ClimaInfo, 17 de dezembro de 2018

ClimaInfo mudanças climáticas

Chile sediará a Conferência do Clima de 2019

O Chile foi confirmado com a sede da próxima COP, a de número 25, no ano que vem. A sede da reunião é escolhida, ao final de cada Conferência, obedecendo a um rodízio entre as regiões. A de 2019 estava já agendada para a América Latina e o Caribe e o Brasil havia se candidatado. Com a desistência anunciada no mês passado, os países da região propuseram o Chile em uma reunião pré-COP na Costa Rica. A Folha, a Veja e o Globo deram destaque ao anúncio. O Reino Unido anunciou sua candidatura para sediar a COP26, em 2020. Nesta reunião, os países devem dizer os avanços feitos para cumprir seus compromissos e há esperanças de que anunciem metas mais ambiciosas do que as feitas em Paris.

 

COP24 aprova o Livro de Regras do Acordo de Paris

Na noite de sábado, o presidente da Conferência do Clima bateu o martelo, anunciando a aprovação do Livro de Regras do Acordo de Paris, que ficou com 156 páginas. O sentimento geral era uma mistura de alívio, por enfim a reunião ter terminado, com uma decepção com a definição de regras mais fracas do que o esperado, e sem a ênfase necessária na urgência e na ambição. Mais uma vez, se aprovou o que foi possível, e o possível pouco ajudará na solução da crise climática. Basta ver que a personagem mais importante da COP foi a jovem sueca, Greta Thunberg. Na sexta, ela e um grupo de jovens de Katowice, cidade polonesa sede da COP24, mandaram um recado para os governos: “Não há mais tempo e nem desculpas. Viemos aqui lhes informar que se anuncia a mudança, quer isso lhes agrade ou não (…) O verdadeiro poder pertence aos povos”.

No último dia, os negociadores brasileiros conseguiram a proeza de se transformar nos vilões da vez por terem empacado em um ponto relativamente menos importantes do Livro (ver a próxima nota). Toda a grande mídia noticiou o final da COP nas edições de ontem, destacando o Brasil negativamente. Ver, por exemplo, Folha, Estadão, O Globo, Público, Le Monde, Guardian, New York Times e Reuters. Ver, também, a visão oficial da ONU. O Carbon Brief faz um apanhado dos principais detalhes aprovados na Polônia.

Em tempo: Nota do Observatório do Clima diz que os “papelões em série” do governo eleito fizeram “a imagem do Brasil junto a parceiros climáticos e comerciais [sair] mais suja que a fumaça das termelétricas a carvão de Katowice.”

 

Brasil atrapalha um acordo sobre mercados de carbono

Um dos pontos mais vagos no Acordo de Paris diz respeito à criação de um mercado de carbono global. Isto ocorreu pela falta de entendimento, principalmente, entre a Europa e os grandes países em desenvolvimento. Esperava-se que o Livro de Regras da COP24 contivesse um consenso neste ponto. Pelo jeito, isto não aconteceu. Segundo relata o Carbon Pulse, o ponto de colisão é conhecido no jargão por “dupla contagem”, o que, em princípio, deveria ter uma solução técnica simples. Um país promete reduzir 1 tonelada de carbono. Ele faz um grande esforço e reduz 2 toneladas e vende, para o vizinho, 1 tonelada na forma de um crédito de carbono. Isso significa que o vizinho tem o direito de abater esta 1 tonelada de carbono do seu inventário, afinal, foi para isso que ele comprou o crédito. E o país que vendeu deve reportar que reduziu 2, vendeu 1 e ficou com o saldo de 1 tonelada, cumprindo sua meta. Desta maneira, não há dupla contagem. Para as emissões futuras, o Brasil, pelo jeito, concorda. O problema é a transição do velho arcabouço do Protocolo de Quioto para o novo sistema. O Brasil quer que as milhões de toneladas de carbono “brasileiras” registrados no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo da ONU continuem a valer. Mas, sem que o país tenha que subtrair os créditos vendidos do seu inventário até que o novo sistema esteja em funcionamento. Assim, enquanto isso não acontecer, a contagem é dupla porque o país que comprou desconta a mesma tonelada que o Brasil registrou no seu inventário. Como não houve acordo, o Livro de Regras continua vago e o assunto segue em debate. O Valor explicou a situação.

 

Alguns comentários sobre o clima e a COP24

Reinaldo Canto escreveu na Envolverde contando dos “dissabores para os que trabalham pelo sério e responsável enfrentamento das mudanças climáticas”, começando por Trump e Bolsonaro. Aliás, os EUA continuam a patrocinar o “carvão limpo” em conferências climáticas. Canto compara com fabricantes de cigarro promovendo tabaco em congressos de câncer.

Valérie Masson-Delmotte, do laboratório francês do clima e meio ambiente, e Jiang Kejun, do instituto chinês de pesquisa energética, escreveram na Euroactiv sobre suas frustrações de cientistas com a falta de progresso na luta contra o aquecimento global. Eles praticamente gritam que o melhor da ciência já apontou o que precisa ser feito e que a responsabilidade está no colo inapetente dos políticos.

