3 mulheres-maravilha bem reais nos caminhos da justiça climática

Sarah Hurtes* entrevistou três das mais influentes mulheres do cenário mundial das mudanças climáticas. Elas contam como a questão de gênero foi inserida no Acordo de Paris e como as mulheres continuam fazendo a diferença nas questões relacionadas à justiça climática

 

Qual é o impacto concreto da decisão de Trump de retirar os EUA do Acordo de Paris – um acordo internacional referência sobre a mudança do clima – em nosso dia-a-dia? E como as ações dele podem dificultar a vida das mulheres em uma escala global?

 

Fiz essas perguntas a três das mais influentes líderes do movimento climático: Laurence Tubiana, embaixadora da mudança do clima e representante especial da França na COP21 (e, sendo assim, a principal arquiteta do Acordo de Paris), atual CEO da Fundação Europeia do Clima; Jennifer Morgan, diretora executiva do  Greenpeace Internacionale Mary Robinson, ex-presidente a Irlanda e fundadora da Fundação Mary Robinson – Justiça Climática, que tem o objetivo de garantir a justiça climática para aqueles impactados pelas mudanças do clima que são normalmente esquecidos.

 

Laurence Tubiana é categórica ao telefone: a decisão de Trump de sair do Acordo de Paris é uma distração e atrasa a ação, como já pôde ser notado, com alguns governos mostrando-se menos entusiastas em investir na mudança do clima. Ela acrescenta: “Não há dúvidas de que isso afeta particularmente as mulheres – principalmente aquelas que vivem em casas pobres que não têm proteção contra os eventos extremos.”

 

Essa opinião é ecoada por Mary Robinson, que argumenta que não tomar medidas climáticas urgentes significa que os direitos das pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade estão ameaçados, tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento: “Nos EUA, bem como em qualquer lugar, cometer injustiças em relação às mudanças do clima equivale a dizer que as populações mais vulneráveis da sociedade serão as mais afetadas pelos impactos climáticos. Dadas as brechas existentes em desigualdade de gêneros e desenvolvimento, a mudança do clima, em última instância, acaba se tornando um peso maior para as mulheres.”

 

Os efeitos das mudanças do clima certamente não são neutros em termos de gênero. A decisão de Trump não é do interesse das milhões de pessoas que estão demandando ação urgente e já estão trabalhando para reduzir suas emissões. Jennifer Morgan explica que, em termos globais, e especialmente no hemisfério sul, as mulheres estão nas linhas de frente da mudança do clima, com a insegurança alimentar aumentando à medida que aumentam as temperaturas, com padrões climáticos tornando-se cada vez mais imprevisíveis e com desastres ligados ao clima crescendo com mais frequência. Em particular, as mulheres da área rural, frequentemente responsáveis pela nutrição adequada de suas famílias, estão no centro desse problema. E, mesmo assim, não têm voz, suas opções são limitadas. As mulheres são proprietárias de menos de 20% das terras do mundo e elas têm acesso limitado a recursos tais como crédito e tecnologias adequadas ao clima. Não conseguindo manter suas famílias e comunidades, ou precisando migrar para encontrar comida, segurança e trabalho decente, as mulheres rurais são muito mais vulneráveis e marginalizadas.

 

PESQUISAS MOSTRAM QUE OS DESASTRES NATURAIS – QUE DEVEM SE TORNAR MAIS SEVEROS CONFORME O MUNDO SE AQUECE – TENDEM A MATAR MAIS MULHERES DO QUE HOMENS.

Jennifer Morgan

Também são mulheres e meninas quem coletam água nas famílias que não têm acesso às redes de distribuição. Portanto, quando não há chuva ou as taxas de precipitação caem, elas precisam andar mais e mais para encontrá-la. Cada hora adicional que uma menina gasta coletando água, é uma hora a menos na escola, o que, portanto, afeta a sua educação. Além disso, pesquisas mostram que os desastres naturais – que devem se tornar mais severos conforme o mundo se aquece – tendem a matar mais mulheres do que homens, e que, no futuro, mulheres e crianças formarão a maioria das pessoas que precisarão deixar suas casas em função da mudança do clima”, explica Jennifer Morgan. Uma análise dos 25 países na África Subsaariana revelou que 71% dos coletores de água são mulheres e meninas e que, em apenas um dia, as mulheres em seu conjunto gastam estimadas 16 milhões de horas em busca de água (comparadas a 6 milhões gastas por homens).

 

Três referências a gênero e empoderamento femininos aparecem no texto do Acordo de Paris. Essas incluem a solicitação aos países que “respeitem, promovam e considerem suas respectivas obrigações em relação à igualdade de gêneros, ao empoderamento feminino e à igualdade intergeracional” e que reconheçam que “as ações de adaptação devem seguir uma abordagem voltada aos países, responsiva aos gêneros, participativa e totalmente transparente”. Quando pergunto a Laurence Tubiana se isso é suficiente para proteger as mulheres das mudanças do clima, ela replica: “Bem, por definição um texto é um texto, portanto, em si, ele é incapaz de proteger as mulheres! O que é crucial, por outro lado, é o fato da questão de gênero ter sido de fato mencionada, muito claramente, em vários locais, portanto os governos devem responder a isso. Eles precisam implantar o que está dito ao montarem seus planos de atividade e ação – por exemplo, em suas contribuições nacionais, seus planos de apoio financeiro e atos políticos, de modo geral, que enderecem os impactos climáticos, bem como ao elaborar soluções.”

