Por que precisamos de ação internacional contra as mudanças climáticas?

Nenhum país pode controlar o clima sozinho. A mudança climática é mais desafiadora que qualquer outra questão global porque estabelece uma corrida contra o tempo: atrasar a ação torna impossível reduzir o risco climático. Ela também requer escolhas profundas que impactam debates sobre os amplos interesses nacionais como crescimento, desenvolvimento, segurança nacional e energia.

 

Atacar a mudança climática requer sinergias entre a ação nacional e a ação internacional. O fato de termos todos os países juntos no ataque à questão, fornece cobertura política para os líderes fazerem sua parte. Isto abre mais espaço político doméstico e aumenta a probabilidade de um país fazer mais do que faria unilateralmente.

 

Copenhague forçou a entrada do clima nas agendas políticas domésticas, mostrando que os governos tinham que tomar posição. As metas europeias para a energia renovável não teriam sido adotadas em 2007 sem a perspectiva das negociações climáticas globais de Copenhague. O Acordo de Paris formalizou as ofertas voluntárias de redução de emissão (as NDC).

 

Apesar das NDCs acordadas em Paris não serem suficientes para colocar o mundo a caminho do limite de aquecimento de 2°C, o progresso feito na frente das negociações climáticas teve o mais tangível impacto de todas as negociações diplomáticas feitas na década passada.

 

Acordos internacionais dirigem a ambição doméstica, mas também se baseiam nesta. Portanto, um acordo global deve entregar um sinal coletivo e simultâneo para todos os que criarão e implantarão a ação climática futura. Expectativas e certezas são centrais para a efetividade de um acordo global. Políticas fracas e inconsistentes enviam sinais dúbios sobre as intenções dos governos, criando ‘risco político’ e elevando os custos de capital. Um acordo internacional tem o potencial de agir como um poderoso instrumento de política macroeconômica para desviar o investimento para fora do âmbito dos combustíveis fósseis e em direção às energias renováveis. Somente a ação forte e simultânea pode manter aberta a possibilidade de limitar o aquecimento global ao máximo de 2°C.

 

Por os 2°C interessam?

 

O clima extremo e os impactos econômicos que temos experimentado até agora resultam de menos de 1˚C de aquecimento e devem ser pálidas amostras do impacto no bem-estar humano, na prosperidade e na segurança, se viermos a dobrar este aquecimento. Um grau centígrado pode soar como uma pequena quantidade, mas é não usual na recente história do planeta, e pequenas mudanças na temperatura média do planeta levam a enormes mudanças no meio ambiente.

 

Para contextualizar esta afirmação: 5˚de aquecimento levaram ao fim da última era do gelo e 6˚C levariam o planeta de volta ao tempo no qual o Ártico canadense era tão agradável quanto a Flórida e cheio de animais semelhantes a crocodilos, os champsosauros[1]”.

 

As mudanças climáticas apresentam riscos diferentes de outros nos quais a ação de última hora pode, às vezes, parar e até reverter a ameaça. No caso das mudanças climáticas, se suspendêssemos todas as emissões amanhã, o mundo continuaria a aquecer e o nível do mar a se elevar. Já “contratamos” riscos com as emissões que acumulamos nos últimos dois séculos. E cada ano com os atuais níveis de emissão adiciona novos riscos.

 

A comunidade internacional concordou que 2˚C é o limite manejável das mudanças climáticas. A Assembleia da Organização das Nações Unidas (UNGA)[2] e seu Conselho de Segurança (United Nations Security Council[3] – UNSC) declararam que mudanças climáticas incontroláveis ameaçam a segurança e a paz mundial. Em 2009, e em várias ocasiões subsequentes, líderes concordaram em limitar o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C para prevenir mudanças climáticas perigosas. Além disso, várias análises mostram que a redução da pobreza em todo o mundo e os objetivos do desenvolvimento, cada vez mais, serão difíceis de serem atingidos – e os atuais ganhos serão insustentáveis – em um mundo aquecido a mais de 2°C.

