Não é fácil prever o clima do futuro, mesmo com sofisticados modelos matemáticos e supercomputadores à disposição. Com toneladas de dados recolhidos, os cientistas podem prever – em certas situações – a concentração futura de determinados gases na atmosfera. Mas entender como o mundo reagirá ao aumento destas concentrações é bem complicado. Os ventos, as correntes oceânicas e o clima são sistemas incrivelmente dinâmicos que se influenciam mutuamente e, também, são influenciados por muitas forças externas. Por isto, modelar completamente como o clima se comportará em resposta ao aumento dos níveis de carbono na atmosfera pode ser tão complexo quanto prever onde cairá um palito de dentes depois deste ser levado pelos ventos de uma tempestade.
É por conta deste nível de incerteza que os cientistas do clima tendem a relativizar os resultados dos modelos climáticos. Simplesmente não existe uma resposta que tenha um grau de incerteza suficientemente baixo. Talvez seja por esta razão que a discussão sobre a possibilidade da interrupção da Circulação Termohalina, embora incrivelmente aterrorizante, seja muitas vezes evitada. No entanto, com base na observação, na história e em pressupostos seguros, os cientistas têm expressado muita preocupação. Então vamos explorar essa possibilidade.
Para começar, o termo ‘Circulação Termohalina’ é usado para descrever as grandes correntes oceânicas do Planeta Terra. Esta circulação viaja através dos oceanos, promovendo trocas de água entre todos os hemisférios. As correntes desta Circulação são facilitadas pela densidade variável da concentração de sal ao longo dos oceanos e pelos efeitos da temperatura (daí o nome composto por “termo” e “halino”). Perto do equador, a concentração de sal é maior devido à evaporação da água. Quando a região oceânica que contém maior salinidade entra em contato com uma região com menor salinidade, a região de maior densidade é engolida e submersa pela região de menor densidade. Esta submersão cria uma corrente que começa no equador.
Estas correntes têm um tremendo impacto no clima das regiões pelas quais viajam. À medida que a água quente do equador viaja para o norte, o calor transportado aquece o clima geral da Europa e do centro-oeste dos EUA. Esta é a razão pela qual estas regiões têm climas mais temperados que os de regiões de latitude semelhante mas bloqueadas por continentes. Além disso, essas correntes oceânicas são responsáveis pela movimentação de organismos marinhos (e resíduos humanos) através dos hemisférios.
Durante as últimas duas décadas, tem havido uma crescente preocupação por parte da comunidade científica com a observação de uma desaceleração da Circulação Termohalina. À medida que as temperaturas globais ultrapassam a marca de um grau centígrado, as mantas de gelo oceânico do Ártico e da Groenlândia começam a derreter a um ritmo alarmante. Este derretimento do gelo Ártico, que contém cerca de 70% de toda a água doce da Terra, dilui a concentração de sal no oceano.
A diminuição da concentração de sal impede que o gradiente de densidade acima mencionado influencie a corrente. Não surpreendentemente, Bryden et al. notaram que o fluxo líquido da Circulação Termohalina diminuiu em 30% desde os anos 1950. Esta desaceleração pode explicar a diminuição das temperaturas em certos climas. Embora a média da temperatura global aumente, a ausência de correntes quentes em regiões nas quais ocorriam naturalmente resultará em temperaturas mais baixas. Ainda há muita incerteza sobre os efeitos das correntes de arrefecimento. Se as temperaturas caírem ligeiramente, elas podem simplesmente neutralizar os efeitos do aquecimento global na Europa. Isto não quer dizer que o resto do mundo venha a ter tal sorte. Num cenário mais sombrio, uma redução drástica das correntes termohalinas pode fazer com que as temperaturas caiam drasticamente em certas regiões. Se a desaceleração continuar, a Europa e as regiões cujo clima depende de correntes quentes podem esperar uma era glacial.
Um resultado ainda mais preocupante da interrupção da Circulação Termohalina é a possibilidade de desencadeamento de um evento anóxico. Eventos anóxicos têm sido associados à interrupção das correntes oceânicas e do aquecimento global no período pré-histórico da Terra. À medida que os oceanos se tornam mais estagnados, a vida aquática se torna momentaneamente mais ativa. Organismos microbianos dos oceanos, como o plâncton, têm então a oportunidade de se reproduzir em grande escala. É como comparar água parada com a de uma corrente. É menos provável que a água corrente promova o crescimento bacteriano.
À medida que a biomassa do oceano explode, seu conteúdo de oxigênio começa a diminuir. A vida no oceano precisa de oxigênio para sobreviver, mas com muita vida orgânica a obtenção de oxigênio pode se tornar difícil. Regiões com baixo teor de oxigênio podem se transformar em zonas mortas, áreas nas quais grande parte da vida marinha não consegue sobreviver. Kump et al. demonstraram que, durante tais eventos anóxicos no passado, grandes quantidades de gás sulfídrico de hidrogênio foram liberadas dos oceanos. Este gás nocivo muito provavelmente se relaciona com a grande morte da vida marinha orgânica.
Isto explicaria porque as extinções em massa são associadas à interrupções termohalinas. Muitos mamíferos e plantas não podem sobreviver com o gás sulfídrico presente na atmosfera. Os mesmos pesquisadores também demonstraram que a liberação desse gás teria danificado a camada de ozônio. Esta teoria se apoia ainda em registros fósseis que mostram cicatrizes relacionadas à radiação ultravioleta (UV). Grandes quantidades de radiação UV facilitariam ainda mais a extinção de organismos terrestres. A vida humana, como a conhecemos, nestas condições ambientais seria impossível.
Embora a causa direta e as ligações entre muitos desses eventos sejam ambíguas, uma tendência específica é consistente. Em todos os casos em que ocorreram extinções em massa e interrupções termohalinas, o Planeta experimentava temperaturas globais e níveis de carbono recordes. Durante a extinção Permiano-Triássica, os níveis de carbono atmosférico atingiram 1000 ppm. As concentrações atuais estão em 411,75 ppm. A Terra ainda está longe de atingir níveis cataclísmicos de carbono, mas isso não é motivo para apatia.
Deve-se entender que, uma vez interrompida a circulação Termohalina, não há como possamos revertê-la. A Terra, sim, se recuperou de tais eventos no passado, mas recuperações completas muitas vezes levaram um pouco menos de um milhão de anos.
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* Publicado originalmente em inglês no blog Use Journal.