 

Mas será que os governos serão capazes de se sensibilizar à questão do gênero e lidar com os impactos multifacetados da mudança do clima que diretamente afetam as comunidades vulneráveis? Um primeiro passo crucial, Mary Robinson diz, é fazer as vozes femininas serem ouvidas e suas prioridades atendidas pelas ações climáticas: “Isso envolve garantir a participação das mulheres em fóruns internacionais, especialmente aquelas dos níveis de base, de modo a favorecer a criação de mais políticas e ações ligadas ao gênero”. Ela enfatiza que o desenvolvimento e a implantação de políticas devem levar em conta as experiências de vida daqueles na linha de frente do desafio climático.

 

Jennifer Morgan concorda, parabenizando o Acordo de Paris por reconhecer a questão de gênero, embora insista em que os países devem ir além: “Os quase 200 países que assinaram o Acordo têm a responsabilidade permanente de exercer liderança garantindo que mais mulheres tenham participação igualitária no processo decisório”.

 

Então as mentalidades estão mudando suficientemente rápido? Há mulheres nas mesas de negociação – e além disso – exercendo um papel vital na implantação de soluções locais e auxiliando suas comunidades a melhor responderem e se adaptarem às mudanças do clima?

 

Pergunto a Laurence Tubiana se, em sua posição como diplomata encarregada de negociar o texto, ela sentiu que a questão de gênero era ainda vista como um problema: “As mentalidades estão mudando – se não fosse assim, a questão de gênero não teria nem sido mencionada no texto. Talvez não estejam mudando tão rapidamente no contexto das negociações, bem como em algumas discussões globais, mas já houve uma grande evolução”.

 

NA VILA DE YIRCA, NA TURQUIA, AS MULHERES ESTÃO NA VANGUARDA DA LUTA PARA IMPEDIR A CONSTRUÇÃO DE NOVAS USINAS ELÉTRICAS A CARVÃO.

Jennifer Morgan

Ela explica que, durante as negociações do Acordo de Paris, vários países tinham um número maior de mulheres em suas delegações e deram alta prioridade às suas lideranças. Os países da América Latina e alguns países da África, em particular, insistiram que a questão de gênero fosse levada em conta: “Muitas mulheres com responsabilidades de alto-nível viabilizaram o Acordo. Posso dizer que a questão de gênero seja corrente nas discussões climáticas? Sim e não. Não é corrente no sentido de que todos os governos estejam dispostos a ter o mesmo tratamento e dar o mesmo valor às contribuições das mulheres, mas o espaço para a questão de gênero está agora amplamente reconhecido e não pode ser rejeitado”. Significativamente, Tubiana me lembra que as duas pessoas eleitas para liderar as negociações de Paris eram mulheres – esse fato em si já é um bom sinal.

 

Laurence Tubiana ainda exalta a COP21 (a Conferência de Mudança do Clima das Nações Unidas, em dezembro de 2015, na qual o Acordo de Paris foi desenhado) por ter fomentado novas visões sobre justiça climática e o envolvimento da sociedade civil na definição de novos planos climáticos. Debates importantes ocorreram sobre gênero, saúde e direitos indígenas, permitindo que as mulheres se levantassem, fizessem propostas e fossem reconhecidas por suas contribuições: “Essa é a lógica de Paris, e você já vê muitas mulheres envolvidas com a justiça climática. Isso, em si, também é importante notar”.

 

Jennifer Morgan diz sentir-se inspirada por mulheres do mundo inteiro que têm se unido para apoiar suas comunidades e melhorar sua resiliência à mudança do clima. “As mulheres agora estão na linha de frente de muitas de nossas campanhas. No início do ano, nós auxiliamos uma cooperativa de mulheres extremamente esforçadas no sul do Líbano a migrarem para a energia solar. Elas se libertaram da dependência da energia custosa, suja, e de suas crônicas quedas de eletricidade provenientes de seu antigo gerador a diesel. Seus novos painéis solares, instalados em 8 de março, no Dia Internacional da Mulher, tornou-lhes possível aumentar a produtividade de seus negócios, expandindo-os, e a estabelecer novos mercados para a produção de alimento. Na vila de Yirca, na Turquia, mulheres estão à frente da luta apoiada pelo Greenpeace para impedir a construção de novas usinas de energia a carvão. Todos esses projetos locais se uniram e reforçaram a campanha global #Liberte-se dos Combustíveis Fósseis”.

 

Mary Robinson insiste, entretanto, que as mulheres não devem ser vistas como vítimas da mudança do clima: “Elas estão construindo progressivamente sua resiliência e se adaptando aos impactos da mudança do clima, empoderando-se como agentes de mudança”. Ela acredita que a decisão de Trump de se retirar do Acordo de Paris é míope. Apesar de certamente tornar mais difícil o atingimento das metas do Acordo, a saída motivou uma larga fatia de acionistas a se engajar nas ações climáticas de modo mais urgente do que antes. Jennifer Morgan concorda totalmente com este ponto de vista, dizendo que, pelo fato da administração Trump estar determinada a se manter à margem, as pessoas precisam se manter firmes e trabalhar diligentemente para resistir às suas investidas e construir coalizões fortes para avançar: “As mulheres são claramente a maior parte desse movimento, tanto em nível local quanto em liderança nos mais altos níveis do governo. Precisamos estar mais determinadas do que nunca”.

 

Essas lideranças femininas estão praticando o que pregam, como Jennifer Morgan deixou bem claro: “No ano passado, Bunny McDiarmi e eu assumimos o papel de liderar, juntas, o Greenpeace Internacional. Esse modelo único de liderança compartilhada foi inspirado em nossa crença na capacidade das mulheres de colaborar, compartilhar e liderar. Temos esperança que por meio dessa liderança possamos ser capazes de empoderar mulheres jovens a sonhar com seu futuro – que elas são capazes de qualquer coisa e de encarar qualquer desafio”.

Sarah Hurtes é mestre em Desenvolvimento, Gênero e Globalização pela London School of Economics e atualmente trabalha na European Climate Fundation