“SE CORTARMOS A FLORESTA ESTAREMOS ENCRENCADOS”
(JERSON KELMAN, PRESIDENTE DA SABESP)
Jerson Kelman, presidente da Sabesp (empresa estatal de água e saneamento de São Paulo), deu uma longa entrevista para o The Guardian na qual disse que “não devemos transformar a Amazônia num pasto. A Amazônia cria um movimento de água. Se fosse possível acompanhar as moléculas de água, veríamos que a maioria das nuvens sobre São Paulo passaram pela Amazônia. Se a floresta for cortada, nós estaremos encrencados”. A partir desse ponto, o artigo traz uma longa e esclarecedora narrativa da crise hídrica de 2014-15 pela qual passou São Paulo e muitas cidades que bebem das mesmas fontes. Uma das revelações repetidas várias vezes é que a crise foi muito mais séria do que o governador–em–campanha Alckmin assumiu e que até o Exército foi chamado a se preparar para possíveis manifestações da população por falta de água. Quase no final, Kelman fala das lições aprendidas: boa engenharia para garantir o suprimento, habilidade para construir uma política de preços que permita gerenciar a demanda, transparência para ter o consumidor como parceiro na redução de consumo e deixar de confiar nas séries históricas de hidrologia porque a mudança do clima está criando as novas histórias de chuva e seca.
Kelman não menciona as perdas de água no sistema Sabesp que, na época da crise, eram estimadas em 30%, quase um terço da água captada nos vários sistemas simplesmente não chegavam – e continuam não chegando aos consumidores.
Para o leitor mais curioso, o segundo link abaixo leva a um artigo escrito por Kelman, em 2004, sobre a possibilidade de o Brasil captar e vender água do Rio Amazonas.
https://www.theguardian.com/cities/2017/nov/28/sao-paulo-water-amazon-deforestation
http://www.kelman.com.br/pdf/hidropirataria_amazonia2.pdf
ENERGIA RENOVÁVEL ENTRA NO MINHA CASA, MINHA VIDA
O Ministério das Cidades soltou uma portaria voltada para o programa Minha Casa, Minha Vida, balizando como incorporar a geração de fontes renováveis em novos projetos de conjuntos habitacionais. Até agora, apenas sistemas de aquecimento solar estavam no escopo do programa. Embora a portaria liste outras renováveis como sendo de interesse, só a solar fotovoltaica teve suas especificações normatizadas.
O texto talvez pudesse ser melhorado. Por exemplo, logo na primeira frase ele define que a portaria “Dispõe sobre as condições gerais para provisão de sistemas alternativos de geração de energia…”. Em geral, aquecedores solares não são chamados de “sistemas de geração”. Outro ponto que talvez pudesse ter recebido mais atenção é quem será responsável pelos registros dos sistemas junto às concessionárias, se o novo proprietário ou se a construtora. Pela escala, certamente haverá ganhos, tanto para a concessionária quanto para os consumidores pela concentração que representam.
https://www.ambienteenergia.com.br/wp-content/uploads/2017/11/Portaria-643_2017_Fotovoltaica.pdf
NOVA ESTRUTURA DO SETOR ELÉTRICO SEPARA A ELETRICIDADE DO SISTEMA QUE A TRANSMITE
A entrada das fotovoltaicas nos tetos de casas e lojas, a chamada ‘geração distribuída’, provocou uma das muitas alterações que o governo quer incluir na reestruturação do sistema elétrico brasileiro. Houve uma consulta pública com boa participação de gente do governo, do setor e de organizações da sociedade civil, e ainda estão acontecendo seminários e reuniões para analisar possíveis aprimoramentos no texto a ser apresentado ao Congresso.
Hoje, a conta de luz é calculada com base na energia consumida. De fato, alguém está gerando a energia e precisa ser remunerado por isso. No texto da reestruturação, essa parte da conta passa a ser chamada de ‘energia’, por motivos óbvios. Mas essa energia teve que passar pelo sistema de transmissão e pelo sistema elétrico da concessionária. Os investimentos e custos de operação das subestações e fios não dependem de quanta energia passa. Eles são dimensionados para aguentar o pico máximo de energia do sistema. A remuneração da concessionária deveria ser, portanto, calculada com base nos investimentos e custos de operação das subestações e fios. No texto da reestruturação, essa parte da conta passa a ser chamada de ‘lastro’.
