Agricultura familiar recebe migalhas na capital da soja e sofre preconceito do agro

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João Canizares/Agência Pública

Sorriso foi a cidade que mais lucrou com venda de soja nos últimos 5 anos, mas destina a pequenos agricultores meros 0,2% do que arrecada.

É difícil encontrar uma cidade que ilustra tão bem a diferença entre o agronegócio e a agricultura familiar como Sorriso (MT), a 400 km de Cuiabá, na rota da BR-163, destaca a Agência Pública, em matéria reproduzida pela Carta Capital. Em 2023, Sorriso foi o município que mais lucrou com a produção de soja no Brasil pelo quinto ano seguido, cerca de R$ 8,3 bilhões. A soja gera impostos que, somados a outras fontes, renderam R$ 843 milhões em receitas para a cidade. Mas a agricultura familiar recebe migalhas do poder público local: em 2024, a prefeitura destinou R$ 2 milhões em investimentos para pequenos agricultores – ínfimo 0,2% do valor recolhido em 2023.

“A política usa a agricultura familiar para conseguir caminhão, maquinário, trator, só que quando chega, a gente tem de pagar uma taxa para usar, para fazer um serviço de limpar ‘tocos’ na terra, tem de pagar outra taxa para buscar calcário, para gente usar na terra”, contou Márcio Manoel da Silva, agricultor familiar e um dos fundadores do assentamento Jonas Pinheiro, com 7,3 mil hectares, na zona rural de Sorriso.

“Eles usam a gente para pegar o equipamento, mas não deixam a gente usar para plantar comida, plantar um pepino, uma hortaliça, um mamão”, afirmou Seu Márcio, que vive há mais de 20 anos na área. “Mas se fosse para plantar soja… liberavam terras da União, empréstimos de banco público e privado, como sabemos que já aconteceu com gente que mora aqui perto”, desabafou.

Seu Márcio é casado com Maria Boaventura de Sousa Silva, a Dona Sula, presidente da Cooperativa dos Pequenos Produtores Rurais do Vale do Celeste (COOPERCEL), que atua na área do assentamento e produz alimentos orgânicos. Eles contaram que nenhum dos candidatos à prefeitura de Sorriso nas eleições deste ano – Leandro Carlos Damiani, o Damiani da TV (MDB), Alei Fernandes (União) e Milton Ribas (PP) – foi ao assentamento para pedir votos às famílias que vivem na área.

Para o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da Biodiversidade da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Thadeu Sobral Souza, não apenas Sorriso, como todo o Nortão de Mato Grosso, ignoram a importância da agricultura orgânica e familiar. Uma consequência do modelo dominante no estado, do agronegócio de monoculturas em larga escala.

“As pessoas que trabalham na área realmente acreditam que o certo é produzir cada vez mais commodities, então nem cogitam opções alternativas para a agricultura, não refletem sobre os impactos de grande magnitude causados pelo agro”, disse.

Como em outros municípios do Nortão de Mato Grosso, o abastecimento de água em Sorriso se dá por poços artesianos, tanto na cidade quanto no campo. O uso de agrotóxicos nas lavouras da área, na região com a maior concentração de terras no país de acordo com o IBGE, ameaça a qualidade das águas subterrâneas de todos, segundo especialistas e pesquisadores.

Em tempo: Enquanto a agricultura familiar em Sorriso pena para receber recursos e é desprezada pelo agronegócio, produtores rurais da Amazônia gastam [muito] dinheiro promovendo conteúdo contra mensagens ambientalistas e climáticas em mídias rurais. Autointitulado “Produtores Rurais Independentes da Amazônia”, o movimento se orgulha de que 40% do rebanho brasileiro esteja na Amazônia – ou seja, se orgulha de trocar uma das mais ricas biodiversidades do planeta por capim e boi. E pede absurdos como o fim do PRODES [????], do TAC da Carne e da desintrusão de terras invadidas. Resumindo: mais uma vez, é a defesa do crime travestida de nacionalismo. Já vimos esse filme antes e sabemos onde termina: dar palco para palhaço arrasta todo mundo para a lona do circo. O publieditorial do “ogronegócio” pode ser visto em Canal Rural, Notícias Agrícolas e Revista Amazônia.

 

 

 

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ClimaInfo, 9 de outubro de 2024.

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