Mudança climática ou crise climática? Para envolver as pessoas, a mídia deveria falar de soluções

O jornalismo deve usar uma linguagem mais enfática para dar uma dimensão mais crítica e urgente à mudança do clima, ou utilizar uma abordagem voltada às soluções, que consiga cobrir os problemas com a seriedade apropriada, mas que também responda à inevitável questão: “e agora?”, descrevendo como problemas similares foram endereçados em outros lugares do mundo. Este artigo defende a importância da linguagem, julgando que o enfoque em soluções pesa mais, mas outras pessoas defendem o oposto, como no outro artigo que publicamos sobre o tema: ‘Sim, é hora de atualizar a terminologia relativa à mudança climática‘.

Dias após o Parlamento Britânico declarar estado de emergência climática, o The Guardian anunciou que começaria a utilizar palavras “mais fortes” para discutir a questão do aquecimento global e a consequente mudança no clima do planeta. O guia de estilo atualizado do jornal inglês reza que a terminologia “mudança climática” não mais reflete acuradamente a seriedade da situação e recomenda que os jornalistas passem a utilizar “emergência climática”, “crise climática” ou “colapso climático” em seu lugar.

Embora possa não parecer, a escolha de palavras é realmente importante. Como denominamos um tema determina a forma como o concebemos. Veja que esta discussão não é nova: em 2003, Frank Luntz recomendou ao então presidente Bush a utilização da expressão “mudança climática” no lugar de “aquecimento global”, porque a primeira parecia menos alarmante. Explicando a decisão do The Guardian, a editora-chefe Katherine Viner afirmou que “mudança climática” é “suave” quando, na verdade, os cientistas estão descrevendo “uma catástrofe”.

Em meio a respostas variadas dos cientistas em relação a essa decisão, a mudança de terminologia assumida pelo The Guardian tem suscitado discussões nas redações de todo o mundo. Na Noruega, o Morgenbladet recentemente anunciou que seguirá o exemplo do jornal inglês.

Mas quão inusitado é esse uso de uma terminologia “mais forte” e qual pode ser seu impacto?

A guerra à mudança climática

Um editorial publicado alguns dias depois da atualização de seu guia de estilo argumentou que “a crise climática” precisa ser coberta da mesma forma que o “início da Segunda Guerra Mundial” e que a responsabilidade dos veículos de imprensa é a de “despertar o mundo para a catástrofe iminente à sua frente”.

Historicamente, o The Guardian e outros importantes jornais Britânicos fazem a cobertura de meio ambiente como se reportassem prolongados conflitos armados. Artigos e editoriais publicados no The Guardian frequentemente usam metáforas com emprego de termos relacionados às guerras para falar sobre a mudança climática. Muitas vezes lemos sobre as “batalhas” da precificação de carbono travadas por “eco-guerreiros”.

Metáforas de guerra podem gerar resultados positivos. Elas podem criar as condições necessárias para que os políticos apresentem propostas ousadas para lidar com as mudanças climáticas, da mesma maneira que, no Reino Unido, a ameaça de invasão motivou a produção massiva de armas e a implementação do racionamento na Segunda Guerra Mundial.

No entanto, palavras “fortes” como “colapso”, “crise”, “emergência” e “guerra” podem gerar consequências inesperadas.

 

Evocar guerra instila medo nos leitores, e muito já foi escrito sobre esses “apelos ao medo” e a mudança climática. Sugere-se que alarmar o público em relação às mudança climáticas motivará ações individuais e estimulará o apoio a mudanças sociais mais amplas. Mesmo que essa estratégia seja bem-sucedida em parte do tempo, guerras são destrutivas e polarizadoras. Enquanto o enfrentamento das mudanças climáticas envolve trabalho conjunto e cooperativo.

Apelos ao medo também podem gerar um efeito oposto ao pretendido, causando indiferença, apatia e sentimentos de impotência. Quando as pessoas se deparam com um problema muito grande, elas podem parar de acreditar que algo possa ser feito para resolvê-lo. Se o medo é utilizado para motivar as pessoas, estudos sugerem que, nesse caso, deve-se apresentar também uma solução, para focar os raciocínios em direção à ação.

Pesquisas feitas entre noruegueses com idades entre 16 e 17 anos conduzidas entre 2013 e 2014 mostraram que os jovens queriam se informar sobre o lado positivo – como podiam contribuir com a redução das dramáticas consequências da mudança climática. Seu otimismo em relação ao futuro motivava seu engajamento ao tema e seu compromisso com a ação, não o medo.

Observando os milhões de adolescentes de todo o mundo que têm se unido à Greta Thunberg nas greves escolares pelo clima, resta alguma dúvida de que as pessoas querem ter uma oportunidade para aplicar suas habilidades e paixões na solução das mudanças climáticas?

Para além da crise

Muitas “guerras” declaradas por políticos – contra as drogas, a obesidade e a pobreza – foram travadas nas páginas dos jornais. Tradicionalmente, a negatividade era o fator-chave na definição do que virava notícia. As notícias tendem a focar no lado ruim do que acontece no mundo. Afinal, nunca ninguém vê um jornalista transmitindo “ao vivo desde um país onde nenhuma guerra estourou.”

Informar as pessoas a respeito de guerras, crises e emergências é parte importante do papel da imprensa, mas talvez tenhamos chegado ao “ponto máximo da negatividade”, com matérias tão cheias de crises sérias que as pessoas cada vez mais as evitam. As pessoas acabam não se envolvendo, sentindo-se desmotivadas e deprimidas em relação à situação mundial e ao seu papel nesta.

O jornalismo construtivo deveria utilizar uma abordagem voltada a soluções que cobrisse os problemas com a seriedade apropriada, mas que também respondesse à inevitável questão: “e agora?”, descrevendo como problemas similares foram endereçados em outros lugares do mundo. A conscientização sobre as mudanças climáticas está alta e  segue crescendo, mas potenciais soluções precisam de maior atenção.

Em maio, o The Guardian juntou-se ao projeto Covering Climate Now (Cobrindo o Clima Agora, em tradução livre), que busca identificar e compartilhar a cobertura das mudanças climáticas, envolvendo tanto as soluções como o detalhamento do problema em si. Talvez essa devesse ter sido a história que ganhou as manchetes ao invés da redefinição da terminologia para “crise climática”.

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