A boiada de Ricardo Salles

Salles boiada

Uma das surpresas reveladas na gravação da reunião do Conselho de Governo liberada no final de semana pelo STF foi a fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Na reunião ocorrida quando o Brasil já acumulava 45 mil casos de COVID-19 e quase três mil mortos, o conselho do ministro a seus colegas foi o de aproveitar aquele “momento de tranquilidade” na atenção da imprensa e da opinião pública para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.

Para Salles, aquela seria “a hora de unir esforços para dar de baciada a simplificação [regulatória]”, sem a necessidade de consultar ou obter aprovação do Legislativo. “Não precisamos do Congresso. Porque coisa que precisa de Congresso também, nesse fuzuê que está aí, nós não vamos conseguir aprovar. Agora tem um monte de coisa que é só parecer, caneta. Parecer, caneta”.

Na reunião, Salles também confirmou que a decisão tomada pelo Ministério do Meio Ambiente no final de abril, que mudou o entendimento da pasta sobre desmatamento ilegal na Mata Atlântica e, na prática, anistiou ou reduziu consideravelmente as obrigações e multas para aqueles que destruíram a floresta sem autorização, foi feita a pedido do Ministério da Agricultura.

O tom e o conteúdo da fala de Salles escandalizou o Brasil.

Organizações da sociedade civil, como o Observatório do Clima (OC), WWF-Brasil, SOS Mata Atlântica e Greenpeace Brasil condenaram o ministro do Meio Ambiente e exigiram sua saída do cargo. Ontem (24/5), o ClimaInfo se uniu a essas organizações para publicar um anúncio nos três maiores jornais do Brasil – Folha de São Paulo, Estadão e O Globo – que destaca os absurdos ditos por Salles e exige sua saída do Ministério do Meio Ambiente.

A Transparência Internacional também reagiu à fala de Salles, acusando-a de ser um “sinal inequívoco de descompromisso com o princípio da transparência, que é o antídoto da corrupção. Está evidente o intuito de fazer tudo longe dos olhos da população e de seus representantes, os parlamentares”.

No sábado (23/5), Salles respondeu às acusações em entrevista dada à CNN Brasil. Disse que sua fala se inseria na preocupação de sua pasta com a desburocratização do Estado, uma bandeira do governo federal: “Eu defendi que todos os ministérios, inclusive o Ministério do Meio Ambiente, que houvesse espaço para desburocratização”. Salles também acusou a oposição de “judicializar” as questões relativas ao meio ambiente e ainda teve tempo na reunião para questionar a participação do Brasil no Acordo de Paris, argumentando erroneamente que o Brasil deveria ter a maior parte na fatia dos US$ 100 bilhões anuais do Fundo Climático Verde.

A estratégia de desmonte ambiental propagandeada no vídeo por Salles foi destaque em diversos veículos brasileiros, como Folha de São Paulo, Estadão, O Globo, Valor, VEJA, entre outros. No Jornal Nacional, a reação da sociedade civil também foi destacada.

No exterior, a repercussão foi péssima. A fala de Salles foi destaque na Reuters, nos The Guardian e Huff Post, entre outros veículos.

A ativista Greta Thunberg também condenou o ministro. “Imagine as coisas que foram ditas longe da câmera”, especulou Greta em um post no Twitter: “Nosso futuro comum é apenas um jogo para eles”.

Em tempo 1: Ana Carolina Amaral informou na Folha que a estratégia de Salles acabou não dando certo, já que tanto o Judiciário quanto o Legislativo reagiram às tentativas do governo federal de flexibilizar as regras ambientais durante a pandemia. E Daniela Chiaretti repercutiu no Valor a reação de quatro ex-ministros do Meio Ambiente e de lideranças da sociedade civil às afirmações feitas por Salles naquela reunião. Para eles, o atual ministro prejudica ainda mais a imagem do Brasil no exterior em um momento em que o país já está sendo notado lá fora pela sua resposta patética à pandemia de COVID-19.

 

ClimaInfo, 25 de maio de 2020.

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