Posicionamento sobre a Nova Política Nacional de Transição Energética e o Decreto do Gás para Empregar

4 de setembro de 2024
posicionamento coalizão OC
Coalizão Energia Limpa / Observatório do Clima

No último dia 26, o governo federal promoveu o lançamento conjunto da Política Nacional de Transição Energética (PNTE), Resolução nº 5 de 26 de agosto de 2024, e do decreto do Gás para Empregar (nº 12.153/2024). O GT Clima e Energia do Observatório do Clima, rede formada para discutir o problema do aquecimento global no contexto brasileiro, e a Coalizão Energia Limpa, que atua pela defesa de uma transição energética socialmente justa e ambientalmente sustentável, expressam preocupação com as limitações, contradições e os impactos negativos dessas iniciativas. Embora ambas também reconheçam e valorizam os esforços governamentais para estabelecer novas políticas que promovam um futuro mais sustentável, equilibrando o desenvolvimento econômico e socioambiental,

Em primeiro lugar, ainda que se tratem de matérias para o desenvolvimento do setor energético brasileiro, chama a atenção a ambiguidade dos objetivos de cada proposta. O PNTE estrutura a Política Nacional de Transição Energética, que pressupõe a descontinuidade do uso de combustíveis fósseis. Já o Gás para Empregar estabelece condições para o desenvolvimento da infraestrutura e do mercado do gás, pressupondo sua manutenção no sistema  no médio e no longo prazos. 

Política Nacional de Transição Energética (PNTE)

A PNTE não disse a que veio. Em um momento em que os olhos se voltam para o Brasil, com a presidência do G20, em 2024, e do Brics e da COP30, em 2025, a política carece de conteúdo e de ambição, relegando a segundo plano a urgência climática e mantendo a sociedade civil à parte do processo.

O texto da Resolução traz poucas diretrizes e mecanismos. Define que haverá um Plano Nacional de Transição Energética (Plante), mas de forma genérica como explicitado no parágrafo 1º do artigo 6º: “Para cumprir com seus objetivos, o Plante deverá contemplar as ações existentes e propor novas ações alinhadas com seus eixos estratégicos, de forma a sinalizar ajustes nos planejamentos que tratam da transição energética”. Além das ações existentes, atentamos para a necessidade de proposição de novas ações ainda não contempladas em programas do governo. Um exemplo é a regulação do armazenamento de energia, ferramenta tecnológica indispensável para o apoio ao crescimento de renováveis e descontinuidade das termelétricas no sistema elétrico brasileiro. 

No caso da representatividade social, o parágrafo 3º do artigo 12 diz que “o Fonte (Fórum Nacional de Transição Energética) deverá ter uma composição tripartite, com representantes governamentais, da sociedade civil e do setor produtivo, considerando critérios de representatividade regional, racial, étnica e de gênero”. Espera-se que a experiência com a participação da sociedade civil no CNPE não seja repetida, quando a cadeira ficou temporariamente vazia por anos até ser ocupada por um representante de uma empresa atuante no setor elétrico, e que a voz da sociedade tenha peso igual ao dos demais integrantes.

Em relação às definições gerais de transição energética contidas no artigo 2º, o inciso II define: “Transição Energética Justa e Inclusiva – transição energética comprometida com a promoção da equidade e da participação social, minimizando impactos negativos para as comunidades, trabalhadores, empresas e segmentos sociais vulneráveis às transformações no sistema energético, maximizando as oportunidades de desenvolvimento socioeconômico, de aumento de competitividade do setor produtivo e de combate às desigualdades e à pobreza, nos níveis internacional, regional e local”. Chama a atenção o fato de se buscar minimizar, ao invés de não incorrer em impactos de empreendimentos energéticos sobre comunidades vulneráveis.

Do mesmo modo preocupante, o seu artigo 2º, no inciso IV, define a pobreza energética como “situação em que domicílios ou comunidades não têm acesso a uma cesta básica de serviços energéticos ou não têm plenamente satisfeitas suas necessidades energéticas”, mas não qualifica o que é a cesta básica de serviços energéticos ou mesmo quais são as necessidades energéticas basilares para garantir equidade e justiça no acesso à energia. Tampouco são previstos mecanismos para monitoramento da questão no Brasil, ou alinhamento entre os programas federais para combater a questão. Falta visão do impacto da dimensão energética na orientação das políticas setoriais.

