“A indústria do carvão é resiliente em seu longo martírio”

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A pá-de-cal que enterrará o setor carvoeiro parece estar ainda distante. No ano passado, a economia chinesa se recuperou mais rápido do que previsto e, não encontrando carvão na quantidade e velocidade necessárias, passou a comprar gás natural, reduzindo os estoques globais e mandando os preços para as alturas. O que tornou o carvão ainda mais competitivo. China e Índia seguem queimando muito carvão e sabem que terão que deixar de fazê-lo se quiserem que a temperatura pare de subir.
O título desta nota veio de uma matéria de Daniela Chiaretti, no Valor, onde ela fala dos muitos compromissos globais e corporativos para o abandono do vício carvoeiro. Alguns são descaradamente descumpridos. Outros, malandramente cumpridos. Chiaretti cita a francesa Engie, que assumiu uma meta forte para tirar o carvão do seu portfólio. Aqui, ela vendeu a grande e velha usina de Jorge Lacerda, em Santa Catarina, para uma empresa sem histórico algum no setor. A francesa limpou sua barra e as emissões da usina seguem aumentando a temperatura do planeta.
O fechamento dessa usina e suas irmãs gaúchas enfrenta a resistência do poderoso lobby carvoeiro no Congresso. No ano passado, conseguiram plantar um jabuti para garantir o subsídio ao setor por mais 20 anos. Bolsonaro nem piscou antes de sancionar a lei. O lobby se apoia em um número de empregos e famílias que dependem da indústria que cresce a cada discurso. Há algum tempo, falavam em 3 mil famílias. Mais recentemente o número subiu para 5 mil, sem explicação. Para o Valor, o secretário de desenvolvimento econômico sustentável de Santa Catarina disse que fechar Jorge Lacerda impactaria 600 mil pessoas e 15 municípios. “Ao todo, R$ 5 bilhões seriam retirados da economia do estado abruptamente e perderíamos 15 mil empregos”.
Talvez fosse razoável usar os subsídios atuais em programas de requalificação ou de aposentadoria, na linha do movimento internacional de uma transição justa.
Gabriela Rudy, em outra matéria no Valor, lembra que o barulho que o lobby faz é desproporcional aos 2% da eletricidade nacional das térmicas a carvão, sendo que as de Santa Catarina e Rio Grande do Sul não geram nem metade disso.
Voltando aos compromissos internacionais, a Bloomberg publicou uma matéria sobre os bancos que vivem a prometer o verde mas financiaram quase US$ 2 trilhões no setor carvoeiro nos últimos 3 anos. Apesar do risco desses ativos apodrecerem e virarem stranded assets, diz a matéria que bancos e fundos de investimentos seguem achando que os retornos ainda valem a pena.
Em tempo: A poderosa Exxon não parece estar se saindo muito bem em águas brasileiras. A corporação havia escolhido o país como uma das três regiões que garantiriam seu futuro, junto com os campos de fracking dos EUA e do litoral da Guiana. Matéria exclusiva da Reuters fala da falta de pontaria da petroleira: ela apostou pesado em dois campos que, após muitos furos, se mostraram inviáveis para explorar. Nos últimos anos, a Exxon investiu US$ 4 bilhões e se tornou a segunda maior operadora por aqui, depois da Petrobras. Mas ainda não achou nada rentável.

 

ClimaInfo, 15 de fevereiro de 2022.

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