Para o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Luiz Augusto Barroso, o ponto mais importante da proposta é essa separação entre o mundo físico (a energia produzida e consumida) e o financeiro (capacidade de garantir a entrega da energia). Na prática, essa mudança vai facilitar a abertura do mercado, explicou Barroso. “Uma vez que eu garanto que o físico do sistema está resolvido, o resto é uma questão de preço”. Mas por trás dessas duas palavras é que estão acontecendo acaloradas discussões.
O diabo, mais uma vez, está nos detalhes. Talvez fosse interessante abrir espaço para mais discussões em torno da transição do sistema atual para o modelo futuro e, se possível, deixar abertas algumas saídas de emergência.
OUVIDOR DA FUNAI CHAMA AS ONGS DE CANALHAS ENQUANTO A RÚSSIA AS CHAMA DE AGENTES ESTRANGEIROS
Rubens Valente, na Folha de São Paulo, conta que, em setembro, numa reunião entre diretores e servidores da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, que acabava de assumir a ouvidoria do órgão, disse que as ONGs são “canalhas”, que os servidores têm “comprometimento ideológico” e que a Funai faz “mal” para o índio. Ele também formalizou um pedido à Polícia Federal para adotar “providências persecutórias” contra índios e ONGs no Mato Grosso do Sul que “arregimentam mulheres, crianças e idosos”. A Folha procurou a assessoria de imprensa do órgão, o delegado Silva e o presidente da Funai, general Franklimberg de Freitas, mas não obteve resposta.
Marcelo é delegado da Polícia Federal e assessorou a bancada ruralista durante a CPI da Funai.
Pode parecer coincidência, mas, na semana passada, a Human Rights Watch descobriu que o governo russo tinha classificado 29 ONGs como “agentes estrangeiros” e estas podem vir a ser processadas pela lei russa. O foco caiu sobre as que trabalham para defender florestas, promover educação ambiental e dar voz às vítimas de radiação. A lei se aplica a qualquer organização que receba algum fundo do exterior e se envolva em “atividades políticas”. As classificadas como “agentes estrangeiros” são obrigadas a reportar suas atividades periodicamente. E suas atividades podem levar seus membros à prisão.
http://www.climatechangenews.com/2017/11/21/russia-brands-environmental-ngos-foreign-agents/
A INTERNET DAS VACAS E O CLIMA
Durante o Summit do Agronegócio que aconteceu anteontem em São Paulo, houve um painel dedicado às inovações tecnológicas, principalmente vindas da combinação de aplicativos de georreferenciamento conectados com bancos de dados e sistemas meteorológicos e até os operados por sistemas de inteligência artificial. Uma novidade interessante nessa área é a “internet das vacas”, uma criação de uma empresa nacional, especificada para ser um sistema global com dados online de todas as vacas do planeta. Mesmo que as vacas tenham que ir entrando aos poucos, a ideia é melhorar a qualidade do rebanho e, principalmente, a produtividade. O sistema foi lançado há 18 meses, já tem 30.000 clientes e o rebanho digital na nuvem vem crescendo 6% a cada mês.
A relação disso com o clima é que o rebanho bovino brasileiro, sozinho, é responsável por 15% das emissões nacionais, contando com o desmatamento. Aumentos de produtividade e melhoria no uso do solo têm o potencial de reduzir essas emissões. A “internet das vacas” pode se tornar arma para manter a temperatura do planeta sob controle. Quando cobrir os três maiores rebanhos mundiais – Índia, Brasil e China – será a “internet de 2/3 das vacas”.
O nome, “internet das vacas” faz alusão à transformação que a “internet das coisas” está trazendo à indústria e aos consumidores, como a geladeira que dá uma esfriada na cerveja ou vinho quando receber o aviso automático do seu celular de que você está indo para casa.