Alfredo Sirkis, coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, escreveu para o site do Observatório do Clima sobre duas manifestações na França, uma dos “coletes amarelos”, que virou pancadaria, e outra da marcha pelo clima, que ocorreu no mesmo dia em área diferente de Paris. Ambas com gente das extremas direita e esquerda, o que resultou numa verdadeira cacofonia de palavras de ordem.

Fiona Harvey e Ben Doherty, do The Guardian, conversaram com o chefe da delegação chinesa em Katowice, Xie Zhenhua. “Os países em desenvolvimento não estão confortáveis nem felizes. [Precisamos] ver se os países desenvolvidos honraram seus compromissos. Alguns países ainda não começaram seus esforços de mitigação nem proveram ajuda financeira [a países pobres]. Exortamos firmemente que paguem suas dívidas”.

Alden Meyer, diretor da Union of Concerned Scientists (UCS), elogiou a aprovação do Livro de Regras em Katowice. Meyer chama à atenção uma próxima reunião já convocada pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres, na qual os países devem indicar como pretendem aumentar a ambição de suas metas climáticas no processo de revisão das NDCs que acontece em 2020. Rachel Cleetus, economista da UCS, disse que “o resultado meramente adequado em Katowice significa que há muito trabalho pela frente para garantir que os países cumpram com sua responsabilidade de colocar na mesa, ações mais ambiciosas em 2020. Toda fração de grau centígrado importa. Crianças de todo o mundo, incluindo aqueles que nos inspiraram com suas greves climáticas nesta semana, responsabilizarão cada país por fazer sua lição de casa e estar preparado para ‘gabaritar’ a prova de uma ação climática robusta.”

Jennifer Tollmann, pesquisadora alemã que esteve em Katowice, foi a primeira que notou que o símbolo da COP24 era quase igual ao logo de da Weglokoks, uma das maiores empresas polonesas de exportação de carvão. Ela tuitou as duas figuras lado a lado no último dia 10, perguntando onde a presidência da COP teria se inspirado.

 

A ‘Coalizão de Alta Ambição’ e o novo grupo ‘Acelere Agora’ anunciam mais ação climática

Os países da União Europeia se juntaram com 27 outros e lançaram a nova versão da Coalizão de Alta Ambição (HAC, em inglês) com a promessa de aumentar a meta de redução de emissões até 2020, o que veio em resposta à lentidão e à falta de compromisso demonstrada em Katowice.

Da Europa também vem um novo grupo chamado Acelere Agora (tradução grosseira de Step Up Now). O grupo é formado, inicialmente, por 22 empresas, 15 investidores, 6 cidades e 2 regiões. O grupo compartilhou uma visão para a criação de novas economia e sociedade para, rapidamente, construir a Europa com emissões líquidas zero até, no mais tardar, 2050. José Manuel Domecq, CEO da Acciona espanhola, disse que “o segundo melhor momento para tomar ações contra a mudança do clima é agora; o melhor momento já passou. É hora de promover a redução de emissões, um preço efetivo de carbono, parcerias-chave e o gerenciamento dos riscos climáticos.”

 

Secretários de meio ambiente e cientistas pedem ao futuro governo que mantenha o Brasil no Acordo de Paris

Duas cartas foram publicadas na semana passada pedindo ao futuro governo que não retire o país do Acordo de Paris. Numa delas, representantes de órgãos ambientais e secretarias estaduais de meio ambiente argumentam que o Acordo de Paris não ameaça a soberania de nenhum país. Eles expressaram o desejo de “manter as portas abertas para o fluxo global de produtos brasileiros neste momento crítico em que nossa economia precisa crescer em volume e competitividade.” O documento lista uma série de vantagens e oportunidades da permanência no Acordo. O relato é de Ana Carolina Amaral, na Folha.

A outra carta é de um grupo de cientistas brasileiros de renome e foi endereçada ao futuro ministro da ciência, o tenente-coronel Marcos Pontes. Também eles apontam que permanecer no Acordo traz “um benefício para a economia do país, pois levará à melhoria tanto da produtividade quanto da competitividade dos produtos agropecuários brasileiros”. Lembrando o Relatório 1,5oC do IPCC, eles escrevem que “manter o aumento da temperatura global dentro do limite de 1,5oC requer a manutenção de florestas existentes e a restauração florestal de áreas agrícolas de baixa aptidão e produtividade” e que, portanto, “a manutenção das florestas brasileiras e a restauração [de] áreas degradadas, que não são hoje econômica e ambientalmente viáveis para a produção agrícola brasileira, contribuirão decisivamente para conservar água, reduzir a erosão e perda de solos férteis, mitigar os extremos climáticos e aumentar o número e a diversidade de polinizadores, que são claros benefícios para o meio ambiente.”

