Esboço apresentado ontem (11/12) pela presidência da COP exclui eliminação progressiva dos combustíveis fósseis das recomendações para a revisão dos compromissos climáticos dos países.
O presidente da Conferência do Clima de Dubai (COP28), Sultan Al-Jaber, apresentou ontem sua proposta de texto de decisão em torno do Global Stocktake, que oferecerá insumos aos países para o processo de revisão de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) sob o Acordo de Paris. É nesse texto que reside a principal batalha política da COP28: a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis.
A proposta da presidência da COP, no entanto, é um tapa na cara de quem esperava por algo substancial. O texto deixou de citar phase-down (redução gradual) ou phase-out (eliminação) dos combustíveis fósseis, se limitando apenas a pedir a “redução (reducing) do consumo e da produção de combustíveis fósseis, de forma justa, ordenada e equitativa, de modo a atingir a neutralidade líquida até, antes ou por volta de 2050”. Podem parecer a mesma coisa, mas em diplomatiquês, diferentes palavras têm diferentes significados.
A única eliminação a que o texto se refere é a dos chamados “subsídios ineficientes” aos combustíveis fósseis que não estejam atrelados ao combate à pobreza energética e à transição energética. Essa linguagem flexível, simbólica, livra praticamente todos os subsídios a petróleo, gás e carvão. Falando neste último, o texto também pede o abandono de projetos energéticos de carvão com emissões não compensadas (unabated) e restrições a novas permissões para geração termelétrica com emissões nessas condições.
Na parte de energia, pouca coisa se salva. O principal destaque é a inclusão das metas de triplicar a capacidade global de geração renovável e dobrar a eficiência energética até 2030. Outro ponto importante é a citação aos cortes de emissões recomendados pelo IPCC para que o mundo consiga viabilizar um limite de 1,5ºC ao aquecimento global neste século – redução de 43% até 2030 e de 60% até 2035 em relação a 2019.
“O texto da presidência tenta um meio termo difícil entre a demanda por phase-out/down dos combustíveis fósseis e a reticência das nações petroleiras à proposta. Por um lado, o texto incorpora metas para expansão de fontes renováveis e, ainda que singelamente, fala sobre a necessidade de reduzirmos o consumo e a produção de combustíveis fósseis”, comentou Bruno Toledo Hisamoto, especialista do ClimaInfo, ao Estadão. “Por outro lado, o texto especifica o abandono apenas de subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis que não estejam atrelados ao combate à pobreza energética”.
A recepção à proposta de Al-Jaber foi muito ruim tanto entre observadores e especialistas quanto entre os grupos negociadores. “Isso não é nada bom. Não há referência a uma eliminação progressiva. E proporciona aos países opções em vez de obrigações”, criticou o ministro de Tuvalu, Seve Paeniu, que faz parte da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), citado pelo Guardian.
“A República das Ilhas Marshall não veio aqui para assinar a nossa sentença de morte. O que vimos hoje é inaceitável. Não iremos silenciosamente para as nossas sepulturas aquáticas”, desabafou o negociador John Silk, chefe da delegação do pequeno país insular do Pacífico, à Bloomberg.
Em conversa com jornalistas, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) foi mais contida, mas também criticou o texto apresentado pela presidência da COP. “[O trecho sobre combustíveis fósseis] não está adequado. Não temos estabelecido como serão os esforços para eliminação”, disse. Ela reiterou a proposta brasileira de criar um grupo de trabalho para discutir um “mapa do caminho” para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, com vistas a uma decisão na Conferência de Belém (COP30) em 2025.
“Vamos trabalhar com os parceiros e os blocos [de negociação]. O Brasil vai trabalhar até o último minuto para assegurar os três pilares [para destravar a ação climática]: o limite de 1,5ºC, o fim da dependência dos combustíveis fósseis, e os meios de implementação”, destacou a ministra. Estadão e Último Segundo IG repercutiram a fala.
A expectativa é que os negociadores voltem à mesa na manhã desta 3ª feira (12/12) para definir o destino da COP28. A priori, Al-Jaber pretendia encerrar a Conferência às 11h da manhã de hoje. O ambiente prévio, no entanto, aponta para uma COP como tantas outras – atrasada, terminando bem além do seu prazo final.
Agência Brasil, Folha e Valor, entre outros, também reportaram sobre o texto da presidência para o Global Stocktake na COP. No exterior, a notícia também foi destacada por Axios, CNN, Financial Times, Independent, Sky News e Reuters.
ClimaInfo, 12 de dezembro de 2023.
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