A Petrobras está completando 70 anos neste 3 de outubro de 2023. A estatal foi criada em 1953 pelo então presidente Getúlio Vargas. Na esteira das primeiras descobertas de petróleo no Brasil, no final dos anos 1930, na Bahia, um movimento, que culminou na campanha “O petróleo é nosso!” e teve no escritor Monteiro Lobato um de seus maiores entusiastas, defendia que o Estado brasileiro detivesse o monopólio da exploração de combustíveis fósseis no país. Seu ápice se deu com a criação da Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras.
É inegável a importância da Petrobras tanto para a garantia do abastecimento de combustíveis fósseis no Brasil como para o desenvolvimento econômico de variadas regiões do país. Foi com a cara e a coragem que, contra todos os prognósticos, a estatal buscou e encontrou petróleo no litoral do Rio de Janeiro, na Bacia de Campos, que durante décadas foi a maior região produtora de combustíveis fósseis do país e onde a estatal quebrou sucessivos recordes de perfuração de poços em águas cada vez mais profundas. E foi com a cara e a coragem que, novamente remando contra a maré, a Petrobras descobriu o pré-sal, uma das maiores províncias petrolíferas do planeta, com reservas estimadas de cerca de 100 bilhões de barris.
Mas o tempo passou, fontes limpas de energia surgiram e se tornaram economicamente competitivas e, principalmente, a crise climática se agravou. E são os combustíveis fósseis produzidos e comercializados por empresas como a Petrobras os principais responsáveis pela tragédia social e ambiental que estamos vivendo não apenas no Brasil – vide os sucessivos ciclones no Rio Grande do Sul e a atual seca extrema na Amazônia –, mas em todos os cantos do planeta.
Ninguém é inocente a ponto de acreditar que, no dia 4 de outubro de 2023, a maior companhia do país controlada pelo Estado brasileiro vai deixar de produzir ou vender combustíveis fósseis. Infelizmente, a economia global está ainda estruturalmente baseada nessa energia suja.
Mas, diante do óbvio – precisamos agir “para ontem” para tentar frear a desgraça que já nos assola e, quem sabe no futuro, reverter, se não todas, ao menos parte das mudanças climáticas que afligem o mundo –, era de se esperar mais proatividade da Petrobras em virar a chave, deixando de ser uma petroleira e se tornando uma empresa de energia. Isso significa investir menos no petróleo e no gás fóssil e mais nas fontes renováveis de energia.
No entanto, até agora, o grande destaque da Petrobras nos noticiários é sua ânsia não só em continuar a explorar petróleo como a fazer isso em áreas sensíveis como a Foz do Amazonas, uma região ambientalmente crítica e sem estudos consistentes sobre os impactos da atividade petrolífera. Nesse afã pela energia suja, a petroleira se junta a quadros do governo federal que olham o desenvolvimento econômico pelo retrovisor e querem porque querem tirar combustíveis fósseis no litoral do Amapá, que abriga os maiores manguezais do planeta. Prometem uma riqueza com o petróleo que a própria experiência brasileira mostra que é falha – vide o estado do Rio de Janeiro e cidades do Norte Fluminense que ganharam muitos royalties, mas que são anti-exemplos de desigualdade social. Uma análise da quantidade e do tipo de empregos gerados por uma petroleira mostra que o aproveitamento da mão de obra local não compensará o prejuízo ambiental que prejudicará inúmeras atividades, como pesca e coleta de mariscos, das quais milhares de pessoas vivem.
O mais triste é que há alguns anos a Petrobras ensaiou uma entrada forte no segmento de fontes renováveis. A empresa chegou a investir em parques eólicos no Nordeste, mas se desfez de tudo no governo anterior e nunca mais pôs um centavo em energia limpa, mantendo o direcionamento estratégico do governo que não se reelegeu e, desta forma, contrariando a vontade da maioria da população que, ao votar no atual presidente, votou em sua agenda ambiental e climática. Ainda mantém uma subsidiária de biodiesel – a Petrobras Biocombustíveis. Mais nada além disso.
A criação de uma Diretoria de Transição Energética deu uma esperança de que as renováveis, enfim, entrariam no foco da petroleira. Mas, que nada… O próprio titular da pasta, Mauricio Tolmasquim, diz que a Petrobras tem de “correr atrás do tempo perdido”, mas planos efetivos ainda não existem. Tudo está em estudo, em processo, em análise.
A “menina dos olhos” da petroleira na área renovável são as eólicas offshore. Mas o segmento ainda não foi regulamentado – só o governo federal e o Congresso sabem quando isso sairá do papel. Além disso, o IBAMA já chamou atenção de que são necessários estudos para verificar os impactos dessas usinas na fauna e flora marinhas. Ou será que as eólicas offshore vão repetir o erro do zoneamento de áreas para exploração de petróleo, que ignorou as demandas ambientais e leiloou blocos onde o cumprimento da legislação não permite atividades – como o que está ocorrendo atualmente na Foz do Amazonas?
Enfim, há de se parabenizar a Petrobras pelos seus 70 anos e suas conquistas passadas. Mas há também de se cobrar da empresa quando deixará de olhar pelo retrovisor da energia suja e mirará à frente, entendendo que o planeta precisa, sim, de energia, mas de uma energia limpa e renovável. Se a própria companhia reconhece que perdeu tempo, deveria correr de fato para mudar esse paradigma. Ou nem ela, nem nós, estaremos aqui para celebrar sequer os 100 anos da estatal, quanto mais os 140 anos.
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Por Alexandre Gaspari, ClimaInfo
ClimaInfo, 2 de outubro de 2023.
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