Três gráficos importantes para pensar a crise climática

Há muita confusão por aí nas discussões sobre a crise climática, especialmente quando se trata de encontrar soluções viáveis. Como identificar quais soluções fazem mais sentido e onde focar nossos esforços? Começar pela análise dos três gráficos discutidos neste artigo pode ajudar.

 

Jonathan Foley*

 

Existe muita confusão nas discussões sobre a crise climática. Por que?

Muitos apontam para a falta de conhecimento científico no seio da sociedade. Outros para as tentativas deliberadas de grupos econômicos e seus aliados políticos de ofuscar o tema, plantar dúvidas e confusão. Outros criticam a imprensa e as redes sociais, onde fatos e diálogos respeitosos são suplantados por sensacionalismo, controvérsias manufaturadas e embates acalorados

Embora tudo isso seja verdade, me parece que a questão é ainda mais básica. Talvez seja porque as pessoas literalmente não conseguem ver o que estamos falando, portanto é muito fácil se confundirem.

Por sua própria natureza, os gases de efeito estufa como o dióxido de carbono, metano, vapor de água, óxido nitroso, entre outros, são invisíveis para nossos olhos. Esse é o ponto. A radiação solar – e o espectro de luz visível aos nossos olhos – não é absorvida ou emitida por esses gases. A luz solar passa direto por eles, permitindo que a radiação solar passe livremente, iluminada e quente pela atmosfera da Terra sem que a possamos ver.

Os gases de efeito estufa causam um problema, é claro, porque não são transparentes na parte infravermelha do espectro eletromagnético, na qual a Terra irradia energia de volta ao espaço. Os assim chamados gases de efeito estufa absorvem e reemitem essa radiação, parte dela de volta à superfície da Terra, tornando a superfície do planeta mais quente do que seria sem eles. Em outras palavras, a Terra sofre um efeito estufa, algo que os cientistas já sabem desde 1830 (Sim, é isso mesmo, foi em 1830 quando começamos a entender o efeito dos gases de efeito estufa).

Isso é física básica, é simples, mas é algo que, na verdade, não vemos com os nossos olhos. Por isso é fácil ignorar ou deixar para lá.

E mais, acho que as pessoas têm dificuldade em pensar sobre a poluição da atmosfera. Nós vemos aterros sanitários, poluição por plásticos nas praias, espumas químicas nocivas flutuando nas águas e isso tudo imediatamente faz sentido aos nossos olhos. Mas a mudança do céu com gases invisíveis? Isso parece impossível para os nossos cérebros, já que o céu acima de nós parece infinito. E, pela maior parte da História, os céus eram domínio dos Deuses, e não nosso.

Mas isso não é verdade. Nós podemos mudar o céu, e estamos fazendo isso. Dramaticamente. Já nessa primavera do hemisfério norte, os níveis de dióxido de carbono na atmosfera subiram a cerca de 415 partes por milhão, quebrando os mais altos recordes vistos nos últimos milhões de anos – 270 partes por milhão. E ainda estão subindo, ano a ano.

A confusão sobre a crise climática fica ainda pior quando tratamos das soluções. As discussões normalmente não começam com fatos ou ciência básica; ao contrário, ouvimos numerosos “especialistas” dizendo como irão resolver a mudança climática – normalmente com sua teoria ou projeto empresarial favoritos. Normalmente sem muitos dados ou conhecimentos científicos os embasando.

Antes de debater os méritos das diferentes soluções para a crise climática, é melhor começarmos com a ciência básica, e aprendermos um pouco sobre como os gases de efeito estufa de fato funcionam. Depois, podemos entrar em debates e discussões mais substanciais acerca de quais soluções para as mudanças climáticas são as mais viáveis.

Aqui vão alguns gráficos simples que podem ajudar.

 

Primeiro, um gráfico das emissões antropogênicas (uma maneira chique de se dizer “gerada pelos humanos”) de gases de efeito estufa na atmosfera.

