Ousemos um modelo econômico do século 21

O professor de economia da UFRJ, Carlos Eduardo F. Young, nos convida a um novo pensamento sobre o desenvolvimento econômico em fala proferida em audiência pública na Câmara dos Deputados no dia 04/06/2019, quando se discutiu os benefícios da conservação da biodiversidade

 

 

É com a tranquilidade de um professor de Economia que peço a vocês repensarem a conservação ambiental como um instrumento de desenvolvimento.

Do ponto de vista econômico, nós estamos na pior crise vivida por este país desde sua transformação em República. Sim, as estatísticas da década de 30 são ruins, mas nelas não encontramos um período tão longo de estagnação. E, à despeito do discurso de que basta resolver uma ou outra reforma, tirar um direito trabalhista aqui, tirar um direito previdenciário ali, que as coisas se acomodarão automaticamente.

Meus 30 anos de experiência como professor de macroeconomia me permitem dizer que estas reformas não vão resolver. Nós precisamos de uma forma de criar emprego e gerar receita que seja compatível com a inclusão social e com a qualidade de vida.

É preciso repensar o Brasil. E por várias vezes o Brasil teve a chance de se repensar. Eu vou pedir desculpas por uma pequena digressão: quero regressar ao século 19. Coloquem-se no Parlamento Brasileiro da época quando se colocou a hipótese da abolição da escravatura.

Dom Pedro I parte do Brasil, abdica ao trono, vai para Portugal e encaminha uma resolução solicitando a abolição da escravatura. A discussão se arrasta por mais de meio século no Parlamento “porque vai quebrar o agronegócio”, “porque vai subir o preço dos alimentos”, “porque o Brasil vai ter um problema de balança comercial porque não vai ter mais o que exportar”, “porque, na verdade, o escravo é protegido pelo Senhor e, se eu tirá-lo da Senzala ele não vai ter onde morar” (comparem os argumentos contrários à liberação dos escravos com os utilizados agora, no século 21). Muitos anos se passaram nesta embromação, e pagamos a conta até hoje. Porque naquele momento, como sociedade, nós não tivemos a audácia, a dignidade de reverter o modelo e pensar o futuro deixando de olhar o passado.

Qual era o medo que os escravocratas tentavam colocar no debate? “Se você mudar isso, a gente vai mudar o status quo, a gente vai alterar as coisas como são, e vamos quebrar. Não! A gente precisa, na verdade, é de mais escravidão.”

Lembremos que o deputado pernambucano Joaquim Nabuco perde a reeleição de 1882 justamente por ser um grande abolicionista. E ele escreve um pouco depois o Manifesto Abolicionista, onde fala o seguinte: “Mesmo que a gente resolva agora, hoje, a questão da abolição, nós teremos mais de 100 anos de contas a pagar por causa disso”.

Eu quero, então, que vocês reflitam sobre isso em relação ao nosso modelo de desenvolvimento econômico. Que modelo de desenvolvimento econômico queremos para o nosso país? Cortar os custos trabalhistas ao máximo? Cortar todos os direitos? Cortar os gastos sociais necessários para qualificar a mão de obra? E, com isso, termos a mão de obra mais barata possível para sermos competitivos? E, de forma análoga, vamos tratar de igual jeito essa enorme vocação natural que nos foi dada?

Nós temos o maior patrimônio de biodiversidade do planeta, e isso, no século 21, não é pouca coisa. Somente agora começamos a entender o que significa patrimônio genético. Nós estamos destruindo o patrimônio genético sem saber o que temos. É como se vocês chegassem numa biblioteca e queimassem os livros antes de os ler. É como apagar o disco rígido de um computador sem saber o que tem lá dentro. Nós estamos fazendo isso, não só continuando a fazer, como estamos regressando ao estágio onde achávamos que, para desenvolver mais, nós precisamos estender até o limite a pastagem, a plantação, como se isso fosse resolver a coisa.

Na faculdade de economia a gente aprende sobre a lei da oferta e da demanda. Se eu estender até o infinito a pastagem – “Vamos transformar a Amazônia numa imensa pastagem” – o preço da carne vai cair. O que que aconteceu com o Brasil quando tinha excesso de produção de café? O preço caía. Porque esses produtos não têm conteúdo tecnológico. Aumentar a produção brasileira como temos aumentado nas últimas décadas – e aparentemente o modelo agora é apostar em mais do mesmo, mais extração mineral, mais exportação de produtos primários sem processamento – significa o que? Não gerar emprego.

Senhores, por favor, abram as estatísticas do IBGE. Nenhum setor desemprega mais do que o agro. É o IBGE que diz isso: o agropecuário expulsou 3 milhões de pessoas nos últimos 20 anos. Nenhum setor desemprega mais do que o agro. É nisso que a gente vai apostar as fichas? Eu vou destruir uma riqueza para ter mais bois? Nós já temos mais bovinos que seres humanos nesse país. Qual é a consequência social disso?

E ousemos pensar num modelo diferente, um modelo de século 21, um modelo de crescimento com igualdade, onde as Unidades de Conservação – e a política ambiental como um todo – não apenas assegurem novas fontes de crescimento, ou seja, mais PIB, como garantam uma melhor qualidade de vida, um PIB melhor.

E por que estamos falando disso? Porque são ações possíveis. Porque as Unidades de Conservação de uso sustentável compõem a maioria do território hoje conservado. Em dois terços da área das Unidades vivem pessoas, existem comunidades, tem pescador, tem extrativista. E o uso turístico, que tem um potencial enorme? É ridículo o Brasil ter uma visitação tão baixa. O número de visitantes por aqui é menor que o da Argentina. Mesmo com todo esse potencial.

Nós temos uma enorme dependência de água. Mudanças climáticas implicarão ciclos hidrológicos extremos. Se tirarmos a proteção de cobertura florestal, teremos crise hídrica. Dom Pedro II mandou reflorestar a Floresta da Tijuca porque ele sabia, lá em 1860, que floresta protege água. Não é um conhecimento tão extraordinário assim.

E, para terminar, nós vivemos hoje uma enorme crise fiscal. E eu aprendi com o meu amigo Carlos Mussi, da CEPAL, que “o passivo ambiental de hoje é o passivo fiscal de amanhã”. Se nós retirarmos a cobertura florestal, o que que teremos? Mais desabamentos… Eu vivo numa cidade chamada Rio de Janeiro, onde qualquer chuva hoje se transforma numa calamidade. Não apenas porque as pessoas morrem ou têm suas casas destruídas, mas porque o trânsito para. Imaginem se não existisse a Floresta da Tijuca? Retirem a Floresta da Tijuca do Rio de Janeiro e verão um caos maior ainda.

Então eu queria fazer esse convite a vocês. Ousemos pensar um modelo do século 21. Deixemos de imaginar como solução uma volta à economia colonial, à economia do século 19, porque não isso não resolverá o problema. Temos que buscar soluções que sejam de fato adequadas aos nossos problemas. E nós temos esse enorme ativo, essa enorme fonte de riqueza para investir, para viver melhor e para ter uma prosperidade econômica que seja de fato sustentável.