O medo mora no Vale do Javari

medo no Vale do Javari
Arquivo Pessoal

A lancha em que viajavam o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips foi localizada no final deste domingo (19/6) pela Polícia Civil do Amazonas a 20 metros de profundidade. O local foi indicado por Jeferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”, preso no sábado. A descoberta foi noticiada pela Folha, Estadão e Valor, entre outros.

Com o avanço na identificação dos corpos e dos assassinos, falta responder por que Bruno Pereira e Dom Phillips foram mortos. No sentido contrário do afirmado pela Polícia Federal em nota na semana passada, a Polícia Civil de Atalaia do Norte, no Amazonas, segue investigando se houve ou não mandante para o crime, informam Rubens Valente e José Medeiros na Pública. A matéria traz a opinião do investigador da Polícia Civil da Cidade, Joilnen David Morais da Rocha: “No meu entender, a motivação é dinheiro. O Bruno estava atrapalhando os negócios dos assassinos” (vale a leitura da matéria para conhecimento dos detalhes da investigação).

Fontes da PF procuradas pela jornalista Andreia Sadi admitem nos bastidores a possibilidade de um mandante. Entre as linhas investigadas estaria a de um traficante conhecido como Colombia, que compra pescado ilegal de pescadores da região, para quem “Pelado” – o primeiro suspeito preso e o único que confessou envolvimento no crime – devia dinheiro. Ele teria se vingado assassinando o indigenista, que combatia a pesca ilegal na região.

A relação entre pesca ilegal e narcotráfico foi mostrada no Fantástico por Sonia Bridi, que detalhou o caso de Afonso Celso Caldas Lima, conhecido como “Celsinho da Compensa”. O traficante, que já havia sido preso no Brasil com 70 quilos de cocaína e era procurado pela INTERPOL, era conhecido na Colômbia como um pacato comerciante de pescado, segundo o chefe da polícia da Amazônia colombiana, coronel William Lara.

A atuação profissional dos caçadores e pescadores que sistematicamente invadem a Terra Indígena Vale do Javari e ameaçam de morte quem atua contra eles, a exemplo de indígenas e do próprio Bruno Pereira, tem sido denunciada pela UNIVAJA. Especialistas ouvidos anteriormente pela reportagem também já haviam apontado a existência de vínculos de pescadores e caçadores ilegais com o narcotráfico, que também se articula com garimpo, extração de madeira, pesca e caça na região.
As evidências se acumulam: Andréia Sadi teve acesso a um áudio de Bruno Pereira de maio deste ano, no qual ele  relatava a presença de garimpeiros ilegais dentro da Terra Indígena Vale do Javari. Já o Estadão teve acesso a um dossiê apresentado à Polícia Federal em 2021, apontando que o assassinato do também indigenista Maxciel Pereira dos Santos, em setembro de 2019, teria sido encomendado pela rede criminosa de narcotraficantes, pescadores ilegais e garimpeiros que atua na fronteira com a Colômbia e o Peru. O Valor, por sua vez, detalha outra ameaça à Terra Indígena: a grilagem de terras. De acordo com dados do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR), há ao menos 14 mil hectares com cadastro ambiental rural (CAR) nos municípios de Atalaia do Norte e de Jutaí registrados dentro da TI.

A Carlos Madeiro, no UOL, o líder indígena Kora Kanamari contou que a sensação de quem vive no território é que, passada a repercussão, as ameaças e a tensão devem crescer ainda mais. “Mesmo tendo o olhar do mundo todo para cá, todo mundo sabe da situação de alto perigo em se viver aqui. Mesmo assim, o governo está tentando abafar essa realidade.” Segundo Madeiro, longe dos holofotes a polícia local historicamente tem fechado os olhos para os crimes ambientais e as ameaças aos indígenas no Vale do Javari. Lideranças ouvidas por Madeira falam que agora paira no ar uma espécie de silêncio sombrio, marcado pelo medo dos Povos que ficaram.

 

ClimaInfo, 21 de junho de 2022.

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