Emissões dos principais gases de efeito estufa. Cada um desses gases é emitido por atividades humanas, contribuindo com o aquecimento do planeta. O dióxido de carbono (CO2) é o gás de efeito estufa mais importante, vindo da queima de combustíveis fósseis, do uso da terra e de processos industriais. O metano (CH4), o óxido nitroso (N2O) e os gases fluorados também são importantes. Aqui nós comparamos cada gás numa mesma base em seu “potencial de aquecimento global” em um período de 100 anos. Os dados são da EPA, com ajustes para a separação de emissões de CO2 da queima de combustíveis fósseis nas indústrias químicas e de cimento com base  em dados do World Resources Institute.

 

Esse gráfico nos mostra coisas básicas. Antes de mais nada, há vários gases-chave de efeito estufa a serem considerados – dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), e os  gases fluorados (principalmente os hidrofluorcarbonetos, os clorofluorcarbonetos e outros gases fluorados). Não é só o CO2.

Cada gás se comporta de maneira um pouco diferente na atmosfera, e precisamos levar isso em conta. Por exemplo, alguns gases aprisionam o calor muito mais efetivamente do que outros, porque sus estrutura molecular absorve melhor a radiação infravermelha, e cada um deles se mantém por diferentes períodos de tempo na atmosfera. Portanto, para compará-los de modo consistente sem misturarmos “alhos com bugalhos”, nós sempre os convertemos em unidades equivalentes, fazendo uma média de seu “potencial de aquecimento global” em 100 anos. (Essa é uma ferramenta padrão para comparar diferentes gases de efeito estufa e seus impactos na mudança do clima. Mas ela carrega alguns pontos importantes. Por exemplo, o metano é muito mais poderoso em retenção de calor do que o dióxido de carbono, mas mas não se mantém por muito tempo na atmosfera. Portanto, no curto prazo, digamos entre 10-30 anos, o metano é extremamente importante para a mudança climática. Mas no longo prazo, entre um século ou dois, é muito menos importante.)

Entre nossas emissões de gases de efeito estufa, o dióxido de carbono recebe mais atenção, e por uma boa razão. Ele representa quase 76% das nossas emissões anuais de gases de efeito estufa. E a maior parte disso (por volta de 62% do total de emissões) vem da queima de combustíveis fósseis, incluindo do uso de petróleo, carvão e gás natural. É por isso que o foco maior das soluções climáticas centra-se na substituição dos combustíveis fósseis – responsável por 62% do problema.

Mas muito do dióxido de carbono, e outros gases de efeito estufa, não são gerados a partir da queima de combustíveis fósseis, e precisamos dar uma olhada neles.

Na verdade, é um grande engano se focar nas emissões de gases de efeito estufa apenas dos combustíveis fósseis; estaríamos perdendo por volta de 38% das emissões, e 38% das oportunidades para enfrentar a crise climática.

Por exemplo, por volta de onze por cento das nossas emissões de gases de efeito estufa vêm do dióxido de carbono emitido pelo uso da terra e pela mudança do uso da terra, especialmente pelo desmatamento. Lembrem-se: queimar árvores, que também são amplamente compostas por carbono, é o mesmo que queimar carvão. Ambos liberam CO2.

E um tanto de dióxido de carbono também é liberado pelo processamento químico e pela cura de cimentos. Essas também são fontes significativas.

Então temos o metano (CH4), que pode ser liberado pelo vazamento das tubulações de fracking e de gás natural, de aterros sanitários e da queima de biomassa. Outra fonte importante de metano vem da agricultura, especialmente dos arrozais e do gado. (Fato divertido: o gado principalmente arrota metano, e não o libera pelo intestino.)

O óxido nitroso (N2O) é outro gás de efeito estufa, principalmente produzido pelo excesso de fertilizantes na agricultura.

Por último, temos os gases fluorados tais como hidrofluorcarbonos (HFCs), clorofluorcarbonetos (CFCs) e hexafluoreto de enxofre (SF6). Esses químicos são tipicamente usados como refrigerantes ou em processos industriais.

Há outros gases de efeito estufa menos importantes, e mais ou menos chamados de “carbono negro”, que nós humanos emitimos para a atmosfera também, mas para simplificar, é um bom ponto de partida.

