Sim, é hora de atualizar a terminologia relativa à mudança climática

O editor do ScienceAlert, Signe Dean, conversou com cientistas para saber se seria alarmismo adotar a terminologia proposta pelo jornal The Guardian para artigos e reportagens sobre a mudança do clima. E concluiu que, sim, é hora de atualizar a terminologia usada para escrever sobre o tema. Mas tem gente que pensa o contrário, porque a proposta do The Guardian poderia ser paralisante para alguns; leia sobre esta outra visão no artigo Mudança climática ou crise climática?

No dia 11 de maio os pesquisadores no Observatório Mauna Loa, no Havaí, registraram uma nova marca no gráfico coletivo da humanidade: a concentração atmosférica de dióxido de carbono excedeu 415 partes por milhão, ponto mais alto em vários milhões de anos.

Por conta de fatos como este, o jornal inglês The Guardian anunciou uma mudança em seu manual de redação. Deve ser dada prioridade a termos como ‘crise ou colapso climático’ no lugar do termo mais comum ‘mudança climática’.

A alteração de terminologia do jornal inglês atraiu tanto elogios quanto acusações de alarmismo. Mas foi um passo corajoso e que nos fez repensar a terminologia que empregamos no ScienceAlert.

Antes de fazer qualquer mudança importante, eu decidi conversar com as pessoas à frente desse debate – os cientistas. Temos, como jornalistas, justificativa para nomear a situação como crise climática?

“A forma pela qual a imprensa deve se referir à mudança do clima não é uma discussão nova”, disse Jessica Hellmann, a principal pesquisadora em ecologia e diretora do Instituto do Meio Ambiente da Universidade de Minnesota.

“Por pelo menos 25 anos, os cientistas do clima criticaram a imprensa sobre sua abordagem padrão que busca ‘equilibrar’ a cobertura da mudança climática, dando peso igual a pesquisas peer-reviewed e a alegações e críticas menos substanciadas.”

Hellmann diz ter notado que esse problema do falso equilíbrio diminuiu recentemente, e acha que a alteração na terminologia “é o próximo passo nessa evolução, em direção a um melhor reconhecimento das consequências da mudança em nome do interesse público.”

Se  fizermos buscas da terminologia ‘crise climática’ em materiais online de grande abrangência, encontraremos já em 2008 seu uso no TED Talk de 2008 do político norte-americano Al Gore, “Novos raciocínios sobre a crise climática”, palestra vista mais de 2 milhões de vezes.

Porém, esta não é apenas uma terminologia ativista. Entre os cientistas, a fraseologia “crise climática” não é nada nova. Uma rápida passada de olhos no  Google Scholar revela milhares de publicações, capítulos de livros e outros itens que consideram essa uma crise, frequentemente já no título.

Portanto, não parece nenhum absurdo começar a se colocar isso de modo mais proeminente na cobertura jornalística.

“Acho que é muito importante se utilizar a linguagem e as imagens apropriadas”, afirma Stephan Lewandowsky, psicólogo cognitivista da Universidade de Bristol que pesquisa a opinião pública sobre a mudança do clima.

“Especificamente quanto à terminologia ‘crise climática’, acho que esta representa um equilíbrio apropriado entre passar a informação de urgência sem hipérbole.”

Não começou como uma crise

“Talvez mais do que a maioria dos outros fatos científicos, a evidência das mudanças climáticas está baseada em análises estatísticas de um sem número de observações dispersas pelos tempo e espaço,” Lewandowsky e sua colega Lorraine Whitmarsh escrevem em uma publicação do  PLOS no ano passado.

Tais evidências dispersas e massivas escalas temporais tornam o tema de entendimento delicado, sem dúvida. Por isso, não é de se espantar que, ao se comunicar publicamente os resultados da ciência das mudanças climáticas, sua terminologia tenha se transformado nas últimas décadas.

“Cientistas tendem a utilizar uma linguagem cautelosa ao descrever suas pesquisas, e a discutir as implicações de seus estudos em termos de probabilidades”, afirma uma publicação de 2007 sobre a cobertura da mídia sobre a mudança do clima.

“Para os jornalistas e decisores políticos, é difícil traduzir isso em comentários precisos e inequívocos, que é o que se espera nas comunicações e processos de decisão.”

Foi por volta dos anos 80 que o público em geral começou a prestar atenção aos “gases de efeito estufa”, aquele princípio mais básico do aquecimento da atmosfera que vários cientistas inicialmente delinearam… em meados do século 19 (sim, nós temos conhecimento da ameaça do consumo rampante dos combustíveis fósseis por bastante tempo já, como o clip de um jornal neozelandês de 1912 prontamente atesta).

As temperaturas começaram a estabelecer recordes no final dos anos 80, e o “aquecimento global” entrou para a consciência pública e foi rapidamente seguido pela própria “mudança do clima”. Afinal, o primeiríssimo relatório do Painel Intergovernamental sobre a Mudança do Clima (IPCC) foi publicado em 1990.

Com o interesse público sobre a mudança do clima crescendo nos anos 2000, e com o ativismo inicial culminando no documentário de Al Gore “Uma Verdade Inconveniente”, começamos a enfrentar a crescente polarização política sobre o que fazer a respeito. Ou se realmente precisávamos fazer algo a respeito. Ou até mesmo se isso era real.

Nesse ponto, os termos ‘aquecimento global’ e ‘mudança do clima’ tornaram-se largamente intercambiáveis nas matérias da imprensa, embora tenham significados científicos distintos. Essa confusão continuou a existir – mesmo com os leitores do ScienceAlert tentando nos persuadir de que a terminologia ‘aquecimento global’ havia sido enterrada.

