Impactos conjunturais sobre o RenovaBio

Conjuntura macroeconômica e política e seus impactos sobre o RenovaBio: reflexões sobre a meta, aspectos regulatórios e pós-crise

Luan Santos[1] e Carolina Grangeia[2]

O RenovaBio é o programa instituído pela Lei 13.576/2017 (Brasil, 2017) que visa ampliar a participação dos biocombustíveis (etanol, biodiesel, biometano, bioquerosene, segunda geração, entre outros) na matriz energética brasileira, de modo a promover a agenda de segurança energética, bem como reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no setor de combustíveis. Com início oficial em dezembro de 2019, o programa foi idealizado em um cenário de crescimento econômico e de aumento do consumo de combustíveis[3]. A realidade, entretanto, é bem outra.

No atual contexto de incertezas econômicas e em meio à pandemia da COVID-19, diversas questões emergem sobre como ocorrerá a implementação do programa frente à queda nacional das vendas de combustíveis, bem como quais os reais impactos desse cenário macroeconômico para o alcance das metas obrigatórias do programa. Vale ressaltar que além da COVID-19, o início do ano de 2020 foi marcado por uma guerra de preços entre a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e a Rússia, que impactou diretamente o mercado sucroenergético. Dessa forma, faz-se importante uma análise mais detalhada do programa RenovaBio, suas vantagens aos produtores e a toda a cadeia, particularmente se concentrando na avaliação dos possíveis impactos aos distribuidores na atual conjuntura macroeconômica e política.

No início de abril, quando o preço do petróleo atingiu as mínimas do ano, 30 plantas processadoras de etanol de milho foram fechadas temporariamente nos Estados Unidos, até que houvesse melhoria das margens[4]. Contudo, com a efetivação de grande parte dos cortes anunciados pela OPEP, Rússia e outros produtores, e a expectativa de recuperação econômica, verificou-se uma estabilização nos preços do Brent e do etanol (Figura 1) ao longo do mês de maio.

Figura 1 – Indicador de preço Etanol Hidratado (jan/2020 – jul/2020)

* Nota: Sem frete, sem ICMS e sem PIS/Cofins

Fonte: Elaboração própria com base em CEPEA/ESALQ (2020)

Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que analisou os impactos da COVID-19 na oferta e demanda por combustíveis, assim como nas arrecadações para o período de 2020 e 2022, estima-se uma redução de 2% na moagem da cana comparada ao mesmo período do ano anterior, e um ganho na participação do açúcar no mix de produção, destacando que, apesar da queda na cotação internacional do açúcar, a desvalorização da moeda nacional favorece a exportação. Ainda, os resultados obtidos na análise estimam uma queda na produção e consumo de biocombustíveis entre 15% e 20% em relação ao ano anterior. No que tange às arrecadações de tributos com a comercialização de combustíveis, a EPE estima uma perda potencial na ordem de R$ 54 bilhões por todo o período analisado[5]. Relativamente à economia, o boletim FOCUS publicado pelo Banco Central, prevê queda do PIB brasileiro em 6,5% em 2020. Para 2021, espera-se crescimento de 3,5% e 2022 projetam expansão de 2,5%. [6]

No entanto, o atual momento traz diversos questionamentos e incertezas. Com este cenário de queda na demanda por combustíveis e dificuldades de previsibilidade de consumo atual e no pós-crise, questiona-se a manutenção das metas estabelecidas pelo RenovaBio, pois o setor não sabe se a comercialização de biocombustíveis deve gerar um volume suficiente de Crédito de Descarbonização por Biocombustíveis (CBIOs)[7] e nem se as distribuidoras terão condições financeiras para comprá-los. Outra questão se refere à situação financeira dos produtores e das partes obrigadas, haja vista as quebras contratuais e medidas para contenção da COVID-19 que delimitam recursos humanos e a produtividade como um todo. Já se discute o corte da meta prevista de redução de emissões de GEE para este ano em ao menos 50%, e gradativa redução nos anos subsequentes, avaliação esta que foi determinada pela Portaria nº 235, de 3 de Junho de 2020, e apresentado na Consulta Pública nº 94 de 5 de Junho de 2020[8]. Vale ressaltar que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) acredita que a geração de CBIOs será suficiente para o cumprimento das metas deste ano, no entanto a meta foi considerada em um cenário sem interferências, ou seja, sem considerar o atual panorama criado pela COVID-19[9].

De fato, o setor de distribuição será um dos mais afetados em termos de dispêndio de capital para o cumprimento das metas, pois, atreladas ao cumprimento das metas, existem questões institucionais, contratuais, tributárias, orçamentárias e de custeio, que, em meio às incertezas e indefinições iniciais do Programa, impactam diretamente as atividades do setor. Em relação à oferta de CBIOs, a partir das novas projeções de queda acentuada no consumo de combustíveis, a quantidade de notas de venda será reduzida, impactando diretamente na oferta de CBIOs no mercado, adquiridos tanto pelas partes obrigadas quanto não obrigadas.

