Seca extrema no Chifre da África seria impossível sem mudança climática, diz nova análise de atribuição

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A seca devastadora na região conhecida como Chifre da África é resultado direto da mudança climática causada pelo homem. As evidências foram apresentadas hoje (27) por uma nova análise rápida de atribuição do grupo World Weather Attribution (WWA). 

O estudo foi conduzido por 19 pesquisadores do WWA, incluindo cientistas de universidades e agências meteorológicas do Quênia, Moçambique, África do Sul, Estados Unidos da América, Holanda, Alemanha e Reino Unido.

Os cientistas descobriram que, embora a mudança climática tenha tido pouco efeito sobre o total de chuvas anuais no Chifre da África, as temperaturas mais altas intensificaram significativamente a evapotranspiração – a combinação da água evaporada do solo e a transpiração das plantas. Sem esse efeito, a região não teria passado por uma seca agrícola – quando as plantações e os pastos são afetados por condições de seca – nos últimos dois anos.  

As quebras generalizadas de safra e as mortes de animais deixaram mais de 20 milhões de pessoas em risco de insegurança alimentar aguda nesta região que abrange o sul da Etiópia, o sul da Somália e o leste do Quênia. Esses países estão entre os que reconhecidamente menos contribuíram para as emissões dos gases que causam a mudança climática em curso. 

“As descobertas desse estudo mostram que as secas frequentes de vários anos, combinadas com extremos de calor, na principal estação chuvosa, afetarão gravemente a segurança alimentar e a saúde humana no Chifre da África, à medida que o clima continua a esquentar”, diz a autora principal da pesquisa Joyce Kimutai, cientista climática e meteorologista-chefe do Departamento Meteorológico do Quênia. 

“Esse estudo mostra com muita veemência que a seca é muito mais do que apenas a falta de chuva e que os impactos da mudança climática dependem muito da nossa vulnerabilidade”, avalia a uma das líderes do WWA, Friederike Otto, professora sênior de Ciências Climáticas no Grantham Institute, do Imperial College London. “Uma das principais conclusões do relatório de síntese do IPCC, publicado recentemente, é que somos muito mais vulneráveis do que pensávamos.” 

Mais evapotranspiração

Para quantificar o efeito da mudança climática sobre essa seca, os cientistas analisaram dados meteorológicos e simulações de modelos de computador para comparar o clima atual, após cerca de 1,2°C de aquecimento global desde o final do século 19, com o clima do passado, seguindo métodos revisados por pares.

Eles abordaram principalmente as mudanças na precipitação em 2021 e 2022 na região afetada. Ali, as chuvas normalmente se concentram em duas estações: as longas, que ocorrem entre março e maio, quando se observa a maior parte da precipitação anual;, e as chuvas curtas, de outubro a dezembro, que normalmente são mais rápidas, menos intensas e mais variáveis.

A análise descobriu que a mudança climática está afetando os períodos de chuva de maneiras opostas. As chuvas longas estão se tornando mais secas, com duas vezes mais probabilidade de baixa precipitação agora. Ao mesmo tempo, as chuvas curtas estão se tornando mais úmidas devido à mudança climática. 

Essa tendência de aumento da umidade nas chuvas de curta duração foi mascarada recentemente pelo padrão climático La Niña, que reduz a precipitação das chuvas de curta duração. A equipe afirma que não há evidências de que o La Niña tenha sido significativamente afetado pela mudança climática, portanto, a recente baixa precipitação em relação às chuvas de curta duração foi impulsionada mais pela ocorrência natural de um La Niña de longa duração do que pela mudança climática em si. 

Por outro lado, o aumento das temperaturas, impulsionado pela mudança climática, foi o fator verdadeiramente importante por trás da seca agrícola ao aumentar significativamente a evapotranspiração. Com isso, eventos como a seca atual são agora muito mais intensos e mais prováveis, principalmente devido aos efeitos da mudança climática sobre a evapotranspiração. Uma estimativa conservadora apresentada pela análise diz que as secas agrícolas no Chifre da África são agora cerca de cem vezes mais prováveis de ocorrer.

Isso é uma mudança significativa dos padrões. As condições observadas – um período de baixa precipitação combinado com altas temperaturas – são classificadas como um fenômeno incomum na região, a uma taxa de aproximadamente 5% de chance de ocorrer a cada ano, dizem os cientistas. Essas condições para a região estão classificadas como “seca excepcional” na escala do Monitor de Secas dos EUA. Sem o efeito da mudança climática sobre as temperaturas, as condições na região teriam sido normais ou “anormalmente secas”, dizem os analistas, o que significa que a mudança climática foi um fator necessário para a ocorrência da seca atual.

