A perda de biodiversidade é tão catastrófica como as mudanças climáticas

A natureza, particularmente a biodiversidade, está sendo erodida a taxas sem precedentes na história da humanidade, mas ainda temos tempo para evitar extinções em massa

 

Robert Watson*

 

Uma colega descreveu recentemente como os peixes nadavam para dentro da sua roupa quando ela era uma criança e tomava banho no oceano da costa do Vietnã, mas hoje os peixes desapareceram e os seus filhos acham a história muito exagerada.

 

Outro recordou as experiências que teve no ano passado na Cidade do Cabo – um dos destinos turísticos e de lazer mais atraentes do mundo – quando mais de 2 milhões de pessoas enfrentaram a perspectiva do pesadelo de verem todas as torneiras, em todas as casas e negócios, secarem.

 

Estes exemplos, em lados opostos do mundo, são duas faces do mesmo problema: a pressão implacável que estamos colocando sobre a biodiversidade e sobre as contribuições da natureza para o nosso bem-estar, e a forma como nós humanos estamos mudando o clima da Terra.

 

A rica variedade da natureza nos proporciona o alimento que comemos, a água que bebemos e o ar que respiramos, e inúmeros momentos de inspiração pessoal passados em florestas e montanhas, explorando praias e rios, ou mesmo ouvindo um simples canto de pássaro em um momento de silêncio.

 

Todos nós assumimos que a natureza sempre estaria presente para nós e nossos filhos. No entanto, o nosso consumo ilimitado, a nossa dependência míope dos combustíveis fósseis e a nossa utilização insustentável da natureza ameaçam seriamente o nosso futuro.

 

Há décadas que ambientalistas, cientistas e povos indígenas fazem soar o alarme. Nossa compreensão da superexploração do planeta tem avançado com clareza sombria e nítida ao longo desse tempo.

 

Entramos numa era de rápida aceleração da extinção de espécies, e estamos enfrentando a perda irreversível de espécies vegetais e animais, habitats e culturas agrícolas vitais, enquanto enfrentamos os terríveis impactos das mudanças climáticas globais.

 

Só em 2018, ocorreram ondas de calor mortais na Europa e no sudeste asiático, enquanto os EUA sofreram inundações e incêndios florestais. As companhias de seguros sucumbiram, incapazes de suportar os custos da reconstrução após eventos climáticos extremos.

 

Há uma onda crescente de raiva e ansiedade coletiva. O espectro de tais danos ambientais tem causado grande preocupação, especialmente entre os jovens, sobre nossa incapacidade de sustentar nossa saúde, produtividade, segurança e bem-estar. Novas realidades afastaram as cortinas e expuseram iniciativas como a proibição de canudos de plástico como a gota no oceano que realmente são quando se trata de proteger o futuro para nós mesmos, nossos filhos, netos e todas as espécies com as quais compartilhamos nosso planeta.

 

Devemos agora ter em conta os animais, os insetos, as plantas e todos os locais onde vivem.

 

Apesar da profunda ameaça de perda de biodiversidade, são as mudanças climáticas que há muito são consideradas a preocupação ambiental mais premente. Isso mudou nesta semana em Paris, quando representantes de 130 nações aprovaram a mais abrangente avaliação da biodiversidade global jamais realizada.

 

O relatório, liderado pela Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), constatou que a natureza está sendo corroída a taxas sem precedentes na história humana.

 

Um milhão de espécies estão atualmente ameaçadas de extinção e estamos minando toda a infraestrutura natural da qual depende nosso mundo moderno.

 

A natureza fortalece os esforços humanos – sustentando a produtividade, a cultura e até mesmo nossas crenças e identidades. Mas a nossa economia, os nossos meios de subsistência, a segurança alimentar, a saúde e a qualidade de vida, em todo o mundo, estão ameaçados. Estamos explorando a natureza mais rapidamente do que ela pode se recuperar.

 

A avaliação do IPBES demonstrou a forte interrelação entre as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e o bem-estar humano. As mudanças climáticas são identificadas como um dos principais motores da perda de biodiversidade, alterando já todas as partes da natureza. Do mesmo modo, a perda de biodiversidade contribui para as mudanças climáticas, por exemplo, quando destruímos florestas, emitimos dióxido de carbono, o principal gás de efeito estufa.

 

Não podemos resolver isoladamente as ameaças da mudança climática induzida pelo homem e da perda de biodiversidade. Ou resolvemos ambas ou não resolveremos nenhuma delas.

 

O relatório do IPBES mostra que os governos e as empresas estão longe de fazer o suficiente. O mundo está a caminho de fracassar no cumprimento das metas do Acordo de Paris, nas metas de biodiversidade de Aichi e em 80% das metas de desenvolvimento sustentável da ONU (segurança alimentar, hídrica e energética), devido à nossa má gestão do mundo natural.

 

No entanto, a boa notícia é que existem muitas políticas e tecnologias que podem limitar o aumento da temperatura global e abordar a conservação e o uso sustentável da biodiversidade. Estas também oferecem nossa última e melhor chance de limitar a mudança climática induzida pelo homem e preservar a maior quantidade possível de biodiversidade. A forma como produzimos e utilizamos energia, e cultivamos, utilizamos os nossos solos, protegemos os ecossistemas costeiros e tratamos as nossas florestas produzirá ou destruirá nosso futuro, mas pode também ajudar-nos a ter uma melhor qualidade de vida.

 

Ainda temos tempo – embora muito limitado – para inverter a situação. Não será fácil. Requer mudanças maciças, desde a remoção de subsídios que levam à destruição da natureza e ao aquecimento da Terra, até a promulgação de leis que incentivem a proteção da natureza; desde a redução do nosso crescente vício da energia dos combustíveis fósseis e consumo de recursos naturais, até repensar a definição do que é uma vida recompensadora.

 

Nosso sistema agrícola atual está com problemas. Se continuarmos a produzir alimentos usando as atuais e insustentáveis práticas agrícolas, minaremos a produção futura de alimentos. Mas já temos alimentos mais do que suficientes para todos. Hoje, 815 milhões de pessoas passam fome em suas camas, 38 milhões a mais do que em 2015. No entanto, se os resíduos alimentares fossem um país, suas emissões ficariam em terceiro lugar no mundo, depois da China e dos EUA, gerando 8% das emissões antrópicas.

 

Precisamos redirecionar os subsídios governamentais para uma agricultura mais sustentável e regenerativa. Isso não só contribuirá para absorver o carbono e reduzir as emissões de outros gases de efeito estufa, mas também pode interromper uma trajetória assustadora na qual as terras agrícolas estão sobrecarregadas a pinto de, eventualmente, impedirem o cultivo.

 

Não podemos, pura e simplesmente, suportar os custos da inação. Uma mudança que tenha a magnitude necessária implicará uma vida diferente para todos, mas os custos de não fazer nada serão muito mais elevados.

 

O mundo necessita que os formuladores de políticas lutem contra as ameaças gêmeas da mudança climática e da perda de biodiversidade, é essencial que eles entendam as ligações entre os dois para que suas decisões e ações abordem ambos.

 

O mundo precisa reconhecer que a perda de biodiversidade e a mudança climática induzida pelo humanidade não são apenas questões ambientais, mas também questões de desenvolvimento, econômicas, sociais, de segurança, equidade e morais. O futuro da humanidade depende da ação imediata. Se não agirmos, os nossos filhos e todas as gerações futuras nunca nos perdoarão.

 


* Sir Robert Watson é presidente da Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e ex-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).