O artigo 3º trata das diretrizes da PNTE e o inciso IV detalha: “promover a competitividade do setor de energia para a oferta a preços acessíveis”. A oferta de preços acessíveis não traz menção ao caso de combustíveis fósseis. Ainda que a acessibilidade de preços de tarifas de eletricidade e combustíveis para transportes ou cocção representem um fator essencial para o bem estar social, é importante lembrar que a continuidade de subsídios para essas fontes supera em muito o montante destinado a energias renováveis e que a continuidade desse estímulo não resultará na transição do uso de combustíveis.

Apesar de detalhar um pouco mais a estrutura do Plante e do Fonte, a avaliação fica prejudicada ao não termos acesso a orçamento e cronograma. Especialmente neste segundo ponto, o cronograma determinará se a transição será efetivamente feita ou se o aumento da participação de fontes renováveis na matriz energética conviverá com a perpetuação da indústria de combustíveis fósseis. Se todas as definições ausentes na política serão definidas no plano, quanto antes a discussão sair das salas do Ministério de Minas e Energia e passar para debate público, melhor. Dessa forma, aguardamos a publicação do conteúdo completo do Plano Nacional de Transição Energética (Plante).  

Decreto do Gás para Empregar

No caso do Gás para Empregar, o decreto traz como propostas endereçar o planejamento integrado entre a oferta e a demanda do gás, reduzir o custo da infraestrutura para seu transporte e reduzir o volume de reinjeção atualmente praticado. A expectativa do mercado do gás é que os aprimoramentos – que também incluem a revisão das atribuições de ANP e EPE enquanto órgãos regulador e planejador – aumentem o acesso ao gás e consequentemente seu preço, ponto constante de crítica por parte das indústrias consumidoras do combustível. Novamente, se por um lado a competitividade do gás é um fator importante para o desenvolvimento econômico e social, e suas emissões sejam inferiores à média de outros combustíveis fósseis, o aumento de sua produção e consumo inevitavelmente atrasarão a transição energética brasileira. 

A expansão da infraestrutura pretendida pelo mercado do gás, além do uso industrial, pressupõe o aumento do uso de gás em termelétricas para justificar tal demanda. Entendemos que o uso de térmicas é relevante para o fornecimento de potência em situações de pico, mas sua transição para outras modalidades que podem prover esse serviço, como sistemas de armazenamento por baterias ou hidrelétricas reversíveis, deve ser planejada e implementada no curto prazo. 

Ainda sobre o programa, o Gás para Empregar restringiu a participação de ambientalistas e da sociedade civil durante os debates de sua formulação, prática contrária ao processo de formulação de políticas públicas. Criado com o propósito de subsidiar o CNPE na proposição de medidas e diretrizes, o Grupo de Trabalho do Programa Gás para Empregar (GT-GE) foi composto por representantes indicados pelo Ministério de Minas e Energia, que o coordenou, dos Ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, entre outros ministérios, do BNDES, da ANP, da PPSA e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). A critério do GT-GE, representantes de órgãos e entidades públicas e privadas do setor de gás natural e do meio ambiente poderiam ser convidados para participarem das reuniões e prestarem assessoramento. No entanto, em seus meses de trabalho, entre maio de 2023 e agosto de 2024, houve apenas dois dias de reuniões públicas (nos dias 31/10 e 01/11) e algumas reuniões bilaterais das quais a sociedade civil não teve conhecimento, uma vez que desde janeiro deste ano o site oficial do programa não foi atualizado com a publicação de documentos ou atas de reuniões. 

GT Clima e Energia do Observatório do Clima

Coalizão Energia Limpa



__________

ClimaInfo, 4 de setembro de 2024.

Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.

Continue lendo

Assine nossa newsletter

Fique por dentro dos muitos assuntos relacionados às mudanças climáticas

Em foco

Aprenda mais sobre

Glossário

Este Glossário Climático foi elaborado para “traduzir” os principais jargões, siglas e termos científicos envolvendo a ciência climática e as questões correlacionadas com as mudanças do clima. O PDF está disponível para download aqui,
1 Aulas — 1h Total
Iniciar