Em audiência pública marcada por falas a favor da obra devastadora, representantes da pasta demonstraram empenho em asfaltar a via, foco de desmatamento da Amazônia
Na semana passada, o Ministério dos Transportes promoveu em Porto Velho, capital de Rondônia, a 3ª audiência pública do Grupo de Trabalho que estuda a pavimentação da BR-319, que liga a cidade a Manaus. Na reunião, representantes da pasta, do governo do estado, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), do IBAMA, do agronegócio e de sindicatos discutiram possibilidades de licenciamento ambiental para a pavimentação da rodovia, que hoje já é um dos grandes focos de desmatamento da Floresta Amazônica.
Não é de hoje que políticos da região amazônica e também da ala do governo federal que é apegada ao desenvolvimentismo-do-século-passado insistem no asfaltamento da destruidora via. A expectativa desse grupo era que as obras fossem incluídas no Novo PAC, o que não ocorreu. Mas, como foi determinada a elaboração de estudos sobre a rodovia, essa turma aproveita esse fórum de debates para aumentar a pressão pela obra, a despeito dos enormes problemas ambientais.
Sinal disso ocorreu na audiência da semana passada, que não foi transmitida para o público, relata ((o))eco. Nela, o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, afirmou que “a gente precisa conseguir a licença de instalação” para as obras. Para isso, o nº 2 da pasta comandada pelo ministro Renan Filho disse que o relatório final do GT, previsto para fevereiro, deve apontar “os caminhos para resolver o licenciamento ambiental junto aos órgãos de controle e para gente entender o que é necessário para fazer o licenciamento”, com “um grande mapa de responsabilidades, metas e prazos”.
No mesmo encontro Santoro deu garantias de que a BR-319 deverá ser concluída no governo Lula – a despeito do grupo de trabalho ainda estar concluindo as análises. Segundo o número 2 do ministério, o compromisso do governo federal, dado por Lula e por Renan Filho, é entregar a rodovia nas melhores condições possíveis e que, nesse momento, está fazendo a manutenção dos trechos já asfaltados, detalha o BNC Amazonas.
Como defensor fervoroso da BR-319 e de outras atividades capazes de devastar a Floresta Amazônica, o governador do Amazonas, Wilson Lima, aproveitou que a BR-319 ganhou o noticiário local para criticar o governo Lula. Em entrevista à Rede Amazônica reproduzida pel’A Crítica, Lima disse que o governo federal usa o meio ambiente para “colocar a população do Amazonas de joelhos”. Esqueceu que os amazonenses ficaram não apenas de joelhos, mas com fome e sede por causa da seca extrema que atingiu a região, efeito do El Niño e das mudanças climáticas que ele parece ignorar.
Lima – e parte do governo federal – também ignoram que a pavimentação da BR-319 deverá trazer um aumento ainda maior de desmatamento – inclusive com a construção de “ramais”, pequenas vias ilegais conectadas à principal e abertas em meio à floresta –, o que resultará num agravamento das secas. O alerta já foi dado há tempos por Lucas Ferrante, biólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Ou seja, a “solução” deverá piorar ainda mais a falta de desenvolvimento socioeconômico da região.
Vale lembrar ainda o levantamento da Climate Policy Initiative (CPI) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), feito em parceria com o Projeto Amazônia 2030, que mostra que o asfaltamento da BR-319 pode causar impactos em cerca de 300.000 km² da Amazônia . É uma área maior que todo o estado de São Paulo, que tem cerca de 248.000 km².
Em tempo: As obras em rodovias federais chegaram a um recorde em infrações ambientais punidas pelo IBAMA no ano passado, com R$ 48,4 milhões. As multas foram aplicadas após o órgão ambiental constatar casos em que o DNIT, órgão do Ministério dos Transportes, ignorou regras de licenciamento ambiental [o que amplia o medo em relação à BR-319]. Em cerca de metade dos casos, as irregularidades foram verificadas no ano passado, já no governo Lula. As demais infrações, por outro lado, foram alvos de pareceres ainda na gestão Jair Bolsonaro, mas estavam represadas, sem que as multas tivessem sido formalizadas, detalha Natália Portinari no UOL.
ClimaInfo, 23 de janeiro de 2024.
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