Brasil na COP26: um conto de dois países

Brasil COP26 dois países

Um espectador desatento terá dificuldades para entender a situação do Brasil na COP26. Por um lado, o governo Bolsonaro está apostando alto no marketing para vender a imagem de um país comprometido com o meio ambiente e a ação climática. Por outro, uma simples olhada em jornais no Brasil e no exterior conta outra história: destruição florestal, desmantelamento dos órgãos de proteção ambiental, ataques contra os Povos Indígenas e a “boiada” que atropela impiedosamente a política ambiental brasileira.

Na Carta Capital, Maurício Thuswohl fez um apanhado dos “dois Brasis” que estarão em Glasgow a partir da semana que vem. Para contrastar a desinformação bolsonarista, organizações da sociedade civil também terão um espaço dedicado na COP26 para mostrar e discutir o Brasil real e a resistência de diversos atores políticos, econômicos e sociais.

Mas o governo não deve se render tão facilmente à realidade. Como o vice-general indicou nesta 3ª feira (26/10) em conversa com correspondentes internacionais em Brasília, os negociadores brasileiros deverão contestar eventuais cobranças pela destruição ambiental no país com pedidos de financiamento internacional para proteção do meio ambiente: “Acho que deve haver uma negociação no sentido de o país ser compensado por realizar esse trabalho [proteção da Amazônia] em prol do restante da humanidade”. Mourão, no entanto, não explicou se enxerga essa mesma lógica no sentido contrário: o que o país mereceria por destruir a floresta? A Folha repercutiu a notícia da AFP sobre a fala de Mourão.

De acordo com Nadia Pontes na Deutsche Welle, Mourão também culpou “uma visão majoritária de esquerda” pela má fama internacional do governo Bolsonaro na questão ambiental, que gerou uma imagem que “não condiz com a realidade”. Nesse mesmo raciocínio confuso, o general-vice também defendeu projetos de infraestrutura na Amazônia, como o asfaltamento da BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM). Segundo ele, a estrada permitiria mais “rapidez” às forças de segurança para combater ilegalidades na floresta. O problema é que essa “rapidez” não será limitada apenas aos fiscais ambientais: os criminosos também se aproveitarão da rodovia para avançar cada vez mais rápido sobre a floresta.

Em tempo 1: O negociador-chefe do Brasil na COP26, embaixador Paulino de Carvalho Neto, deu uma entrevista à Reuters explicando a base da argumentação que o governo Bolsonaro deverá apresentar nas negociações de Glasgow. Novato em discussões de clima, Carvalho Neto disse que o Brasil formalizará junto à UNFCCC a antecipação da meta de neutralidade de carbono de 2060 para 2050, além de elevar a meta de redução de emissões em 2030 de 43% para 45%.

Em tempo 2: O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, deve levar consigo para a COP26 a presidente da comissão de meio ambiente da Casa, Carla Zambelli. Imitando seu líder-mor, a deputada bolsonarista vai à Escócia mesmo sem ter tomado a vacina contra a COVID-19. A comitiva da Câmara será dominada pela bancada ruralista: dos dez nomes que Lira pretende levar à COP, apenas dois não fazem parte da Frente Parlamentar Agropecuária – os deputados Rodrigo Agostinho (SP), líder da Frente Parlamentar Ambientalista; e Aliel Machado (PR). A notícia é do Metrópoles. Joênia Wapichana (Rede-RR), uma das três pessoas autodeclaradas indígenas a ocuparem uma das 513 cadeiras na Câmara, não foi incluída na lista, como destaca O Globo. No final da tarde de ontem, organizações da sociedade civil se articulavam para levar Joênia à Glasgow.

 

ClimaInfo, 27 de outubro de 2021.

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