Nós queimamos, vocês pagam: a nova lógica ambiental do Brasil

4 de dezembro de 2019

Por ocasião da Semana do Clima de Salvador, o ministro Ricardo Salles disse que, em sua opinião, esse tipo de encontro é desculpa para se fazer turismo. No entanto, além de desfrutar dos bons vinhos e tapas em Madri, Ricardo Salles começa a dar pistas do motivo que o mantém durante duas semanas na COP25. Em entrevista à Bloomberg, Salles mostrou-se um aguerrido defensor dos mercados de carbono. Sob o olhar cético e perguntas certeiras da apresentadora, Salles esbanjou argumentos furados sobre os méritos ambientais do atual governo que justificariam a entrada de recursos climáticos no país.

A lógica de Salles foi captada com maestria pelo pessoal do ECO. Para quem nunca foi a uma conferência climática: esse é um dos principais boletins diários independentes que circulam entre os negociadores. Elaborado pela CAN (também responsável pelo “Fóssil do Dia” da nota acima), o ECO é leitura obrigatória. A edição de ontem explica como sua tática nada mais é que chantagear países mais ricos para que paguem ao Brasil pela queima da Floresta Amazônica. A matéria faz um alerta: “No ambiente atual, os doadores em potencial devem obter clareza sobre os beneficiários de qualquer financiamento e sistema de supervisão e monitoramento. Existe um alto risco de qualquer financiamento ser canalizado para os próprios fazendeiros e grileiros que estão ocupados invadindo e desmatando ilegalmente parques, reservas indígenas e áreas protegidas.”

Em tempo: Ricardo Salles sempre menciona os 20 milhões de amazônidas que precisariam de crescimento econômico para parar de desmatar. Temos duas observações a fazer sobre esta fala recorrente de Salles: (1) os dados do PRODES mostram que ⅔ do desmatamento acontecem em apenas 45 dos mais de 800 municípios da Amazônia Legal, onde – segundo o IBGE – vivem 1,74 milhão de pessoas, menos de 10% do número alardeado por Salles. (2) Uma parte destes 1,74 milhões de habitantes – constituída por indígenas, ribeirinhos e outras populações tradicionais – não se entende como “pobre”, na acepção dos brancos de classe média; o que fica muito claro no depoimento de uma liderança indígena a Eliane Brum: eles se entendem como ricos, porque não precisam de dinheiro; para estas populações, a grilagem, a invasão de terras e o garimpo ilegal são produtoras de pobres, aqueles que, expulsos de suas terras, vão morar nas periferias das cidades amazônicas.

 

ClimaInfo, 4 de dezembro de 2019.

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