Governo federal e ruralistas correm contra o tempo para votar a MP da Grilagem

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O governo federal segue trabalhando intensamente para que a Câmara dos Deputados paute nesta semana a votação da MP 910, a “MP da Grilagem”. Com envolvimento ativo do presidente Jair Bolsonaro, o Planalto busca mobilizar seus novos aliados do Centrão para pressionar o comando da Câmara a votar a medida em plenário, mesmo sem acordo entre ruralistas e ambientalistas.

Na sexta passada, o relator da MP, deputado Zé Silva (SD-MG), fez alterações no parecer com o objetivo de facilitar um acordo entre os dois lados. A principal delas é a retirada de um trecho da proposta original que estenderia a possibilidade de regularização para terras ocupadas até 2014. Sem essa ampliação, o marco temporal para regularização fundiária seguiria sendo aquele vigente hoje pelo Código Florestal – as ocupações até 2008 poderiam ser regularizadas, mas não aquelas feitas depois dessa data.

Mas a dispensa de vistoria prévia em propriedades com até 15 módulos fiscais (equivalentes a até 1,6 mil hectares de terra, dependendo da região do Brasil) segue sendo o maior obstáculo para um acordo na Câmara. Os ambientalistas defendem que essa dispensa aconteça apenas para propriedades com até 4 módulos, como era até a publicação da MP 910 pelo governo. Já ruralistas insistem com a possibilidade de propriedades maiores serem regularizadas apenas por sensoriamento remoto.

Esse ponto não é banal. Como bem lembra um editorial do Valor publicado na semana passada, se a dispensa de vistoria for estendida para propriedades de maior porte, seus “donos” terão que pagar apenas 5% do valor de mercado, uma renúncia fiscal que pode drenar o Tesouro Nacional em R$ 88 bilhões, segundo cálculos do WWF-Brasil. Ao invés de promover a regularização fundiária, essa medida daria mais ânimo para que grileiros continuem invadindo Terras Públicas ilegalmente.

No Estadão, Juliano Assunção e Armínio Fraga ressaltaram três pontos pelos quais a MP 910 pode facilitar a grilagem e o desmatamento na Amazônia. Primeiro, essa medida estenderia pela 2ª vez em apenas três anos o marco temporal para a legalização de ocupações de Terras Públicas, o que sinalizaria a falta de vontade das autoridades em fazer valer o que já está na lei. Segundo, a ampliação da possibilidade de regularização para invasores de terras de maior extensão sem a necessidade de vistoria e baseada apenas em autodeclaração e uso de sensoriamento remoto, o que abriria espaço para irregularidades e fraudes. E, terceiro, a isenção da necessidade de se realizar a recuperação ambiental nessas propriedades, o que permitiria a regularização de terras com enormes passivos ambientais.

Esse é um ponto central nas reservas de ambientalistas e especialistas em conservação ambiental quanto ao risco da MP 910: ao invés de promover a “regularização fundiária”, importante para o Brasil, essa proposta estimula mais invasões de Terras Públicas. Com a pressão que está sendo feita pelo governo, o risco é que o Congresso acabe votando e aprovando essa medida sem considerar adequadamente seus riscos e perigos. Como destaca Daniela Chiaretti, no Valor, a discussão desse tema complexo está sendo prejudicada pelas restrições impostas pela pandemia de COVID-19 às atividades no Congresso Nacional, o que torna as conversas entre ruralistas e ambientalistas ainda mais complicadas.

Vale a leitura da coluna de Míriam Leitão do último domingo (10) no jornal O Globo. Ela sintetiza o modo pelo qual a MP 910 se encaixa dentro de um esforço maior do governo Bolsonaro, com o ministro Ricardo Salles à frente, que busca enfraquecer as salvaguardas ambientais e os direitos dos Povos Indígenas do Brasil, mesmo durante a pandemia.

Em tempo 1: Oito ex-ministros do Meio Ambiente pediram em carta ao Presidente da Câmara que a MP 910 não seja colocada em votação no plenário. Assinam a carta os ex-ministros Edson Duarte (governo Temer); José Sarney Filho (governos FHC e Temer); Izabella Teixeira (governo Dilma); Marina Silva e Carlos Minc (governo Lula); Gustavo Krause e José Carlos Carvalho (governo FHC); e Rubens Ricupero (governo Itamar).

Em tempo 2: A Terra de Direitos promove hoje um debate virtual sobre os riscos e irregularidades da MP 910, com a participação da procuradora federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), Deborah Duprat, e o integrante da Associação Brasileira de Reforma Agrária, Acácio Briozo. O debate terá a mediação de Maíra Moreira. A live começa às 18h nas páginas da Terra de Direitos no Facebook e YouTube.

 

ClimaInfo, 11 de maio de 2020.

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