CimaInfo, 22 de janeiro de 2019

ClimaInfo mudanças climáticas

Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial

Por conta da viagem de Bolsonaro ao Fórum Econômico Mundial, Ana Toni e Alice Amorim, do Instituto Clima e Sociedade, formularam seis questões que o novo presidente precisa responder para o público de Davos em um artigo publicado na Climate Change News. Muito sucintamente, as questões passam pelos planos para o enfrentamento dos riscos climáticos, dos riscos de reputação colocados para as corporações que investem em um Brasil mais desprotegido ambientalmente, dos riscos colocados pelo crime organizado que grila terras e desmata a Amazônia e dos riscos do alinhamento automático ao governo Trump. Falando da economia do país, as autoras perguntam se a cacofonia ministerial expressa obstáculos à implantação do programa econômico de Paulo Guedes e onde foi parar o combate à desigualdade, tema caro para a audiência de Davos. Uma versão em português do artigo está no site do Climainfo.

Nelson de Sá diz na Folha que a reunião deste ano em Davos terá menos estrelas globais, já que os chefes de estado dos EUA, França, Reino Unido, China, Rússia e Índia não irão. Bolsonaro será obrigado a falar a uma sala de investidores um tanto desconfiados. A economia brasileira continua patinando. O barulho do início do governo fez investidores nacionais apostarem na Bolsa, mas os estrangeiros reduziram sua exposição. A retórica anti-ambiental e anti-direitos humanos afasta corporações que têm estruturas de governança bem definidas.

Sobre Davos, Gillian Tett, comenta no Financial Times o relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial publicado na semana passada. Falando da perenidade dos desafios climáticos na cabeça dos altos executivos globais, Tett diz que “as declarações dos ex-presidentes do Federal Reserve e de vários laureados com o Prêmio Nobel sobre riscos climáticos (…) apontam para uma tendência (e um tema) potencialmente maior para 2019. Esperemos que ele desencadeie ainda mais medidas tangíveis do que as que vimos no cenário da reforma financeira de dez anos atrás – e que sejam mais eficazes.” O artigo de Tett saiu no Valor.

Graeme Wearden escreveu no The Guardian sobre o que entende serem os grandes temas da reunião. Ele também fala da preocupação com a mudança do clima. E destaca uma dupla familiar: o aumento do populismo e a chacoalhada na economia globalizada.

 

O enfraquecimento e o desmonte da agenda ambiental

Um dos estranhamentos que o presidente enfrentará em Davos é consequência do desmonte da política ambiental promovida antes mesmo de seu governo completar um mês. Segundo matéria da Folha de São Paulo, um dos ministros que viajou com o presidente disse que o Brasil é vítima de uma injustiça no debate ambiental, acusando gente que se esconde por trás de organizações não governamentais para criticar “enquanto eles próprios plantam uva até na linha do trem”. É um excelente discurso para os seguidores do presidente nas redes sociais. Dificilmente alguém da plateia de Davos faz parte desse grupo.

A ex-ministra Marina Silva foi entrevistada pelo Valor e colocou os pingos no ‘is’: “O ministro [Ricardo Salles] não assumiu para ser o ministro da proteção, mas para ser o ministro da liquidação do Ministério do Meio Ambiente. Sabe quando você tem aquela pessoa indicada para fazer a liquidação da massa falida? É isso que ele está fazendo. E não dá nem para dizer que é uma pessoa bem-intencionada, ele faz o jogo, sabe o que está fazendo.”

O UOL perguntou a Roberto Romano, da Unicamp, e a Marco Antonio Carvalho Teixeira, da FGV, sobre a profusão de conflitos de interesse de membros do governo em face de suas atribuições. É um chefe da Funai que terá que deliberar sobre um projeto do qual foi do Conselho Consultivo, são ruralistas cuidando de delimitações de terras, do Cadastro Ambiental Rural e do ICMBio. “As pessoas envolvidas alegam que não existem conflitos de interesses e que tudo está bem, como se a palavra delas fosse a última instância. Elas se autorizam a fazer qualquer coisa. O que define o conflito de interesses é o objeto dele e não o sujeito”, explica Romano.