O MAIOR PARQUE FOTOVOLTAICO DA AMÉRICA LATINA FICA NO PIAUÍ
Acaba de entrar em operação o maior parque fotovoltaico da América do Latina. Ele tem a capacidade de gerar 290 MW no pico e seus quase um milhão de painéis estão espalhados em 690 hectares, quase 700 campos de futebol. O parque fica no Piauí, a 380 km de Teresina. A dona, a italiana Enel, investiu US$ 300 milhões.
https://cleantechnica.com/2017/08/17/piaui-installs-largest-solar-pv-power-plant-latin-america/
O ANDAMENTO DO CENSO AGROPECUÁRIO DO IBGE
O Censo Agropecuário começou em outubro e é o primeiro desde 2006. Das 5.252.354 propriedades, já foram visitadas mais de dois milhões de propriedades (38%). O IBGE vai contratar mais gente para terminar a coleta de dados até o final de fevereiro.
IRMÃOS KOCH, BARÕES DOS FÓSSEIS, COMPRAM A REVISTA TIME
Os irmãos petroleiros Koch estão entre as principais fontes de recursos para os que negam a mudança do clima. Criaram think-tanks, pagam para inúmeros cientistas e outros formadores de opinião dizer que o clima sempre mudou. Sem muito espanto, deram ajuda substancial para a campanha de Trump no ano passado.
Nesse final de semana, estiveram por trás da aquisição da revista americana Time. A Time já foi mais influente e importante, mas ainda mantém certa aura de respeitabilidade. A Time vem sendo, ao longo dos anos, importante veículo para a disseminação de que a mudança do clima é real, está acontecendo e é causada pela humanidade. Perder a Time para os Koch é mais que perder uma voz, é abrir mais um palanque para os vendedores de fósseis.
https://www.theguardian.com/us-news/2017/nov/27/koch-brothers-time-magazine-media-power
SUSTENTABILIDADE DAS CORPORAÇÕES: UM PASSO PARA A FRENTE, DOIS PARA TRÁS
Bilionários, banqueiros e executivos de grandes corporações têm anunciado, por anos, uma nova era de capitalismo sustentável, na qual os avanços nas energias renováveis e uma nova geração de magnatas socialmente conscientes mudariam radicalmente um sistema econômico viciado em combustíveis fósseis. Mas um estudo publicado neste mês na revista Academy of Management Journal, mostra que várias grandes empresas que anunciaram metas ambiciosas de sustentabilidade recuaram quando os lucros diminuíram ou quando mudaram altos executivos.
A pesquisa acompanhou cinco importantes empresas australianas de diferentes setores ao longo de 10 anos, examinando relatórios empresariais, comunicados de mídia e declarações de políticas e, também, realizando mais de 70 entrevistas com gerentes seniores. Entre 2005 e 2015, as empresas dos setores de energia, manufatura, finanças, seguros e meios de comunicação, com entre 1.500 e 36.000 funcionários, adotaram políticas climáticas progressivas com muita fanfarra, apenas para reduzir silenciosamente os esforços nos anos seguintes.
As revelações da pesquisa destacam as limitações das forças de mercado para o combate às mudanças climáticas. E indicam que as mudanças sistêmicas necessárias para evitarmos os piores efeitos do aquecimento global exigem grandes investimentos e grande regulação governamental.
http://amj.aom.org/content/60/5/1633.short
O LIVRO VERDE DO CAMARADA XI JINPING
Dimitri de Boer, da ClientEarth China, faz para o Dialogo Chino uma análise semântico-política do relatório “O pensamento de Xi Jinping”, apresentado pelo presidente Xi no 19o Congresso do Partido Comunista em outubro.
Boer diz que o texto é uma excelente notícia para o meio ambiente: “dados os muitos problemas ambientais urgentes no mundo e a atual situação política nos EUA, é encorajador que o maior país em desenvolvimento do mundo tenha uma política ambiental clara. Se as políticas forem implantadas, poderíamos ver grandes melhorias na próxima década, e esses esforços poderiam dar um impulso muito necessário à ambição ambiental em todo o mundo”.