 

Análises sugerem que limitar o aquecimento a 2°C evitaria a maioria das mudanças catastróficas e irreversíveis no sistema climático. Entretanto, ainda teríamos custos econômicos e sociais significativos em todas as partes do mundo. Assim, sob a UNFCCC, as partes também concordaram em rever a adequação da meta de 2°C.

 

Um aquecimento acima de 4°C seria “incompatível com uma comunidade global organizada”[4]. Isto significa que as ordens civil e produtiva e a capacidade de crescimento não seriam mais possíveis. Mudanças climáticas não manejáveis iriam além de nossa capacidade de adaptação.

 

 

Quem é impactado?

 

O atual modo de vida urbano

As cidades são o centro da prosperidade, herança cultural e chaves para o crescimento global. Mas as mudanças climáticas ameaçam suas perspectivas de desenvolvimento por pressionar os pobres e a classe média emergente em direção à pobreza. Cidades instáveis significam um mundo inseguro e ameaçado por riscos à saúde e à segurança alimentar, ao abastecimento de água etc. A população urbana global deve dobrar até 2050[5], aumentando o número de pessoas e ativos econômicos expostos aos riscos das mudanças climáticas.

 

Em particular, aumentos na poluição do ar colocam grandes ameaças sobre as cidades, onde temperaturas aumentadas causarão mais mortes por problemas respiratórios e sofrimento resultante do aumento da poluição do ar pelo ozônio gerado na atmosfera a partir das emissões de poluentes de caminhões, ônibus e automóveis. As muitas cidades localizadas em áreas costeiras serão mais expostas a enchentes e tempestades. Como exemplo, lembramos do furacão Sandy, que atacou a região de Nova Iorque em 2012, levando ao fechamento por uma semana de um dos maiores terminais de containers dos EUA[6]. Em países pobres, as cidades atraem moradores para favelas nas quais as pessoas estão entre as mais expostas a eventos climáticos extremos por conta da ausência de infraestrutura básica.

 

As cidades são, também, dependentes das áreas rurais para a obtenção de comida e vários outros recursos. Como as mudanças climáticas podem romper as cadeias de fornecimento e a disponibilidade histórica de recursos, podem levar as cidades e seus habitantes a maior exposição a riscos. As cidades não podem ser transportadas. Elas são significativamente expostas aos impactos das mudanças climáticas e aos níveis de ambição que seus governos têm quanto a atacar o desafio.

 

Segurança nacional

 

Líderes militares dos EUA e do Reino Unido têm recentemente advertido que as mudanças climáticas colocam riscos crescentes à estabilidade geopolítica, a qual, por sua vez, afeta a segurança, o bem-estar e a prosperidade das nações[7]. Um conselho militar respeitado, composto de oficiais aposentados de alto nível de todos os braços das forças armadas, avaliou os efeitos das mudanças climáticas sobre a segurança nacional e relatou que as mudanças climáticas estão se transformando em catalizadoras de conflitos[8].

 

Um aumento nos eventos climáticos extremos, como esperado sob as mudanças climáticas, ameaçará a segurança alimentar e acabará por promover a migração, a insegurança alimentar e o conflito, como ilustra o exemplo da Síria. Este país experimentou a pior seca jamais registrada entre 2006 e 2011[9]. Em 2008, a precipitação no leste da Síria caiu 30% frente à média anual, devastando a produção de trigo e contribuindo com o deslocamento de entre 300 mil a um milhão de famintos em direção às cidades[10]. A migração para as cidades vizinhas levou ao desemprego, à insegurança alimentar e ao subsequente desconforto social, o que foi um dos fatores que contribuíram para a deflagração da guerra civil em 2011[11].

