Preços baixos do petróleo podem não mais criar danos para a ação climática

petróleo crise

Uma tempestade quase que perfeita fez com que o preço do petróleo caísse e causasse estragos nos mercados globais neste começo de semana. O maior impulso veio da guerra de preços travada pelos principais produtores globais, a Rússia e a Arábia Saudita. A permanência por meses ou mesmo anos de um petróleo assim barato pode ter grandes implicações para o enfrentamento das mudanças climáticas.

Tipicamente, o petróleo barato facilita a sua utilização. Também faz com que as companhias petroleiras reduzam seus gastos, incluindo os com projetos de energia limpa. E obriga os governos a fornecer subsídios para apoiar algumas das petroleiras em dificuldades. Tudo isso ajuda a aumentar as emissões, uma má notícia para a atmosfera em aquecimento.

Entretanto, se os preços baixos do petróleo forem sustentados por mais tempo desta vez, é provável que o quadro seja muito mais complicado, podendo até oferecer alguns aspectos positivos para o clima a longo prazo, segundo o que Akshat Rathi escreve em sua newsletter Net Zero. Eis algumas razões para isso.

Primeiro, o perfil de risco dos investimentos em energia mudou. A perfuração de petróleo continua a ser um jogo de alto risco. No passado, no entanto, havia uma chance muito boa de que a descoberta de um campo petrolífero produzisse bons retornos. Não mais agora, pois crescem as preocupações com ativos não recuperáveis, ou “ativos encalhados”, como discutido neste artigo de maio do ano passado. Além disso, a energia renovável é hoje uma indústria mais madura do que há cinco anos, quando o petróleo caiu a pique. Como uma perspectiva menos arriscada, tem atraído grandes investidores que estão investindo muito dinheiro na construção de projetos que rivalizam com a capacidade das centrais elétricas convencionais.

“Agora não faz sentido reduzir o investimento em renováveis se o preço do petróleo cair”, disse Mark Lewis, diretor de sustentabilidade do BNP Paribas Asset Management. “É mais lógico reduzir o investimento em petróleo”.

Em segundo lugar, o sentimento mais amplo dos investidores mudou. Após o Acordo Climático de Paris, de 2015, vários grandes investidores se reuniram, sob grupos como o Climate Action 100+, para exigir que as empresas coloquem a sustentabilidade no centro de seus modelos de negócios. “É por isso que é improvável que haja as mesmas respostas automáticas das empresas como no passado”, disse Tom Burke, presidente do think tank ambiental E3G.

Em terceiro, os compromissos governamentais se fortaleceram. Os governos agora percebem que uma época de preços baixos dos combustíveis é um bom momento para cortar subsídios aos combustíveis fósseis ou aumentar os impostos sobre o consumo destes combustíveis. Estes movimentos podem ajudar a evitar o tipos de protesto que se viu na França, no Irã, no Equador e o Brasil quando foram propostos aumentos nos preços dos combustíveis. Os cortes poderiam até ser implementados de forma a “proteger ou até mesmo beneficiar as famílias e as comunidades mais pobres”, disse Helen Mountford, vice-presidente de clima e economia do World Resources Institute.

Consideremos o exemplo da Índia. Durante o último ciclo de preços baixos, entre 2014 e 2016, quando o petróleo caiu brevemente abaixo dos 30 dólares por barril, o país cortou os subsídios anuais aos combustíveis fósseis de US$ 29 bilhões para US$ 8 bilhões. E aumentou os impostos sobre o consumo. Parte do dinheiro angariado pela Índia foi desviado para subsídios à energia renovável, depois do país ter estabelecido uma meta ambiciosa de implantação de até 175 GW de energia, principalmente solar e eólica, até 2022 – praticamente o total da capacidade de geração de energia do Brasil.

Em quarto, o cartel da OPEP perdeu seu poder de moldar o mercado. “O impacto sustentado do xisto norte-americano reduziu significativamente a capacidade da OPEP de controlar os preços”, disse Shane Tomlinson, vice-chefe executivo da E3G. “Essa tendência vai continuar.” Mesmo que o xisto seja atingido na atual guerra de preços, Tomlinson acha que é relativamente barato e rápido para os investidores “voltarem ao jogo do xisto”. Um mundo assim, se vier a existir, cria um cenário interessante. “A ideia que começa a entrar na consciência de alguns agentes do mercado é o desejo de ser o último a ficar em pé”, disse Burke. Como produtores como a Arábia Saudita podem lucrar mesmo com os baixos preços do petróleo, eles podem agora “expulsar os pequenos produtores do mercado, então haverá uma vida mais longa para os produtores de baixo custo”, acrescentou ele.

Finalmente, embora o preço do petróleo continue sendo um indicador econômico importante, ele se torna menos importante à medida que o mundo procura se afastar dos combustíveis fósseis. “O impacto do preço do petróleo no crescimento econômico mais amplo tem sido dissociado desde a década de 1980″, disse Tomlinson.

Não é uma mudança pequena para um mundo onde o petróleo tem comandado a economia e países ricos em petróleo têm dominado a geopolítica. Se o petróleo de fato perder sua influência, pode ser um grande fator positivo para a ação climática”.

Em tempo: ontem o preço do petróleo recuperou um pouco do tombo que levou na 2ª feira, assim como as bolsas também subiram um pouco. Por enquanto, os sinais não tranquilizam ninguém, mas também não criam o pânico que se previa. Vale ler as matérias do Valor e do New York Times. Jason Bordoff, no Foreign Policy, diz que esta crise é bem diferente das anteriores e que, mesmo que o preço do petróleo se recupere, um terremoto geopolítico pode ter um alcance ainda maior. Ele se refere à situação inédita que coloca a queda de demanda do fóssil por conta do freio gripal na China simultaneamente à sobreoferta gerada pela disputa entre Rússia e Arábia Saudita. E a disputa entre os dois será sangrenta. Os russos, segundo Bordoff, são mais resilientes a preços baixos do que os Sauditas. Mas no curto prazo, estes conseguem afundar ainda mais o preço do petróleo. De qualquer modo, ambos se beneficiam da perda de mercado da extração mais cara do folhelho nos EUA e no Canadá. Por aqui, segundo o Valor, o temor é que a queda do preço do petróleo tende a baratear a gasolina no mercado doméstico e tirar competitividade do etanol nos postos.

 

ClimaInfo, 11 de março de 2020.

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