Quem embarca em um cruzeiro marítimo não imagina que o ar que respirará durante a viagem pode causar problemas. Mas segundo levantamento da ONG alemã NABU, um navio de porte médio, que queima até 150 toneladas de combustível por dia, emite a mesma quantidade de material particulado que um milhão de carros. Como o combustível queimado por esses navios é um óleo pesado, que libera 100 vezes mais partículas de dióxido de enxofre do que o diesel marinho e 3500 vezes mais do que o diesel para carros, as emissões de dióxido de enxofre de um grande navio de cruzeiro equivalem a 376 milhões de carros. Além disso, são emitidas grandes quantidades de outros poluentes perigosos do ar, tais como o carbono preto (que é a parte fina da fuligem) e o óxido de nitrogênio (NOx), além de dióxido de enxofre e material particulado.
A concentração de material particulado no ar chega a 380 mil partes por metro cúbico perto dos cruzeiros, enquanto uma rua movimentada geralmente apresenta em torno de 20 mil partes e o ar considerado limpo possui menos de 2 mil partes.
O problema poderia ser resolvido se esses navios deixassem de usar óleo pesado, migrando para combustíveis mais limpos. Ou poderia ser minimizado, se instalassem filtros de partículas ou catalisadores SCR – tecnologias que já são padrão nos escapamentos de caminhões ou carros de passageiros. Só que não: empresas como Costa, MSC e Royal Caribbean pouco têm feito para solucionar o problema e expõem seus passageiros a níveis alarmantes de poluição. Esse é um dado preocupante, já que, segundo informações da própria indústria de cruzeiros, cerca de 400 mil brasileiros embarcam nos navios dessas empresas a cada ano.
Para Dietmar Oeliger, chefe da política de transportes da NABU, “O desempenho ambiental das empresas de cruzeiro é ruim, assim como sua atitude em relação à transparência. No ano passado, o setor afirmou que 23 navios operariam com filtros de fuligem. A verdade é que não há um único filtro operando no presente”, alerta. Não é de se estranhar, portanto, que as mais conhecidas empresas de cruzeiros marítimos tenham sido reprovadas no ranking anual que a ONG divulga para reconhecer quem promove avanços no combate à poluição. Na edição deste ano, lançada hoje na Alemanha, apenas Hapag-Lloyd e TUI receberam avaliação positiva devido à instalação de catalisadores de óxido de nitrogênio – um passo pequeno, mas importante, para navios mais limpos.
As emissões dos motores a diesel empregados em todos os navios de cruzeiro hoje são classificadas como cancerígenas pela Organização Mundial da Saúde. Elas são responsáveis por outras doenças graves como asma ou doenças cardiovasculares, que causam mortes prematuras. Somente na Europa são 50.000 mortes prematuras por ano devido às emissões de carbono, nitrogênio e enxofre do transporte marítimo internacional nas águas européias. Um relatório da OCDE de 2014 revelou que comunidades próximas ao porto de Long Beach de Los Angeles tinham taxas mais elevadas de asma, doenças cardíacas e depressão. O mesmo estudo relacionou 3.700 mortes por ano na Califórnia às emissões portuárias. Um estudo de 2016 liderado pelo acadêmico norteamericano James Corbett calculou que os navios são responsáveis por 3% das mortes por poluição do ar nos EUA a cada ano.
O dióxido de enxofre causa chuva ácida e pode prejudicar o sistema respiratório, dificultando a respiração. O dióxido de nitrogênio irrita as vias aéreas e também causa chuva ácida. Juntos com os demais poluentes emitidos pela queima do óleo pesado para movimentar os motores dos navios, essas substâncias levam ao dano dos ecossistemas sensíveis, à acidificação do solo e à água, à eutrofização dos lagos e das áreas costeiras. Os poluentes do ar, especialmente o carbono preto e o óxido de nitrogênio precursor de ozônio, contribuem massivamente para o aquecimento global. Por exemplo, quase 50% do aquecimento do Ártico é atribuído ao carbono negro.
O desprezo da indústria de cruzeiros pela saúde de seus clientes e cidadãos portuários é comprovado pelo fato de que nenhuma empresa respondeu a um simples questionário enviado pela NABU. Em vez disso, colocaram a associação do setor, CLIA, para fornecer um comentário vago e geral afirmando que está enfrentando essa questão a sério. A NABU vê isso como mais um exemplo de um setor que recusa o diálogo e detesta a transparência, atestando o fosso entre a imagem criada pelo marketing de empresas e a realidade.
“Apesar das mais variadas alegações de que os navios de cruzeiro estão mais ecológicos, a atitude da indústria em relação ao meio ambiente continua a ser fraca. A falta de ação da Costa, MSC e Royal Caribbean para limpar suas operações ameaça seus clientes, residentes das regiões portuárias e o clima global”, alerta Leif Miller, CEO da NABU. “Também estamos decepcionados com o greenwash da AIDA Cruises. Eles não cumpriram sua promessa de investir em filtros de partículas para toda a frota”, completa.
Fundada em 1899, a NABU (União de Conservação da Natureza e da Biodiversidade) é uma das maiores e mais antigas associações ambientais da Alemanha. Ela engloba mais de 560 mil membros e patrocinadores, que se comprometem com a conservação de habitats, flora e fauna ameaçadas, com proteção climática e política energética. Os principais objetivos da NABU são a preservação dos habitats e da biodiversidade, a promoção da sustentabilidade na agricultura, manejo florestal e abastecimento e distribuição de água, bem como para aumentar o significado da conservação da natureza em nossa sociedade. Para outras informações: https://en.nabu.de/
Página 22 – http://pagina22.com.br/2017/09/10/mar-aberto-ar-poluido/