 

Salles quer coibir a fiscalização do Ibama ameaçando fiscais

É fato que o ministro do meio ambiente é um dos mais midiáticos do governo e não resiste ao impulso de falar o tempo todo aos jornais. Ontem, ele ganhou as manchetes dizendo que punirá fiscais que aplicam multas abusivas e inconsistentes. Segundo matéria da Folha, “o ministério cobrará explicações do servidor e, caso seja constatada má-fé, ele poderá ser penalizado por medidas internas de controle. Um dos mecanismos em estudo seria cobrar do fiscal os prejuízos causados à pasta pelos custos das ações judiciais decorrentes desses processos.” O ministro não definiu o que é abusivo e o que é inconsistente. Assim, a ameaça funcionará para que os fiscais do Ibama parem de sair a campo. A quantidade de multas cairá. O ministro pode até usar uma eventual queda como argumento da tese da “indústria da multa”. Mas terá que acender velas para todos os santos para que nenhuma Mariana apareça. Se esses levantamentos forem sérios, verá que a líder em multas é a Petrobrás, seguida de mineradoras e indústrias. E não o setor do agronegócio que ele e seu presidente dizem defender.

 

Novo presidente do ICMBio diz que áreas protegidas são propriedades rurais

O veterinário Adalberto Eberhard assumiu a presidência do ICMBio na quinta passada fazendo um gracejo para uma plateia seleta de ruralistas: “335 é o número de propriedades rurais que o ICMBio administra no país”, se referindo às Unidades de Conservação sob responsabilidade do Instituto que agora dirige. Ele continuou dizendo que “são 335 fazendas, onde não tem boi, não tem gado; mas algumas que ainda têm (…) Eu nem falo Unidades de Conservação, que é para dar a dimensão exata do que estamos falando. São 335 propriedades que refletem 9% do território brasileiro na mão de uma instituição.” Eberhard mostra, assim, que faz parte dos que acham que o agronegócio prescinde dos serviços ambientais dos ecossistemas amazônicos e dos sistemas de captação e circulação das águas dos aquíferos.

 

Ministro anuncia três não-tão-novas ferrovias

Segundo matéria da Folha, o ministro da infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, anunciou nas redes sociais a concessão de três novas ferrovias, dizendo que estava promovendo a “retomada do transporte ferroviário”. A primeira é o trecho que liga Porto Nacional, em Tocantins, a Estrela d’Oeste, em São Paulo, parte da Ferrovia Norte-Sul. Chamar este projeto de “novo” exige um esforço brutal de amnésia, já que o trecho fez parte de muitos programas governamentais nos últimos anos, inclusive do Programa de Aceleração do Crescimento de Lula e Dilma e do PPI de Temer. A segunda é a ligação entre Caetité, na Bahia, ao porto de Ilhéus, parte da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, que, algum dia, servirá para escoar grãos do Centro-Oeste a Ilhéus. Isto é, quando for licitado e construído o ramal de mais 1.000 km entre Caetité e Figueirópolis, no Tocantins. Até lá, a utilização da ferrovia não deve ser lá essas coisas. A terceira “novidade” é a conhecida Ferrogrão, que escoaria soja de Sinop, no norte do Mato Grosso, ao porto de Miritituba, às margens do Tapajós no Pará. O ministro não falou o que acontecerá com a BR-163 e as milhares de pessoas que vivem em função do tráfego de caminhões.

 

Governo libera venenos mais perigosos nos alimentos e em cima de trabalhadores e suas famílias

A Lei do Veneno nem precisou ser aprovada para o governo começar a liberar uma baciada de agrotóxicos. Segundo matéria d’A Pública, no último dia 10, o Ministério da Agricultura liberou o registro de 28 agrotóxicos e princípios ativos. 27 deles já estavam registrados, mas podem agora ser aplicados em mais lavouras e, portanto, alimentos. O que acaba de aparecer “oficialmente” é o Sulfoxaflor, motivo de polêmica nos EUA. Dos 28, um é considerado “extremamente tóxico” e outros quatro são “altamente tóxicos”; 14 são considerados “muito perigosos” para o meio ambiente e 12 são “perigosos”. Uma semana depois, foi dada a entrada no pedido de registro de outras 131 substâncias que passarão, agora, pelas avaliações técnicas. Se o PL do Veneno estivesse valendo, este rito seria sumário e, muito possivelmente, colocaria os novos venenos nas prateleiras ainda no primeiro semestre.

