Mulheres são sobrecarregadas pela mudança do clima

Mulher carrega lata d'água na cabeça no Nordeste brasileiro
Mulheres: a luta pela estabilização do clima será incompleta sem uma perspectiva baseada em gênero*

 

Pense nas partículas lançadas ao ar pelos escapamentos dos veículos nas cidades e pelas queimadas no campo. Uma vez inaladas, estas partículas parecem se estabelecer nas vias aéreas e nos pulmões das mulheres em taxas mais altas que nos dos homens, o que pode levar a um maior risco de doenças cardiovasculares, pulmonares e respiratórias entre estas, segundo mostra uma pesquisa liderada pela Dra. Cecilia Sorensen da Universidade do Colorado. Agora, acrescente a este fator fisiológico os desafios culturais e socioeconômicos que as mulheres enfrentam em todo o mundo, e você se dará conta, como diz a Dra. Sorensen, que as mudanças climáticas devem ampliar as disparidades de saúde entre os gêneros.

 

Em entrevista dada ao Medium, a Dra. Cecilia Sorensen citou diferentes tipos de vulnerabilidade que tornam a mudança climática uma ameaça única para as mulheres.

 

Além das vulnerabilidades biológicas e fisiológicas, ela menciona as vulnerabilidades culturais e sociais que variam entre regiões. Durante o enorme ciclone Nargis, que atingiu Mianmar em 2008, a maioria dos mortos foram mulheres. Por que isto aconteceu? Basicamente por um fator cultural: por lá, as mulheres cuidam das crianças em casa e não devem andar sozinhas na rua. Por isso ficaram esperando seus parentes masculinos retornarem à casa antes de fugir. Elas também, em grande parte, não sabiam nadar. Depois do desastre, o que se viu foi uma população feminina desnutrida, tanto no ponto de vista dos macro quanto dos micronutrientes. Elas são desproporcionalmente afetadas pela insegurança alimentar após os desastres.

 

Quase um milhão de pessoas ficaram desabrigadas depois da passagem do ciclone Nargis por Mianmar, em maio de 2008

 

Para cada ameaça, as mulheres têm vulnerabilidades únicas. Nas migrações forçadas, por exemplo, elas correm mais riscos do que eles de serem objeto do tráfico de seres humanos. Em geral, as mulheres correm enormes riscos nestas situações, tanto quanto à sua segurança pessoal como pela perda de acesso aos cuidados de saúde. A Dra. Sorensen conta sua experiência na fronteira da Síria em julho trabalhando em um campo de refugiados onde 60% das pessoas eram mulheres: “Chegamos lá com um monte de pediatras, clínicos gerais e enfermeiros. Achávamos que sabíamos o que estávamos fazendo, mas não tínhamos obstetras e ginecologistas suficientes para atender às mulheres que, nitidamente, precisavam de cuidados específicos de saúde da mulher.”

 

 

Mulheres esperam por comida no campo de refugiados sírios Kawergosk, no Iraque.

 

Também quando estão grávidas ou amamentando, as mulheres precisam de nutrientes diferentes. Se houver escassez de alimentos em uma região, por exemplo devido a mudanças nos padrões climáticos que afetam as colheitas, a saúde da mulher será sacrificada porque elas não terão nutrição suficiente, seja para elas mesmas seja para seus bebês. Daí que as soluções baseadas na comunidade são imperativas, porque não há uma resposta única para todos os casos.

 

Um exemplo de solução centrada nas mulheres é a construção de comunidade entre as mulheres. Hoje, entre 60% e 70% das pessoas que praticam agricultura de subsistência no mundo são mulheres e existem muitos esforços de educação em torno da agricultura sustentável que buscam, por exemplo, construir grupos comunitários de mulheres para que estas ensinem umas às outras técnicas de cultivo de culturas agrícolas resistentes à seca, e o cultivo de um conjunto de vegetais e frutas diversificado para que, se uma safra fracassar, a fome não seja completa.

 

 

As quebradeiras de coco do Norte-Nordeste brasileiro são mais de 300 mil mulheres que se organizam para melhorar a vida de suas comunidades.

 

A construção de comunidades entre as mulheres é uma maneira realmente poderosa de compartilhamento do conhecimento. Se incorporarmos metas específicas de gênero no desenvolvimento de outros setores, começaremos a ter mais cooperação e mais ganhos. A capacitação das mulheres para serem ótimas agricultoras pode melhorar a qualidade do ar, ajudar a resolver outros problemas, além de melhorar a saúde das mulheres por meio de maior prosperidade econômica.

 

Mas existe uma falta de compreensão da interação da mudança climática e das questões de gênero nas comunidades médicas e de pesquisa. A Dra. Sorensen atribui isto à compartimentação do conhecimento. As pessoas que estudam gênero e os direitos das mulheres não dialogam com os estudiosos da mudança climática, e estes não dialogam com os estudiosos da pobreza (e vice-versa), “não há muita interação ou conversa cruzada”. Ela percebe algum foco nas maneiras de eliminar a pobreza melhorando a saúde física e econômica das mulheres, mas nada que incorpore as questões climáticas. “No mundo da medicina, não há muita gente falando sobre mudança do clima. Os médicos estão tão sobrecarregados com tudo o mais que é difícil tornar este assunto relevante. Isso é parte do trabalho que faço: tentar torná-lo relevante.”

 

A mudança climática coloca riscos mais sérios para a saúde das mulheres nos países de baixa renda, tanto no contexto de desastres quanto no das mudanças graduais. E nos países mais ricos, como os EUA, isto também é uma realidade? A Dra. Sorensen diz que isto é sim uma realidade para as mulheres dos países mais ricos, especialmente frente ao risco de desastres. Depois do furacão Katrina, por exemplo, houve relatos de agressões sexuais que aconteceram em abrigos de emergência, quando as mulheres não tiveram à disposição abrigos especificamente a elas destinados. É comum a violência sexual após desastres. Também observamos que, após os desastres, as mulheres que perderam empregos e têm baixa condição socioeconômica têm menor probabilidade, comparadas aos homens, de encontrar novos empregos nos locais para onde foram deslocadas. “Estas diferenças de gênero são observadas tanto nos EUA quanto em países mais pobres, mas nos EUA as mulheres têm colchão de proteção maior. Não estamos observando grandes migrações nos EUA devido a secas, enquanto em outras partes do mundo isto sim está acontecendo e as pessoas são mais vulneráveis ​​à flutuações no meio ambiente.” Para a médica, é uma questão de tempo para que se observe o mesmo nos EUA.

 

A Dra. Sarandon pensa que as cidades e os estados são alavancas de mudança da situação. As cidades podem fornecer incentivos para a adaptação dos espaços verdes, trabalhar no zoneamento, no planejamento urbano. Os Estados, também, são unidades de governança de menor escala onde podemos observar movimentos de base. “A adaptação e a resiliência acontece nas comunidades”. Para ela, as indústrias também são ferramentas muito poderosas, quando decidem liderar a mudança, se tornando mais limpas e reduzindo seu impacto ambiental.

 

* A entrevista completa com a Dra. Cecilia Sorensen feita pela escritora especializada em saúde e sexualidade feminina Hayley MacMillen pode ser lida aqui.