A “transição energética justa” da Petrobras: nem uma coisa, nem outra

Petrobras energia verde
Tânia Rêgo/Agência Brasil

Transição justa não é produzir mais combustíveis fósseis em regiões sensíveis ambientalmente e com impacto em Comunidades Tradicionais e Povos Indígenas, como quer a Petrobras.

As últimas semanas não têm sido fáceis para a Petrobras. Disputas políticas envolvendo o comando da empresa e suas ações [ou ausência delas] esquentaram o clima – sem trocadilho, apesar da relação direta entre a queima dos combustíveis fósseis que a petroleira produz e o aquecimento global resultante das mudanças climáticas. Por enquanto, porém, nada deve mudar na diretoria da companhia.

Não se sabe se há relação com o conflito dos últimos dias, mas, às vésperas da eleição de integrantes de seu conselho de administração, a Petrobras está lançando uma campanha publicitária com o tema “transição energética justa”. Vale lembrar que a Assembleia Geral Ordinária (AGO) para a escolha de conselheiros, marcada para 25 de abril, deve eleger para o colegiado Rafael Dubeux, secretário adjunto do Ministério da Fazenda e um dos líderes do Plano de Transformação Ecológica do governo. A indicação, feita pelo titular da pasta, Fernando Haddad, teria ocorrido para “acelerar” as ações da petroleira na transição energética.

A campanha de “transição energética justa” da Petrobras vai ser veiculada em rádio e TV e nas redes sociais, à exceção do X (ex-Twitter). No Instagram, a primeira peça já está no ar. 

O breve filme começa com uma plataforma de petróleo em alto mar e petroleiros trabalhando e fala que liderar uma transição energética justa é “produzir a energia que chega na sua casa” – nesse momento é mostrada a chama de um fogão queimando gás – e “apoiar projetos de conservação ambiental”, com imagens do Projeto Baleia Jubarte, de ações de reflorestamento e de um canoa num igarapé amazônico. 

“O que significa liderar uma transição energética justa? Como o nome já diz, não se trata de uma ruptura, mas de um movimento gradual e, sobretudo, inclusivo. Estamos falando de redução de emissões, projetos de energias renováveis e também da manutenção da biodiversidade e do apoio a projetos de conservação ambiental”, diz a legenda do filme.

É verdade que o atual comando da Petrobras retomou programas ambientais abandonados pela companhia no governo anterior. E que também aumentou a previsão de investimentos em descarbonização, que no mais recente plano de negócios da petroleira, 2024-2028, chega a US$ 11,5 bilhões. Mas considerar isso uma “transição energética justa” não se sustenta. E são as ações da própria Petrobras – e principalmente a falta delas – que comprovam que até agora não há nem transição, nem justiça.

A petroleira insiste na exploração de combustíveis fósseis na margem equatorial brasileira, particularmente na foz do Amazonas. Uma expedição recente feita por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA), com apoio do Greenpeace, comprovou o que outros estudos já haviam mostrado: a região tem altíssima sensibilidade ambiental e, além disso, um vazamento de petróleo pode atingir, sim, a costa. 

Não sensibilizou a Petrobras. Em vez disso, a companhia resolveu montar uma expedição científica própria para chamar de sua. A missão, segundo a petroleira, seria aprofundar estudos sobre a geologia marinha da foz do Amazonas e de outras bacias sedimentares da margem equatorial e, com isso, “subsidiar futuros programas ambientais na área”. 

Fica evidente que não está nos planos da empresa reconhecer que a exploração na região traz imenso risco ambiental e também social. Afinal, são centenas, milhares de comunidades litorâneas que vivem dos recursos naturais marítimos, além do turismo. Sem falar em Povos Indígenas que, na foz, serão impactados pela atividade e sequer foram consultados. 

Recentemente a Petrobras anunciou que fez uma descoberta em outra bacia da margem, a Potiguar. Não foram revelados números ou expectativas. Mas, no comunicado ao mercado, a petroleira fez questão de apelar, ao dizer que é necessário explorar a região para que o Brasil não tenha que importar combustíveis fósseis a partir de 2030. “Esqueceu” que as projeções apontam para uma queda progressiva da demanda de combustíveis fósseis em todo o mundo justamente a partir desse ano. 

Não foi à toa, portanto, que no filme veiculado no Instagram a Petrobras tenha escolhido uma chama de fogão para falar em “produzir a energia que chega na sua casa”. É nos combustíveis fósseis que a “transição energética justa” da companhia aposta. Afinal, até agora não houve um anúncio sequer de investimento em fontes renováveis de energia como eólica e solar. Tudo está no terreno do “estamos estudando”, “estamos avaliando”. Enquanto isso, investe-se mais e mais em explorar petróleo e gás fóssil.

Quando fala de descarbonização, a Petrobras gosta de dizer aos quatro ventos que vem reduzindo as emissões de suas operações de extração de combustíveis fósseis. Uma ação para isso é o aumento da injeção de gás fóssil e de dióxido de carbono nos reservatórios. Só que ela não conta que esse processo é feito por quase toda a indústria petroleira, por ser uma técnica para aumentar a produção de petróleo. Logo, é trocar seis por meia dúzia.

Voltando ao futuro conselho de administração da empresa, a provável entrada de Rafael Dubeux no colegiado gerou uma esperança de que a Petrobras, enfim, viraria a página da petroleira e daria largos passos para se tornar uma empresa de energia – uma cobrança justa feita até mesmo pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), que representa seus trabalhadores. No entanto, em suas últimas falas à imprensa, Dubeux têm dito que os combustíveis fósseis “têm um papel a cumprir” e “deve financiar a transição energética”. 

É isso mesmo: não é uma fala do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, ou do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, árduos defensores dos combustíveis fósseis e de sua extração “até a última gota”, inclusive na foz do Amazonas. É de um dos líderes do plano governamental de transição “ecológica”. A esperança se foi e virou preocupação.

Transição energética justa é agir para eliminar o quanto antes os combustíveis fósseis da matriz energética global – uma urgência para tentar conter as mudanças climáticas –, “transicionando” também trabalhadores e comunidades que hoje dependem da indústria petrolífera para outras atividades que lhes garantam emprego, renda e vida digna. E tomando todo o cuidado para que os novos investimentos em fontes renováveis respeitem pessoas e comunidades impactadas por eles.

Qualquer coisa diferente disso, como quer fazer pensar a Petrobras, não é mudança, nem justiça. É apenas mais uma narrativa para disfarçar que nem transição, nem justiça, são prioridades.

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Por Alexandre Gaspari, jornalista no ClimaInfo.

 

ClimaInfo, 17 de abril de 2024.

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