G20 tem importância climática em meio à geopolítica fragmentada  

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O encontro das 20 maiores economias do mundo, em 9 e 10 de setembro, na capital da Índia, Nova Deli, será decisivo para a aceleração do desenvolvimento sustentável neste século. A transição para fontes de energia renováveis é crucial neste processo – uma falha dos países mais ricos em assumir a dianteira desta tendência levará a colapsos em cadeias de abastecimento globais, afetando crescimento econômico e empregos para além do bloco. Mais de 170 países estão assistindo e aguardando um sinal de verdadeira liderança. 

É do interesse do próprio G20 acompanhar a rápida mudança no mercado de energia que estamos assistindo agora. Um relatório recente do think tank britânico Ember mostrou que vento e sol estão substituindo o carvão na geração elétrica deste grupo. Aqueles que não se organizarem para estar nesta transição, ficarão subordinados a ela. 

O Brasil lidera o ranking de uso de eletricidade renovável no G20 e receberá da Índia a presidência do grupo para o ciclo de 2024. A expectativa em torno do Brasil para o próximo G20 é enorme, e o país já declarou que terá a agenda de clima entre as prioridades. 

Por um lado, o Brasil integra esforços como os Brics (e seu banco de desenvolvimento), que têm potencial de gerar rearranjos geopolíticos. Por outro, o Sul Global é uma construção conceitual recente, frágil e com difíceis contradições internas. Não há nenhuma garantia, por exemplo, de que as maiores economias do Sul Global não irão explorar as economias mais pobres. E há sérias limitações em termos de respeito aos direitos humanos e reconhecimento da sociedade civil entre os Brics e seus novos associados. Sem esses dois elementos, é difícil pensar que esse grupo possa exercer uma influência transformadora globalmente.  

Por exemplo, o G20 poderia assumir, finalmente, metas para adoção de renováveis. Isso salvaria a presidência indiana da Cúpula de um fracasso negocial iminente e daria um sinal claro de mercado para todas as geografias e para a COP28, em dezembro. Mas de Norte a Sul, o grupo não quer abandonar os combustíveis fósseis sem estabelecer um equivalente em termos de lucro para as energias limpas. A única forma em que a produção de renováveis pode ser lucrativa muito rapidamente é operando da mesma forma que a produção de energia suja: concentrar a propriedade da cadeia de produção, explorar recursos naturais de maneira insustentável e privatizar o que deveria ser considerado bem comum. E muitas empresas que operam a produção de renováveis já tratam as comunidades do entorno de empreendimentos da mesma forma que petroleiras e mineradoras: violando seus direitos humanos, expropriando seus recursos, estabelecendo um colonialismo “verde”.  

Para que a transição energética seja justa, é necessário reconstruir a confiança entre as nações e delas com a sociedade civil. A participação dos cidadãos nos espaços reais de incidência no debate internacional tem sido errática. Isso tem drenado a confiança em negociações internacionais, que hoje são reféns de intermináveis discussões sobre a linguagem em relação aos combustíveis fósseis. 

Na Conferência de Clima da ONU de 2021 (COP26), na Escócia, os países conseguiram o feito de mencionar os combustíveis fósseis, a principal causa da crise climática, pela primeira vez em um texto final. Eles não conseguiram ir além e dizer qualquer coisa sobre a eliminação dessa fonte de energia. Já na COP27, no Egito, no ano passado, os diplomatas perderam tempo definindo se seria uma progressiva eliminação (phase-out) ou diminuição (phase-down) dos fósseis. E a linguagem mais fraca venceu mesmo com o painel científico da ONU sobre mudança climática, o IPCC, sendo bastante objetivo sobre a necessidade de eliminar o uso de todos os combustíveis fósseis o quanto antes. 

Nas negociações de clima e energia do G20, essa disputa foi renovada, com países petroleiros ou intensivos em energia pedindo que somente haja diminuição progressiva nas “emissões” dos combustíveis fósseis, ou nas “emissões impossíveis de abater” (unbeatable) desses combustíveis, ou apenas diminuição dos combustíveis fósseis “ineficientes”. 

Para piorar, agora há o risco de que o acordo de 2009 para eliminar os subsídios aos fósseis seja totalmente cancelado sem nunca ter funcionado na prática. Entre 2019-2022, o G20 gastou 1,4 trilhões de dólares subsidiando energia suja, afirma o Energy Policy Tracker

Esta postura negocial de jogar com palavras e descumprir o que já foi acordado enfraquece a confiança no multilateralismo e na própria diplomacia. E a desconfiança mútua crescente está ainda mais presente no tema do dinheiro, o elemento mais essencial do encontro das 20 maiores economias do mundo, mas que também é central na agenda de clima. 

Uma reforma na arquitetura financeira global com foco na atuação dos bancos de desenvolvimento é cobrada por países pobres e de renda média, como ficou evidente nas discussões de Finanças em Comum, na Colômbia, esta semana, e na Cúpula Financeira de Paris, em junho. Isso tem potencial para combater a pobreza e favorecer o desenvolvimento, ao mesmo tempo em que abre espaço fiscal para que os países menos ricos também possam ter seus próprios planos econômicos verdes, ajudando a mitigar a mudança climática. 

O tema do dinheiro é politicamente sensível para os países pobres, principalmente os mais vulneráveis e que menos contribuíram para a crise climática. Muitos deles precisam investir com urgência em adaptação ao clima extremo e seguem cobrando a implementação do Fundo de Perdas e Danos para este ano. 

Como o G20 reúne partes do Sul e do Norte globais que hoje se antagonizam por variadas razões, o encontro pode servir como uma arena de resolução. Esses são os países mais ricos do mundo e, por isso, têm as melhores condições de liderar o investimento em energia renovável e em outras cadeias industriais verdes, inclusive em parcerias com as economias emergentes. Isso dará à humanidade a melhor chance de controlar a mudança do clima e suas consequências econômicas a partir de uma maior estabilidade de cadeias de valor globais, em benefício do próprio G20. Não é apenas solidariedade – é realpolitik.

 

ClimaInfo, 5 de setembro de 2023.

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