ESG: distância entre discurso e prática ainda desafia empresas e investidores

André Mello

A experiência da pandemia e a intensificação de eventos climáticos extremos reacendeu no ambiente empresarial a atenção com meio ambiente e sustentabilidade, seja por reflexo da vontade dos consumidores e/ou de novas exigências legais ou pela constatação dos riscos potenciais dessas questões aos negócios e operações das empresas. O problema é que ainda persiste uma lacuna importante entre o que esses atores econômicos prometem em termos socioambientais e o que eles efetivamente entregam.

Aline Scherer explicou no Valor que, por um lado, os executivos brasileiros estão ficando mais atentos à agenda ESG, mas, por outro, o cenário imediato de crise e instabilidade econômica ainda os força a priorizar questões de curto prazo. Já as empresas multinacionais parecem melhor posicionadas e figuram na liderança desse debate no mercado brasileiro. Um desafio importante, no entanto, tem sido adaptar as políticas corporativas de ESG vindas das matrizes às circunstâncias e condições do Brasil. Por exemplo, riscos associados ao desmatamento, trabalho análogo à escravidão, trabalho infantil e relacionamento com indígenas e quilombolas são pontos de preocupação que precisam estar no radar dessas empresas.

Ao mesmo tempo, Naiara Bertão também destacou no Valor dados de uma pesquisa da consultoria Resultante que mostram que nem todos os setores da economia brasileira estão no mesmo compasso na questão ESG. Na ponta, empresas de papel, celulose e madeira se colocam na liderança desse debate no Brasil; na rabeira, os segmentos de construção civil, shoppings e incorporação imobiliária ainda engatinham na discussão.

“A repactuação socioambiental, o estabelecimento de precisos interesses comuns, além de valores compartilhados são desafios não mais adiáveis na trajetória da taxonomia ESG no país”, escreveu a ex-ministra Izabella Teixeira no Valor. “Além de clareza do que envolve a corresponsabilidade dos setores empresarial e financeiro, o lidar com o curto-prazismo de forma coerente e transparente é uma exigência sem volta. Os sistemas de governança precisam resolver as ambiguidades, as incoerências e os ‘vazamentos’ que afetam a credibilidade e a confiança na taxonomia de ESG”.

Em tempo: Por falar de ESG, a guerra entre Rússia e Ucrânia está colocando muitos investidores em um dilema sobre o caminho de suas aplicações no contexto da crise climática e de regimes políticos autoritários. “Guerra e investimentos em regimes não-democráticos estão na origem do que se tornou o grande movimento ESG”, explicou o economista Gustavo Pimentel, um dos principais analistas socioambientais do mercado brasileiro, a Daniela Chiaretti, no Valor. “O Social Responsible Investing (SRI) nasceu no fim dos anos 1960 e 1970 com investidores questionando e deixando de investir na guerra do Vietnã e em negócios na África do Sul no regime do apartheid”. No entanto, como ele próprio observa, a Rússia é um país mais central na arquitetura da economia global, o que impõe desafios adicionais aos investidores responsáveis.

 

ClimaInfo, 24 de março de 2022.

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