Negacionistas defendem “uma agenda climática baseada em evidências e nos interesses reais da sociedade”

Um grupo de negacionistas da mudança climática escreveu uma carta aberta ao ministro do meio ambiente, Ricardo Salles (copiando o vice Mourão e vários outros ministros), na qual propõem uma agenda climática cujos principais objetivos seriam: “a) um melhor conhecimento da dinâmica do clima, com ênfase nos estudos paleoclimáticos do território brasileiro; e b) um aumento da resiliência da sociedade para fazer frente aos eventos meteorológicos extremos e a quaisquer tendências climáticas que se manifestem no futuro.” Nada contra estes objetivos, mas os signatários propõem persegui-los “em lugar do alarmismo sobre o aquecimento global e da pseudopanaceia do ‘baixo carbono'”. Os dois objetivos são evidentemente limitados frente ao tamanho da questão. Mas o problema principal da carta é a negação da necessidade da mitigação das mudanças climáticas. Para eles, “não há evidências físicas da influência humana no clima global”, “a hipótese do aquecimento ‘antropogênico’ é um desserviço para a Ciência e um risco para as políticas públicas” e “a ‘descarbonização’ é desnecessária e deletéria”. Com isso, embora aceitem o aquecimento global como um fato, negam a necessidade de políticas públicas efetivas que venham a zerar o desmatamento e promovam o abandono paulatino da queima de combustíveis fósseis, passos essenciais para a mitigação das mudanças climáticas. Isso já é muito grave, mas a coisa piora se observarmos que os autores tentam enquadrar aqueles que se preocupam com as mudanças climáticas como “ambientalistas”, categoria que claramente menosprezam. Com isto, tentam mascarar que, na realidade, estão atacando a Ciência do Clima, os dezenas de milhares de trabalhos científicos que pouco a pouco foram construindo o entendimento científico atual da questão climática e que foram essenciais para a construção da Convenção Clima (a UNFCCC) e do Acordo de Paris.

Em tempo 1: interessante observar que os signatários praticamente não têm trabalhos publicados em revistas científicas indexadas da área climática. O grosso das publicações dos três principais signatários foi feito nos campos da meteorologia e da geografia, a análise dos trabalhos da turma mostra um padrão claro de automultiplicação (vários dos signatários são orientadores e ex-orientandos) e, à exceção dos trabalhos dos três principais, os demais, na sua maior parte, têm trabalhos publicados principalmente em anais de congressos, sendo que muitos num tal de Fórum Ambiental da Alta Paulista. Quanto aos três principais signatários, Ricardo Felício já teve sua ficha entregue pelo Direto da Ciência em agosto de 2017, Luiz Carlos Molion faz seu negacionismo com financiamento do agronegócio e o geógrafo José Bueno Conti publicou um artigo mencionando muito superficialmente os diversos ciclos naturais que têm consequências sobre a temperatura média global, cuja superposição para a construção da curva de temperatura média global já foi exaustivamente estudada pelo IPCC.

Em tempo 2: um outro signatário, Fernando de Mello Gomide, autor do livro “Astrologia à luz da Ciência”, assina a carta como “professor titular (aposentado) do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA)”, onde, de fato, foi Auxiliar de Ensino entre 1956 e 1959.

 

Boletim ClimaInfo, 12 de março de 2019.