Segundo Boer, a China entende que deve desempenhar o seu papel na garantia de segurança ecológica global, o que é muito importante, dado os investimentos maciços que o país está fazendo em outros países e seu peso nos acordos internacionais sobre mudanças climáticas, biodiversidade, oceanos, etc. Ele conclui que uma abordagem rigorosa da proteção ambiental está agora consagrada na Constituição do Partido.
Ao mesmo tempo, Boer relativiza suas conclusões lembrando que “devemos ter expectativas realistas – mesmo que sejam uma prioridade, essas reformas ecológicas são desafiadoras e levará tempo para serem totalmente implantadas”.
https://www.chinadialogue.net/article/show/single/en/10235-Opinion-What-does-Xi-s-Thought-mean-for-the-environment-?mc_cid=ba2007c6dd&mc_eid=2380f68452
BATERIAS DA TESLA PROMETEM SALTO TECNOLÓGICO INESPERADO
Na semana passada, Elon Musk, o visionário dono da Tesla, apresentou um caminhão pesado movido à bateria. Muito se comentou sobre o lançamento e um dos pontos que mais chamou a atenção foi o anúncio de que o sistema de baterias daria ao caminhão uma autonomia de 800 km. E mais, que com um novo supercarregador, alcançaria mais 640 km depois de uma carga de meia-hora. O novo supercarregador vai ser dez vezes maior do que o mais rápido no mercado atual – o da própria Tesla – para carregar as baterias de seus carros em casa.
Um dos que estão duvidando é John Feddersen, presidente-executivo da Aurora Energy Research e professor da Universidade de Oxford. Fazendo as contas, ele estima que um sistema para recarregar uma bateria nessa meia-hora teria que ter capacidade de 1,6 MW. Que é da ordem de grandeza de 3.000 casas inglesas.
Até hoje, nenhum dos delirantes sonhos de Musk deu errado. Vários estão estourando prazos e orçamentos, mas estão saindo. A ver se ele puxa mais um coelho elétrico da cartola.
VULCÃO AMEAÇA EXPLODIR ESPETACULARMENTE EM BALI E PODE MITIGAR TEMPORARIAMENTE O AQUECIMENTO GLOBAL
Na Indonésia, o vulcão Mount Agung vem há meses brincando de explodo-não-explodo, provocando muitos terremotos e emitindo cinzas ocasionalmente. A coisa ficou feia no último fim de semana, quando uma grande nuvem de cinzas se elevou a 10 mil metros e a lava abriu caminho para a superfície. Cientistas tentam prever se esta erupção é precursora de algo no nível da erupção de 1963, que matou mil pessoas. Por via das dúvidas, o Centro Indonésio de Vulcanologia e Mitigação de Riscos Geológicos elevou o nível de alerta para o vermelho, o mais alto, e evacuou mais de 75 mil pessoas que vivem à sombra do vulcão.
Se a situação evoluir para uma grande erupção, os efeitos sobre o clima podem ser importantes. Além dos efeitos locais, pequenas partículas de dióxido de enxofre (SO2) podem permanecer na estratosfera, lá refletindo a luz solar de volta ao espaço e esfriando o clima por alguns anos, antes de caírem de volta à Terra.
O climatologista Zeke Hausfather, da Universidade da Califórnia em Berkeley, analisou o que significaria uma erupção similar à de 1963 para a temperatura média global. Ele concluiu que o planeta provavelmente arrefeceria entre 0,1 a 0,2oC, com o período máximo de “frescor” acontecendo em 2019. Claro, que o “frescor” é relativo. Para Hausfather, 2019 seria o mais fresco dos anos pós-erupção do Agung, mas ainda seria um dos cinco anos mais quentes já registrados. Isso porque o SO2 da possível erupção teria sua influência superada pelo aquecimento provocado pelo CO2 que os seres humanos vêm adicionando à atmosfera.
É como colocar um cubo de gelo em uma panela de água fervente sobre o fogão.
https://earther.com/what-bali-s-volcanic-eruptions-could-mean-for-the-clima-1820771002