O programa permite a aquisição de CBIO por qualquer agente interessado. Desta forma, fomentam-se as discussões sobre atividades especulativas e squeeze de mercado, visto que não há limitação de compra do ativo e ainda existe uma obrigação legal por parte das distribuidoras. Questiona-se, portanto, se haverá mecanismos para uma oferta suficiente ao cumprimento das metas estabelecidas e se o mercado terá agilidade no processo de comercialização dos CBIOs, de modo a gerar maior liquidez, e razoabilidade em relação aos volumes e preços ofertados.

Segundo o MME, inicialmente o equilíbrio de preços do CBIO só se daria com a isenção tributária[10]. O programa se iniciou – CBIO já adquiridos – sem uma clara definição da tributação, pois o CBIO não é considerado um “ativo financeiro”, mas sim um “ativo ambiental”, cujas características exigem uma discussão mais ampla e que as regras estabelecidas ainda consigam manter a atratividade do ativo. Portanto, verifica-se também um momento de insegurança jurídica em termos tributários à aquisição do ativo ambiental CBIO e, com isso, o MME aguarda posição da Receita Federal sobre a criação de um regime tributário especial, em busca de alternativas por meio de uma nova Medida Provisória[11].

Por fim, ainda considerando o contexto econômico e a venda de combustíveis, destaca-se que o RenovaBio pode gerar impactos financeiros nas distribuidoras, em um momento em que as margens para comercialização e volumes vendidos encontram-se reduzidos. Entende-se que o custo do CBIO será repassado, diluído de forma estratégica por cada ente obrigado. No entanto, a cobrança imediata e integral das metas pode, em primeiro momento, reduzir a competitividade, gerar concentrações de mercado, ou até mesmo falência de partes, impactando principalmente o consumidor final, pois, espera-se o repasse nos preços dos combustíveis fósseis[12]. Vale ressaltar que RenovaBio veio em um momento de ampla discussão sobre transição energética e potencialidades que a produção nacional de biocombustíveis possui, no entanto, iniciado o programa, inúmeras questões e dúvidas ainda seguem preocupando os agentes envolvidos.

[1] Professor do Programa de Engenharia de Produção (PEP/COPPE/UFRJ) e de Engenharia de Produção UFRJ-Macaé. Doutor em Planejamento Energético e Ambiental (PPE/COPPE/UFRJ).

[2] Mestre em Engenharia Urbana e Ambiental (PUC-Rio e Technische Universität Braunschweig).

[3]http://www.mme.gov.br/documents/36224/459938/Nota+Explicativa+RENOVABIO+-+Documento+de+CONSOLIDACAO+-+site.pdf/dc4b6756-d7ca-ab6a-4aac-226c4b8bf436?version=1.0

[4]https://www.noticiasagricolas.com.br/videos/soja/255882-eua-fechara-30-plantas-esmagadoras-de-milho-para-etanol-com-crise-no-petroleo-e-coronavirus.html

[5]https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-485/NT-DPG-SDB-2020-02_Impactos_da_COVID-19_no_mercado_brasileiro_de_combustiveis.pdf

[6]  https://www.bcb.gov.br/content/focus/focus/R20200731.pdf

[7] CBIO equivale a uma tonelada de carbono e é uma componente fundamental do Programa. Sua comercialização é o estímulo para os produtores de biocombustíveis ampliarem sua produção e um caminho para atrair novos investimentos, induzindo uma maior participação dos biocombustíveis na matriz energética e contribuindo para a redução de emissões de GEE.

[8]http://www.mme.gov.br/web/guest/servicos/consultas-publicas?p_p_id=consultapublicammeportlet_WAR_consultapublicammeportlet&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_consultapublicammeportlet_WAR_consultapublicammeportlet_view=detalharConsulta&resourcePrimKey=1164385&detalharConsulta=true&entryId=1164387

[9] https://www.novacana.com/n/etanol/mercado/regulacao/mme-rever-metas-renovabio-distribuidoras-defendem-suspensao-programa-020420

[10]http://www.mme.gov.br/web/guest/servicos/consultas-publicas?p_p_id=consultapublicammeportlet_WAR_consultapublicammeportlet&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_consultapublicammeportlet_WAR_consultapublicammeportlet_view=detalharConsulta&resourcePrimKey=1164385&detalharConsulta=true&entryId=1164387

[11] https://epbr.com.br/governo-avalia-ampliar-tributacao-especial-do-renovabio-por-medida-provisoria/

[12]  https://jornalcana.com.br/renovabio-e-o-impacto-nos-precos-dos-combustiveis-no-brasil/

 

ClimaInfo, 6 de agosto de 2020.

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