China neutra em carbono antes de 2060 reduz projeções de aquecimento de 0,2ºC a 0,3ºC

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Anúncio do presidente Xi Jinping na Assembleia Geral da ONU é verdadeiro marco na política climática internacional, avalia instituição de pesquisa sobre clima (*)

 

O anúncio feito pelo Presidente Xi Jinping na abertura da Assembleia Geral da ONU de 2020 — de que a China “terá como objetivo atingir a neutralidade de carbono antes de 2060” — é um verdadeiro marco na política climática internacional. É a primeira vez que a China reconhece a necessidade de chegar a zero emissões de CO2 até meados do século.

“Este é o anúncio mais importante sobre a política climática global, pelo menos nos últimos cinco anos”, disse Niklas Höhne, do NewClimate Institute, uma das duas organizações parceiras do Climate Action Tracker (CAT). “Isto significa que a China, responsável por um quarto das emissões mundiais de gases de efeito estufa, eliminaria gradualmente qualquer uso convencional de carvão, petróleo e gás até meados do século, algo impensável há alguns anos”.

Se a China transformasse essa promessa de neutralidade de carbono em um compromisso sob o Acordo de Paris, isso afetaria a estimativa da temperatura do CAT das “promessas e metas” nacionais agregadas em cerca de 0,2°C a 0,3°C — a maior queda nas projeções de aquecimento feitas pela CAT desde 2015, depois que a União Europeia e a China submeteram suas primeiras metas indicativas ao Acordo. Sem este novo anúncio da China, o CAT estima que o aumento da temperatura global será de 2,7°C até 2100. O anúncio chinês baixaria o aquecimento para cerca de 2,4 a 2,5°C, mais próximo do limite de aquecimento de 1,5˚C do Acordo de Paris.

“Este importante anúncio da China vem em um momento em que o bloco europeu também está acelerando sua ação climática, visando uma meta mais ambiciosa para 2030 e a neutralidade climática até 2050”, diz Bill Hare, CEO da Climate Analytics. “Se a China e a União Europeia — que juntas são responsáveis por 33% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa — submetessem oficialmente estas novas etapas ao Acordo de Paris, isto criaria o tão necessário impulso positivo que o mundo e o clima precisam”.

Hare lembra também que “se Joe Biden vencer as eleições norte-americanas, isto significaria que os três maiores emissores mundiais, China, Estados Unidos e União Europeia, responsáveis por quase metade – 45%, para ser mais exato – das emissões globais, teriam metas líquidas zero até meados do século, colocando o limite de aquecimento de 1,5˚C do Acordo de Paris firmemente ao alcance”, destaca.

Com os compromissos tanto da União Europeia quanto da China, isto eleva o número de países com anúncios semelhantes sobre neutralidade de carbono ou clima para um total de 126, responsáveis juntos por cerca de 51% das emissões globais, com a China contribuindo com 25%.

O CAT destaca que o objetivo de “antes de 2060” não é suficiente para se manter o aquecimento a 1,5˚C, porque o CO2 global precisa estar a zero líquido até 2050 (relatório especial do IPCC obre teto de aquecimento em 1,5°C).

“Entretanto, um compromisso com a neutralidade de carbono por parte da China é muito bem-vindo, pois requer um repensar de todos os investimentos em infraestrutura que durarão décadas. Este pensamento teria que se estender também ao impacto climático de tais investimentos sob a Iniciativa Belt and Road da China”.

A trajetória de emissões a curto prazo da China em direção à neutralidade de carbono também é importante. A última análise do CAT sobre a ação climática do país mostra que ele já está preparado para superar sua meta de 2030. A China tem espaço significativo para atualizar sua meta de 2030 e submetê-la ao Acordo de Paris.

Em um briefing lançado em 23/9, o CAT analisou os pacotes de recuperação econômica pós-COVID-19 de cinco países, incluindo a China. “É claro que a China precisa reexaminar sua recuperação econômica e apontar para mais projetos de baixo carbono se quiser alcançar a meta de neutralidade de carbono antes de 2060”, diz Höhne.

(*) Este texto é uma adaptação livre da matéria publicada pelo Climate Action Tracker.

 

 

Resta saber

O anúncio da China é o maior marco da política climática desde o Acordo de Paris, em 2015, mas a força do compromisso de neutralidade de carbono da China depende ainda destes detalhes chave:

 

  1. A meta se aplica a todas as emissões de gases de efeito estufa?

A meta da China parece cobrir apenas as emissões de dióxido de carbono, não outros gases de efeito estufa como metano de vacas, óxido nitroso de fertilizantes ou gases fluorados utilizados como refrigerantes. A China prometeu “neutralidade de carbono” em vez de “neutralidade climática”, uma meta menos rigorosa do que a adotada pela UE e pelo Reino Unido.

 

  1. A China planeja a eliminação progressiva do carvão?

Para alcançar a neutralidade de carbono até 2060, a China precisaria parar de queimar carvão. Essa é uma grande exigência para um país que abriga a metade da capacidade mundial de produção de carvão. A partir de julho de 2020, o país tinha mais 100GW em construção e 150GW em fase de planejamento.

 

  1. Em quanto tempo a China pode antecipar o pico de suas emissões?

O Presidente Xi disse à Assembléia Geral da ONU que a China atingiria o pico de emissões “antes de 2030”, uma formulação apenas marginalmente mais forte do que seu compromisso atual de atingir esse pico “por volta de 2030”. A China já está a caminho de atualizar sua meta climática nacional — o país cumpriu sua meta de emissão de carbono para 2020, alcançando o objetivo três anos antes do previsto.

 

  1. Isto se aplica aos investimentos de “Belt and Road” da China?

O impacto climático da China não é limitado por suas fronteiras. Ela está financiando um quarto das usinas de carvão em desenvolvimento em outros países por meio de seu programa “Belt and Road”, com uma capacidade de 102 GW. Se metas mais duras em casa levarem à terceirização da poluição, isso irá minar os benefícios climáticos. Se a China incentivar outros países a aderir ao clube net zero, ela os ampliará.

 

  1. As cidades e empresas chinesas estabelecerão metas líquidas zero?

Uma política net zero em nível nacional poderia atuar como um importante catalisador para empresas e cidades, encorajando-as a declarar suas próprias metas líquidas zero. No início deste ano, muitas empresas industriais e energéticas chinesas lançaram uma iniciativa “Zero Carbon China”, mas antes disso, poucos municípios e empresas chinesas se comprometerem com o zero líquido, em comparação com seus pares europeus. A razão disso pode ser exatamente a ausência de discussão sobre a política climática no ambiente doméstico, o que deve mudar com a 2060.

Confira o que especialistas dizem sobre essas perguntas no texto original.

 

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ClimaInfo, 23 de setembro de 2020.

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