Desenvolvimento e inclusão

 

Marchar em direção à redução da pobreza será impossível sem a estabilização do clima. As mudanças climáticas não somente pressionarão os pobres na sua condição, mas, de acordo com o IPCC[12], levarão as classes médias recentemente emersas de volta à pobreza e acabarão por desfazer os resultados dos investimentos e progressos conquistados nas últimas décadas. As classes médias futuras – das quais dependem as estratégias de crescimento nacionais e das corporações globais – não existirão se as mudanças climáticas se tornarem não manejáveis. O presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, disse que as mudanças climáticas podem “reverter décadas de desenvolvimento”, e serão um “uma ameaça fundamental ao desenvolvimento econômico e à luta contra a pobreza”[13].

A comunidade financeira e de negócios

 

É provável que as mudanças climáticas rompam os padrões de investimento de capital. Os modelos de negócios se tornarão mais vulneráveis à volatilidade da oferta de recursos devido à frequência da ocorrência de eventos climáticos extremos. Muitos negócios e investidores ainda não entenderam que o valor e a demanda por seus bens e serviços serão, também, impactados. O valor das empresas que se baseiam na demanda crescente das classes médias emergentes dos países em desenvolvimento será comprometido. Os impactos físicos das mudanças climáticas afetarão ativos, responsabilidades e investimentos.

 

Algumas interpretações do New Climate Economy Report[14] sugerem que não existem cenários ‘business as usual’. O que existe são escolhas políticas; a não escolha de uma trajetória de baixo carbono tem consequências econômicas. Os países que falharem em traçar e implantar uma trajetória crível para a gestão do desenvolvimento de baixo carbono e dos riscos climáticos verão os investidores se tornaram mais relutantes a se comprometerem com investimentos de longo prazo. A falta de regulações claras e robustas trará consigo o risco de custosas mudanças retrospectivas de políticas e o aparecimento de ativos irrecuperáveis.

 

A falta de investimento em resiliência climática aumentará o risco de choques nas cadeias de fornecimento e danos à infraestrutura e a instalações. No melhor dos casos, isto resultará em custos elevados e à redução do crescimento. No pior, criará um significativo deslocamento do capital para ativos menos produtivos, mas mais líquidos, ou para investimentos de menor risco.

 

[1] http://www.popsci.com/environment/article/2009-05/crocodile-reptiles-lived-arctic-55-million-years-ago-could-it-happen-again-0

[2] United Nations. (2014). “Millennium Development Goals and Beyond 2015”.

[3] United Nations Security Council. (2007). “Provisional records of the 5667 meeting of the Security Council”

[4] [4] http://fr.slideshare.net/DFID/professor-kevin-anderson-climate-change-going-beyond-dangerous

[5] http://esa.un.org/unpd/wup/Highlights/WUP2014-Highlights.pdf

[6] Revi, A. and Satterthwaite, D., 2014. Chapter 8: Urban Areas. In: Climate Change 2014: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Fifth Assessment Report of the IPCC. Field, C., et al. (eds.). Available at: https://ipcc-wg2.gov/AR5/images/uploads/WG2AR5_SPM_FINAL.pdf

[7] http://www.gao.gov/products/GAO-14-446 and https://www.gov.uk/government/publications/global-strategic-trends-out-to-2045

[8] http://www.yaleclimateconnections.org/2014/09/climate-change-as-catalyst-of-conflict/

[9] Gleick, P., 2014. Water, Drought, Climate Change, and Conflict in Syria. Weather, Climate and Society, 6. 331–340. http://dx.doi.org/10.1175/WCAS-D-13-00059.1

[10] Oweis, K. 2010. Eastern Syria grapples with drought, poverty. In: Reuters News. Jan. 27 2010. Available at: http://www.reuters.com/article/2010/01/27/us-syria-drought-idUSTRE60Q5FW20100127

[11] Gleick, P., 2014. Water, Drought, Climate Change, and Conflict in Syria

[12] Intergovernmental Panel on Climate Change. (2014). “Climate Change 2014. Impacts, Adaptation, and Vulnerability: Summary for Policy Makers”.

[13] World Bank, 2014. Turn Down the Heat.

[14] http://newclimateeconomy.report/TheNewClimateEconomyReport.pdf