Brasileiro vai pagar mais por usar eletricidade gerada pelos combustíveis fósseis, que agravam as mudanças climáticas, que afetam a geração hidrelétrica, renovável e mais barata.
O Datafolha comprovou o que outras pesquisas já haviam detectado: a população brasileira tem a plena convicção de que alguma coisa está muito fora da ordem com o clima. O mais recente levantamento do instituto mostra que 97% dos brasileiros percebem no seu dia a dia que o planeta está passando por mudanças climáticas. Em maio, a Quaest já havia captado essa percepção, com 90% das pessoas dizendo que a catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul tinha relação com a crise climática.
O que a população brasileira costuma ignorar é a relação entre as mudanças climáticas, os combustíveis fósseis e a dor no seu bolso. Afinal, eventos extremos vêm afetando a produção agrícola aqui e em outros países, o que se reflete em menos oferta e preços mais caros. A disparada de preços de alguns produtos alimentícios de primeira necessidade após as enchentes no Sul é um exemplo. Mas até mesmo o saboroso chocolate ficou mais caro por causa de secas em países do oeste da África, que concentram boa parte da produção mundial de cacau e por isso impactam os valores da delícia em todo o mundo.
A partir deste mês, brasileiras e brasileiros vão sentir outro impacto no seu bolso, desta vez na conta de luz. Com secas fora de época e temperaturas altas em pleno inverno, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) decidiu acionar a bandeira amarela. Com isso, cada unidade consumidora vai ter de pagar em sua conta de luz R$ 1,88 a mais por cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. Uma cobrança extra que não acontecia desde abril de 2022.
As condições climáticas fora da ordem são a explicação para a decisão da ANEEL. Com menos chuvas, haverá menos água nos reservatórios das hidrelétricas, e portanto menos geração de eletricidade. E com mais calor, mais energia elétrica deverá ser consumida. Resultado: o órgão regulador prevê que, para suprir a demanda, será necessário acionar termelétricas movidas a combustíveis fósseis, principalmente a gás.
O primeiro grande problema bate justamente no bolso do consumidor. Como a eletricidade dessas usinas é muito mais cara que a gerada por fontes renováveis, a diferença tem de ser paga por todos. Por enquanto, são R$ 1,88/100 kWh. Mas essa cifra pode aumentar se houver piora na situação hidrológica e mais aumento no consumo elétrico por causa do calor anormal. Se for acionado o último patamar das bandeiras tarifárias, cobradas quando as termelétricas são acionadas, o valor chega a R$ 7,87 a cada 100 kWh – mais de quatro vezes o que é cobrado na bandeira amarela.
O segundo problema, que alimenta o primeiro, é que a queima de gás, carvão e óleo combustível nas termelétricas aumenta as emissões de gases de efeito estufa, logo, agrava as mudanças climáticas. Que provocam não apenas tempestades no Rio Grande do Sul, mas também secas extremas, como a que atingiu a Amazônia no ano passado e agora aflige o Pantanal antes do período habitual de estiagem no bioma, facilitando a propagação dos incêndios. Sem falar no calor também incomum na maior parte do país nesta época do ano.
Mais estiagem, menos chuvas. Menos chuvas, menos água nas hidrelétricas. Menos água, menos eletricidade renovável e mais barata para suprir o consumo maior por causa do calor incomum. Maior consumo, mais necessidade de eletricidade, que assim vai ser gerada queimando combustíveis fósseis. Que por sua vez são os principais vilões das mudanças climáticas que mexem com regimes de chuvas e de temperaturas do planeta e provocam secas, tempestades, calor e frio inesperados. É o “cachorro elétrico” correndo atrás do próprio rabo climático.
Em 2023, a Coalizão Energia Limpa desenvolveu o estudo “Vulnerabilidades do setor elétrico brasileiro frente à crise climática global e propostas de adaptação”, no qual mostra que o planejamento energético brasileiro deveria priorizar o fortalecimento de um sistema hidro-eólico-solar, que não somente ofereceria eletricidade mais barata para a população como daria ao país uma matriz elétrica 100% renovável. Nesse modelo, as hidrelétricas funcionariam como as “baterias” do sistema elétrico, cobrindo as eventuais intermitências de usinas eólicas e solares.
No entanto, os planos nacionais continuam insistindo em instalar mais e mais termelétricas a combustíveis fósseis, mostra o relatório “Regressão energética: como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática”, lançado mês passado também pela Coalizão. Além de sujeitar a população brasileira à volatilidade dos preços internacionais do gás e outros derivados de petróleo, já que são commodities, a decisão amplia as emissões. Que pioram a crise climática.
Somente a operação dos 8 gigawatts (GW) em termelétricas a gás inseridos na lei de privatização da Eletrobras (14.182/2021) “resultará na emissão de mais de 300 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (MtCO2e), ou 20 MtCO2e por ano. Em 2019, todo o setor elétrico brasileiro emitiu 53,4 MtCO2e. Ou seja, apenas as ‘térmicas-jabuti’ podem corresponder a quase 40% do total de emissões para geração nacional de eletricidade. E podem aumentar em mais de 12% o custo da energia consumida no país”, diz o documento.
Voltando ao Datafolha, 77% atribuem o aumento das emissões de gases de efeito estufa a atividades humanas como a queima de combustíveis fósseis. É um percentual menor do que quem percebe as mudanças climáticas. Mas pode ser um bom início para mostrar o quanto a crise climática pode custar no bolso de cada um. E o que acontece com a eletricidade é um excelente exemplo de um círculo vicioso que pode – e deve – ser parado. Pela nossa sobrevivência, inclusive financeira.
__________
Por Alexandre Gaspari, Jornalista do ClimaInfo
__________
ClimaInfo, 4 de julho de 2024.
Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.