O fato é que aquecimento global soa mais ameaçador, mais urgente – parece carregar consequências em si.

O atual presidente dos EUA, Donald Trump, tuitou em 2013 dizendo que “eles mudaram o nome de aquecimento global para mudança do clima porque ‘não estava funcionando’”; mas, se alguém originalmente teve a ideia da troca de termos científicos para alterar a opinião pública, foi de fato a administração George W. Bush – e eles os mudaram porque estavam funcionando bem demais.

Um memorando de 2002 feito para Bush pelo consultor político Frank Luntz ficou famoso por sugerir que “‘mudança do clima’ é menos alarmante do que ‘aquecimento global’”, entre recomendações para que se continuasse a se colocar em dúvida o consenso científico da ciência do clima. O memorando funcionou.

Falando sério

Com a entrada e saída de vários governos, os processos planetários que descrevemos como mudanças climáticas continuaram em marcha, com cada novo relatório científico ratificando seus efeitos e aumentando a urgência da ação.

“A terminologia que utilizamos foi ficando muito atrasada em relação aos fatos da ciência climática. As palavras que usamos forjam a maneira como pensamos sobre um problema”, afirma o filósofo Clive Hamilton, que documentou a luta da Humanidade com as mudanças do clima em uma série de livros.

“Por anos, os hesitantes nos diziam que não devíamos ser ‘alarmistas’ porque se assustássemos as pessoas elas iriam parar de nos ouvir”, disse ele ao ScienceAlert. “Mas devemos tratar o público como adultos e dizer-lhe a verdade.”

De fato, em alguns aspectos estamos bem aquém de ficar refletindo sobre se ‘aquecimento global’ soa assustador ou não. Para muitas pessoas, especialmente para as novas gerações, é de fato apavorante e elas querem fazer algo a respeito. De greves estudantis a apoio a políticas que favorecem a eliminação das emissões de carbono, vemos uma renovada motivação para a ação.

“Precisamos alertar a população acerca da magnitude do problema, sem, no entanto, passar uma sensação de falta de esperança”, Stephan Lewandowsky disse ao ScienceAlert. “O termo ‘crise’ serve bem a esse propósito e é certamente mais apropriado do que a terminologia meio tola ‘mudança do clima’”

O cientista do clima, Will Steffen, Conselheiro do Conselho do Clima da Austrália, é outro proponente do uso de uma terminologia mais forte acerca da mudança do clima – mas também das ações que precisamos tomar.

“’Crise climática’ é provavelmente a terminologia apropriada agora”, disse ao ScienceAlert.

“Outro conceito que é importante comunicar é que as decisões que tomamos agora para a redução de emissões serão cruciais para que se evitem potenciais mudanças catastróficas mais tarde nesse século. A expressão ‘ponto sem volta’ pode ser útil nesse caso.”

Dar nome correto aos negacionistas

Porém, entre todas essas interações linguísticas utilizadas pela mídia – desde  ‘efeito estufa’ até a recente ‘crise climática’ – restam aqueles que duvidam da verdadeira extensão das mudanças climáticas e aqueles que negam suas causas primárias na ação humana, e até mesmo aqueles que negam os dados científicos como um todo.

A atualização do guia de estilo do The Guardian sugere chamar estas pessoas de  “negacionistas climáticos”, aos invés de céticos, para enfatizar que não se trata de um equilíbrio de opiniões. Nós já utilizamos essa terminologia aqui no ScienceAlert (e idem aqui no ClimaInfo): os fatos da ciência do clima não estão sob questionamento e temos tratá-los como tal.

Entretanto, você só pode rebatizar mudança climática para ‘crise’ ou ‘colapso’ ou ‘emergência’ se você souber com quem está falando, e quem está tentando atingir.

Essa lição é claríssima para a cientista da atmosfera Katharine Hayhoe, uma das mais influentes comunicadoras mundiais da mudança do clima.

“(Na) minha opinião, a ciência, combinada à nossa atual trajetória de carbono que se eleva ao invés de diminuir, justifica a terminologia ‘crise climática’”, ela afirmou ao ScienceAlert.

Mas ela alerta que esse enquadre é “efetivo apenas para aqueles que já se preocupam com as mudanças climáticas, mas são complacentes no que tange as soluções, encarando-as como desafios para as futuras gerações, mas não para o momento atual.” Hayhoe nota que essa descrição caracterizaria em sua maior parte os leitores do The Guardian.

“Ainda não é efetiva, no entanto, para aqueles percebem os que advogavam pelas ações climáticas como medrosinhos alarmistas. Isso, ao invés, reforçaria ainda mais suas noções preconcebidas – e incorretas.”

Sejamos precisos

Então, essa é a conclusão a que chegamos. Há evidências e opiniões de especialistas de sobra quanto à terminologia de ‘crise’ não se tratar de alarmismo sem bases – de fato, isso faz sentido em como nos comunicamos acerca da mudança do clima, e podemos esperar ver mais conversas sobre crise daqui para frente. Mesmo que alguns continuem não concordando.

Dito isso, nomear o impacto das mudanças do clima de crise climática não pode substituir os termos científicos que já utilizamos.

Mas, se você estiver tentando fazer com que as pessoas façam algo em relação ao incêndio em seu próprio quintal, você usa a palavra emergência.

Com tudo isso em mente, vão aqui as definições para a terminologia relativa à ciência climática que passaremos a utilizar no ScienceAlert:

 

 

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