 

Agro controla o meio ambiente, teme a política externa e não muda de nome

Na semana passada, saíram vários artigos sobre a pasta da agricultura, sua relação com a do meio ambiente e a preocupação com a ameaça de perda de mercados externos. Giovana Girardi, no Estadão, escreveu sobre as mudanças na equipe de transição com a saída de pessoas mais alinhadas com o grupo militar e com o comando passando para o grupo ruralista. Cristiano Zaia, no Valor, conta que o atual ministro da pasta e uber-sojeiro, Blairo Maggi, recomendou à sua sucessora que não deixasse que o novo governo crie fatos que possam prejudicar as exportações brasileiras de commodities agropecuárias, dando, como exemplo, a mudança da embaixada brasileira em Israel e as referências a uma dominação chinesa. Maggi não precisou explicar que não seria bom para a lojinha um alinhamento total e automático com o maior produtor mundial de soja, carne, milho e etanol. Zaia também contou que Bolsonaro mandou “desmudar” a mudança do nome do ministério anunciada por Tereza Cristina que continuará sendo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Para Mauro Zafalon, da Folha, André Nassar, da associação dos produtores de óleos vegetais, manifestou sua preocupação com a exigência cada vez maior com a sustentabilidade e a transparência da produção nacional. Lá fora, a soja é frequentemente associada ao desmatamento da Amazônia e, mais recentemente, ao do Cerrado. Segundo Nassar, “o europeu vai além e quer desmatamento zero. Já o chinês quer rastreabilidade do produto”. Ele também falou sobre as conversas com os europeus sobre a preservação do Cerrado. Existe cerca de 1,5 milhão de hectares com vegetação nativa que poderia, pelo Código Florestal, ser incorporado à produção. “É um excedente da área legal”, diz. “A cadeia está negociando com os consumidores um fundo de compensação pela manutenção dessas áreas sem plantio.” A expectativa é gerar mais de US$ 60 milhões por ano com a preservação dessa área.

 

O enfraquecimento dos controles ambientais e das populações tradicionais

Gilson Maria Tampone, presidente de associações de agricultores e líder de assentamentos, foi assassinado por pistoleiros neste final de semana. A violência vem aumentando desde que Bolsonaro entrou na reta final das eleições. A crescente sensação de impunidade está pondo em risco a vida de muita gente: fiscais do Ibama, ICMBio e Funai, além de líderes e defensores de movimentos de sem-terra, índios, quilombolas. O futuro presidente e sua entourage jogam mais gasolina na fogueira quando proclamam inverdades sobre “indústrias de multas” e “índio querer ser gente”. O futuro presidente também disse que vai “acabar com caprichos dos fiscais” e com o atraso de obras por causa dos processos de licenciamento. O futuro presidente não tem a menor preocupação em examinar se os projetos “atrasados” estão em conformidade com a legislação ambiental. Como corajosamente disse Suely Araújo, presidente do Ibama, agir assim é fazer a “apologia ao crime e às irregularidades”. Também na semana passada, ex-ministros do meio ambiente saíram em defesa do ICMBio, órgão ameaçado por uma possível fusão com o Ibama. O futuro presidente e a equipe de transição não estão levando em conta que os dois órgãos cuidam de coisas distintas. Enquanto o Ibama responde pelo licenciamento a nível federal, o ICMBio gerencia as unidades de conservação federais. Lembrando que as agências ambientais estaduais são responsáveis por boa parte das licenças, assim como estados e municípios são responsáveis por cerca de ⅓ das áreas protegidas. A eventual superposição de funções são mais facilmente solucionáveis por meio do reforço da separação dos órgãos.

 

A Bloomberg e seu Guia do Pessimista para 2019

A Bloomberg desenhou um cenário catastrófico para o próximo ano que começa com um fictício El Niño devastador que quebra as safras de grão. Grandes produtores, como os EUA e a Rússia, protegem seus mercados internos proibindo a exportação e causando conflitos e fome mundo afora. Vários episódios deste drama aconteceram num passado recente e a matéria juntou casos para ilustrar o que pode vir em 2019. O primeiro caso toma o El Niño de 2010-2011, que provocou uma devastação das lavouras brasileiras, primeiro com chuvas torrenciais, seguidas de 5 anos de pouca chuva. Foi só depois disso que a agricultura brasileira voltou a crescer. Na Rússia, após anos de pouca chuva reduzirem a produção de trigo, Putin proibiu a exportação do grão e aproveitou o conflito com a Ucrânia para reduzir a produção do vizinho. Com isso o preço do pão na Rússia baixou e subiu muito no resto do mundo. O preço interno baixo não agradou aos agricultores russos que pararam de vender, estocando o grão ou passando a cultivar outras lavouras. O gambito de Putin saiu pela culatra. A matéria conta ainda as revoltas do pão do Egito que quase derrubaram o governo de Anwar el Sadat, em 1977, e ajudaram a derrubar Hosni Mubarak, em 2011. A parte final da narrativa do cenário Bloomberg centra-se nos EUA com a guerra comercial com a China e as preparações para a campanha pela reeleição de Trump no ano seguinte, 2020.

 

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