Desastre humanitário 

Enquanto a mudança climática torna a seca mais frequente e extrema, sua combinação com fatores de vulnerabilidade existentes, como conflitos e fragilidades dos Estados, além da pobreza, gera impactos humanos devastadores. As pessoas que dependem da agricultura e do pastoreio estão entre as mais afetadas. Abordar as causas básicas da vulnerabilidade e aumentar o investimento em medidas robustas de adaptação são medidas fundamentais para evitar que futuros eventos climáticos extremos se tornem desastres humanitários.

“É hora de agirmos e nos engajarmos de forma diferente. O ponto central desse processo é transformar e aumentar a resiliência de nossos sistemas. Precisamos inovar em todos os sistemas alimentares, melhorar a colaboração, envolver grupos vulneráveis, fazer o melhor uso de dados e informações, além de incorporar novas tecnologias e conhecimentos tradicionais”, defende Kimutai. 

“As pessoas no Chifre da África não são estranhas à seca, mas a duração desse evento levou as pessoas além de sua capacidade de enfrentamento”, explica Cheikh Kane, Consultor de Políticas de Resiliência Climática do Centro Climático da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e também autor da pesquisa. “Cinco temporadas consecutivas de chuvas abaixo do normal, combinadas com meios de subsistência dependentes da chuva e multiplicadores de vulnerabilidade, como conflitos e fragilidade do Estado, criaram um desastre humanitário.”

“Precisamos reforçar o que está funcionando, incluindo os mecanismos formais e informais de proteção social, os sistemas de alerta precoce e a gestão eficaz da seca, ao mesmo tempo em que buscamos maneiras de reduzir os fatores de vulnerabilidade, incluindo a pobreza e a marginalização”, finaliza Kane. 

Notas para o Editor: 

O estudo, “Human-induced climate change increased drought severity in Horn of Africa” (Mudança climática induzida pelo homem aumentou a gravidade da seca no Chifre da África), publicado nesta quinta-feira, 27 de abril, às 1h EDT/6h BST/7h CEST/8h EAT neste endereço

Autores do Estudo:
  1. Joyce Kimutai, Kenya Meteorological Department, Nairobi, Kenya
  2. Clair Barnes, Grantham Institute, Imperial College London, UK
  3. Mariam Zachariah, Grantham Institute, Imperial College, London, UK
  4. Sjoukje Philip, Royal Netherlands Meteorological Institute (KNMI), De Bilt, The Netherlands
  5. Sarah Kew, Royal Netherlands Meteorological Institute (KNMI), De Bilt, The Netherlands
  6. Izidine Pinto, Royal Netherlands Meteorological Institute (KNMI), De Bilt, The Netherlands
  7. Piotr Wolski, Climate System Analysis Group, University of Cape Town, Cape Town, South Africa
  8. Gerbrand Koren, Copernicus Institute of Sustainable Development, Utrecht University, Utrecht, the Netherlands
  9. Gabriel Vecchi, Department of Geosciences, Princeton University, Princeton, NJ 08544, USA, High Meadows Environmental Institute, Princeton University, Princeton, NJ 08544, USA
  10. Wenchang Yang, Department of Geosciences, Princeton University, Princeton, NJ 08544, USA
  11. Sihan Li, Department of Geography, University of Sheffield
  12. Maja Vahlberg, Red Cross Red Crescent Climate Centre, The Hague, the Netherlands
  13. Roop Singh, Red Cross Red Crescent Climate Centre, The Hague, the Netherlands
  14. Dorothy Heinrich, Red Cross Red Crescent Climate Centre, The Hague, the Netherlands
  15. Carolina Marghidan Pereira, Faculty of Geo-Information Science and Earth Observation (ITC), University of Twente, Enschede, the Netherlands; Red Cross Red Crescent Climate Centre, The Hague, the Netherlands
  16. Julie Arrighi, Red Cross Red Crescent Climate Centre, The Hague, the Netherlands; Global Disaster Preparedness Center, Washington DC, USA; University of Twente, The Netherlands
  17. Lisa Thalheimer, United Nations University, Institute for Environment and Human Security, Bonn, Germany
  18. Cheikh Kane, Red Cross Red Crescent Climate Centre, The Hague, the Netherlands; Institut de Recherche pour le Développement, U01000/99AA01, Marseille, France
  19. Friederike E. L Otto, Grantham Institute, Imperial College London, UK
Sobre WWA

A World Weather Attribution (WWA) é uma rede de colaboração internacional que analisa e divulga a possível influência das mudanças climáticas em eventos climáticos extremos, como tempestades, chuvas extremas, ondas de calor, períodos de frio e secas. Estudos anteriores da WWA incluem pesquisas que constataram que as mudanças climáticas agravaram as enchentes no Brasil, na Nigéria e em outras partes da África Ocidental no ano passado. Os estudos da WWA também mostraram que a seca do ano passado no Hemisfério Norte foi agravada pelas mudanças climáticas e que elas aumentaram as chuvas que levaram às enchentes mortais no Paquistão, mas que não foi o principal fator da crise alimentar de Madagascar em 2021.

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ClimaInfo, 27 de abril de 2023.

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