óleo e gás de folhelho, que fez os EUA passar de país importador para maior produtor do mundo, o aumento constante da eficiência do uso da energia e as ações no mundo todo para a contenção do aquecimento global. Assim, o trabalho conclui dizendo que a transição para uma matriz energética de baixa emissão faz com que seja mandatório para esses países passarem por reformas estruturais. Serve de alerta para o Brasil, que ainda não faz parte dos grandes, mas que vem se esforçando para entrar neste clube de alto risco.
Uma matéria interessante na E&E News conta os meandros pelos quais os negociadores climáticos da Arábia Saudita vêm bloqueando e postergando ações durante os últimos 30 anos. O artigo ainda diz que, durante um bom tempo, os EUA deram muita força por trás dos panos para os sauditas, tomando-os como defensores às claras dos combustíveis fósseis.
E por falar em petróleo, o preço do barril parece ter estabilizado em torno de US$ 75 depois de ter subido a quase US$ 85 em setembro. Há um ano, o preço mal tinha passado de US$ 65. Isso ajudou bastante a BP a obter um lucro líquido no 3º trimestre quase 90% maior do que no mesmo período do ano passado. A BP sofreu pesados prejuízos em função de multas e indenizações que teve que pagar ao longo de quase 8 anos pela explosão da plataforma de petróleo no Golfo do México.
https://www.carbonbrief.org/iea-clean-energy-transition-makes-reforms-inescapable-for-oil-states
https://www.eenews.net/stories/1060104547
DEPOIS DE UM VERÃO INFERNAL, A EUROPA SOFRE COM FRIO, CHUVAS E ENCHENTES
O tempo voltou a ficar maluco na Europa, especialmente na Itália, onde já morreram nove pessoas. Lá, foram registrados ventos de até 180 km/h. Veneza está passando pela pior inundação dos últimos dez anos, com o nível da água passando de 1,5 metros. Desde que existem registros, essa é apenas a quinta vez que o mar sobe tanto. Nevou muito nas montanhas na França e na Itália. Mais chuvas e enchentes no sul e no centro da Europa fecharam estradas e derrubaram redes elétricas.
https://www.repubblica.it/cronaca/2018/10/30/news/maltempo_nove_vittime_in_tutta_italia-210354791
https://www.theguardian.com/world/2018/oct/30/wild-weather-across-europe-leaves-nine-dead-in-italy
https://www.theguardian.com/world/2018/oct/29/venice-experiences-worst-flooding-since-2008
A ATIVIDADE HUMANA REDUZIU A POPULAÇÃO ANIMAL EM 60%
O Relatório Planeta Vivo 2018, da WWF, mostra que nos últimos 40 anos, a população animal do planeta – de mamíferos, pássaros, peixes, répteis e anfíbios – diminuiu 60% por causa do homem. O relatório não inclui animais de criação, que, aliás, contribuem para a redução da biodiversidade. A atividade humana implicou na perda e na degradação de habitats naturais e, a isso, soma-se a sobrepesca e a sobrecaça. Por exemplo, o relatório destaca a poluição por plásticos, citando que, nos anos 60, foram encontrados pedaços de plástico no estômago de 5% dos pássaros. Hoje, o índice é de 90%. O Relatório diz que “o futuro das espécies não parece chamar a atenção suficiente dos líderes mundiais… Que todo o mundo compreenda que o status quo não é uma opção. Somos a primeira geração que tem uma visão clara do valor da natureza e do nosso impacto nela. Poderemos também ser a última capaz de inverter esta tendência… Uma porta sem precedentes se fechará rápido”.
https://www.worldwildlife.org/pages/living-planet-report-2018
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