Mudança do clima extinguirá principalmente espécies típicas

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Por Cinthia Leone(*)

A mudança do clima pode levar a extinção de espécies de plantas e animais nos lugares mais biodiversos do mundo, alerta um novo estudo, publicado hoje (9/4) na revista Biological Conservation. A equipe global de cientistas, liderada por Stella Manes e Mariana Vale, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisou quase 300 hotspots de biodiversidade — lugares com números excepcionalmente altos de espécies animais e vegetais — em terra e no mar. Os pesquisadores verificaram que os animais endêmicos, aqueles que só ocorrem em regiões exclusivas do planeta, têm 2,7 vezes mais probabilidade de extinção do que outras espécies se as emissões de gases de efeito estufa continuarem a aumentar, impactando seus habitats únicos.

As políticas atuais colocam o mundo no caminho de 3°C de aquecimento. Neste cenário, um terço das espécies endêmicas que vivem em terra e cerca da metade das espécies endêmicas que vivem no mar enfrentarão a extinção. Nas montanhas, 84% dos animais e plantas endêmicas podem ser extintas a essas temperaturas, enquanto nas ilhas esse número sobe para 100%. Em geral, 92% das espécies endêmicas terrestres e 95% das endêmicas marinhas sofrerão consequências negativas, como redução de populações.

“A mudança climática ameaça áreas transbordantes de espécies que não podem ser encontradas em nenhum outro lugar do mundo. O risco de que tais espécies se percam para sempre aumenta mais de dez vezes se falharmos os objetivos do Acordo de Paris”, afirma Manes, autora principal do estudo. Para ela, há pouco conhecimento sobre o valor da biodiversidade.

“Quanto maior for a diversidade de espécies, maior será a saúde da natureza. A diversidade também protege contra ameaças como as mudanças climáticas”, explica Manes. “Uma natureza saudável fornece contribuições indispensáveis às pessoas, como água, alimentos, materiais, proteção contra desastres, recreação e conexões culturais e espirituais.”

As espécies endêmicas incluem alguns dos animais e plantas mais icônicos do mundo, como os mico-leões do Brasil, que podem perder mais de 70% de seu habitat até 2080, segundo o estudo. A América do Sul será uma das regiões mais afetadas exatamente por ter importantes hotspots de biodiversidade, com até 30% de todas as suas espécies endêmicas em alto risco de extinção. As ilhas do Caribe podem perder a maioria de suas plantas endêmicas até metade do século, e os recifes de coral da região também podem desaparecer.

“Confirmamos nossas suspeitas de que espécies endêmicas estariam particularmente ameaçadas pelas mudanças climáticas. Isto poderia aumentar muito as taxas de extinção em todo o mundo, uma vez que essas regiões ricas em biodiversidade estão repletas de espécies endêmicas”, explica Mariana Vale, uma das autoras da pesquisa e também pesquisadora  da UFRJ. “Infelizmente, nosso estudo mostra que esses pontos ricos de biodiversidade não poderão atuar como porto seguro contra as mudanças climáticas”.

As tartarugas marinhas, que se aninham em muitas praias da América do Sul e Central, são vulneráveis ao aumento da temperatura. No Havaí, plantas nativas icônicas, como a palavra-de-prata Haleakalā, poderiam se extinguir, assim como aves nativas simbólicas, como os honeycreepers havaianos. Outras espécies ameaçadas de extinção pelas mudanças climáticas incluem lêmures, exclusivos de Madagascar, o leopardo da neve, característico dos Himalaias, além de plantas medicinais como o líquen Lobaria pindarensis, usado para aliviar a artrite.

Wolfgang Kiessling, especialista em vida marinha da Universidade Friedrich-Alexander Erlangen-Nürnberg e coautor do estudo, explica que espécies exóticas introduzidas em um determinado habitat se beneficiam quando as espécies endêmicas são extintas. “Nosso estudo mostra que um mundo uniforme e provavelmente sem graça está à nossa frente devido à mudança climática.”

“Por natureza, estas espécies não podem se deslocar facilmente para ambientes mais favoráveis”, explica Mark Costello, especialista em vida marinha da Universidade Nord e da Universidade de Auckland e também coautor da pesquisa. “As análises indicam que 20% de todas as espécies estão ameaçadas de extinção devido à mudança climática nas próximas décadas, a menos que atuemos agora”.

Mas os cientistas ressaltam que é possível evitar essa extinção em massa. Se os países reduzirem as emissões em conformidade com o Acordo de Paris, então a maioria das espécies endêmicas sobreviverá, afirma a pesquisa. No total, apenas 2% das espécies endêmicas terrestres e 2% das espécies marinhas endêmicas enfrentam a extinção a 1,5ºC, e 4% de cada uma a 2ºC. Fortes compromissos dos líderes globais antes da Conferência do Clima em Glasgow, na Escócia, no final deste ano, poderiam colocar o mundo no caminho certo para cumprir o Acordo de Paris e evitar a destruição generalizada de alguns dos maiores tesouros naturais do mundo.

 

Repercussão do Estudo

O ClimaInfo conversou com André Aroeira, coordenador de programa da Associação Mico Leão Dourado, sobre o alerta dado pelo estudo. Para ele, o impacto das mudanças climáticas sobre espécies endêmicas preocupa já para a próxima década, tanto nos efeitos que terá sobre os biomas, como pelo aumento de incêndios e perda de floresta, além da possibilidade de agravamento de surtos de febre amarela com impacto irreversível sobre os animais.

“Não nos surpreende que tenhamos um grande impacto sobre os micos-leões, que já são animais severamente impactados pela perda de hábitat. Há hoje um esforço muito grande de restauração e aumento da conectividade das florestas fluminenses de baixada, fruto de mais de 40 anos de pesquisa e manejo”, explica o ambientalista. “Com muita dedicação, o mico-leão dourado saiu de algumas centenas para pouco mais de 3 mil indivíduos, mas recentemente houve uma queda por conta da febre amarela. Isso pode nos fazer regredir em décadas de trabalho.”

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(*) Cinthia Leone é jornalista do ClimaInfo.

 

ClimaInfo, 12 de abril de 2021.

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