Seria importante que as autoridades de saúde reforçassem o acompanhamento dos casos de intoxicação de trabalhadores rurais e suas famílias, assim como de alimentos. Porém, não há muita esperança de que esse governo o faça.

 

Goldemberg: o aquecimento global é real apesar dos que não o aceitam

O professor José Goldemberg afirmou que o aquecimento global é real e que o clima está mudando. Ele explica como funciona a ciência e o que significa a opinião quase unânime dos cientistas ao dizerem que a responsabilidade é da humanidade e de seus modos de produção. O recado é dado para “alguns dos colaboradores do presidente Bolsonaro”: “quem nega isso são leigos que inventam teorias conspiratórias, setores ligados a interesses contrariados de produtores de carvão e petróleo ou simplesmente desinformados.” Goldemberg lamenta a perda de prestígio do país: “O Brasil perdeu protagonismo e prestígio internacional nesta questão ao desistir de sediar a Conferência do Clima em 2019 porque ela se realizará no Chile e nossa capacidade de influir nos resultados diminuirá com possíveis prejuízos para o nosso próprio país. Mais ainda, perder ‘status’ internacional com o argumento de que a conferência teria gastos elevados não é convincente porque o mesmo argumento deveria ter valido para os Jogos Olímpicos que exigiram a construção de inúmeros estádios a alto custo que estão hoje praticamente ociosos.”

 

A mudança do clima na América Latina

Provocado possivelmente pelas ameaças de retirada do Brasil do  Acordo de Paris, Joseph S. Tulchin, historiador do Centro Internacional Woodrow Wilson, faz um resumo interessante de vários aspectos da crise climática na América Latina. Ele fala das reservas de petróleo e gás que deverão ter uma parcela importante deixada de ser explorada caso sejam cumpridas as NDCs, e fala da agricultura, especialmente a do Brasil, que poderá sofrer com crises hídricas e com as mudanças nos padrões de temperatura e chuva. Fala também das oportunidades da região, especialmente pelo potencial de energia renovável já em parte aproveitado e com amplas perspectivas de expansão. “As economias sul-americanas estão, portanto, em excelente posição para lucrar com a mudança econômica global na direção da economia verde. Naturalmente, isso exigirá que governos e atores privados reconheçam a urgência de fazer esses investimentos”. Tulchin diz que a própria estabilidade política da região poderá ser ameaçada caso se realizem os cenários mais drásticos da mudança do clima: “A América Latina já é a região com mais desigualdades no mundo. Como os efeitos da mudança climática atingem mais duramente os mais vulneráveis, os governos se verão diante de desafios que demandarão muita luta para serem enfrentados.”

 

Enfrentar a mudança do clima usando lições do buraco de ozônio

Jonathan Watts escreveu um artigo interessante no The Guardian, buscando tirar lições da “campanha que salvou o ozônio”. Há 30 anos, quase 200 países assinaram um Protocolo para banir a fabricação e uso de gases da família de clorofluorcarbonos, os CFCs. O cloro desses gases reage com átomos de oxigênio na estratosfera evitando, assim, a formação de ozônio. O ozônio, formado por 3 átomos de oxigênio, é a principal barreira aos raios ultravioletas do Sol. Sem a camada de ozônio, esses raios aumentariam significativamente os casos de câncer de pele, além de outros efeitos deletérios na biosfera. Watts fala da importância da comunicação usada para sustentar o “princípio da precaução”: é melhor evitar a destruição do ozônio do que o custo econômico e humano do aumento de casos de câncer. Na época, países ricos bancaram a pesquisa, desenvolvimento e colocação no mercado de substitutos para os CFCs e ajudaram os países menos ricos a fazer a transição. O que inicialmente era visto como um prejuízo, tornou-se uma oportunidade para novos empreendimentos e novos empregos. Watts diz que o sucesso do banimento dos CFCs “nos lembra que nada em política é inevitável, que lucros não precisam vir antes de pessoas, que problemas globais podem encontrar soluções globais e que podemos moldar nosso próprio futuro.”

 

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