Em última análise, os gases de efeito estufa que aquecem o nosso planeta incluem mais do que o CO2, e vêm de outras fontes que não só a queima de combustíveis fósseis. Precisamos ampliar nossa perspectiva para entender e enfrentar a crise climática.

 

“É um grande engano focar nas emissões de gases de efeito estufa apenas dos combustíveis fósseis; estaríamos perdendo por volta de 38% das emissões, e 38% das oportunidades para enfrentar a crise climática.”

 

Então de onde todas essas emissões se originam? E quais atividades humanas as causam? É nesse ponto onde podemos começar a pensar sobre as soluções mais viáveis para reduzir essas emissões.

Para entendermos isso, podemos rastrear as emissões de gases de efeito estufa até suas diferentes fontes pelo mundo, e criar categorias macroeconômicas para elas.

 

Abaixo, você vê a divisão da origem das fontes de emissão de gases de efeito estufa por atividade econômica.

Fontes de gases de efeito estufa por atividade econômica. É importante notar que esses dados são para o mundo como um todo, sendo que cada país tem um perfil de emissões diferente. Nos EUA, por exemplo, Alimentação & Uso da Terra representam uma fração pequena das emissões, sendo o Transporte a maior delas. Dados da EPA. Já no Brasil a agropecuária e as mudanças no uso da terra (desmatamento principalmente) somam praticamente 70% das emissões do país.

 

O que esse gráfico mostra é que há muitas coisas diferentes que contribuem com a mudança do clima – não apenas a queima de combustíveis fósseis.

Globalmente, os dois setores que mais contribuem com a mudança do clima são a geração de Eletricidade (cerca de 25%) e a Alimentação & Uso da Terra (cerca de 24%). Em outras palavras, a queima de carvão, petróleo e gás natural para a geração de eletricidade é principal e maior fonte global de emissões, mas o setor de Alimentação & Uso da Terra está quase empatado com ela.

Alguns se surpreendem com o tamanho da importância de Alimentação & Uso da Terra para a mudança do clima. Na verdade, o setor de Alimentação & Uso da Terra emite gases de efeito estufa principalmente por três razões. O desmatamento e o corte raso de florestas para a produção são a maior fonte dessas emissões. A produção de metano pelo gado e pelas plantações de arroz é o segundo maior contribuinte para a emissão de gases de efeito estufa do setor de Alimentação & Uso da Terra, seguido pelas emissões de óxido nitroso do excesso de fertilizantes nos solos agrícolas.

O interessante é que as diferenças entre a produção local e industrial de alimentos impactam muito pouco as mudanças climáticas. Enquanto a produção local de alimentos pode gerar uma série de benefícios, estes não são cruciais para a redução do uso de energia e das emissões de gases de efeito estufa. Ao invés disso, devemos focar no desmatamento, nas emissões de metano do gado e dos arrozais, e no excessivo uso de fertilizantes à base de nitrogênio.

As demais partes do gráfico contam o resto da história. Eletricidade (cerca de 25%) e Alimentação & Uso da Terra (cerca de 24%) somam basicamente metade das emissões de gases de efeito estufa globais, e Indústria, Transportes, Edificações e Outras Fontes compõem o restante.

Seis grandes setores – Eletricidade, Alimentação & Uso da Terra, Indústria, Transporte, Edificações e Outras Emissões – são os causadores do problema. Portanto, estão neles as oportunidades que contribuirão mais amplamente com a redução de emissões – eliminando as fontes de gases de efeito estufa onde elas se originam.

Há algumas lições imediatas que podemos retirar desses gráficos. A mais importante, e já falei até demais sobre isso, é que a mudança do clima não é um problema somente de energia; 62% do problema tem a ver com energia – mas Alimentação & Uso da Terra também são crucialmente importantes – bem como vazamentos de tubulações de gás natural, aterros sanitários, cimento e gases refrigeradores. Muitos gases, e muitas fontes de emissões, contribuem com as mudanças climáticas, não apenas a queima de combustíveis fosseis. Portanto, no fim das contas, precisamos buscar soluções em muitas áreas diferentes, não apenas eliminar os combustíveis fósseis, embora isso seja realmente de vital importância. Precisamos olhar por todo o tabuleiro.

No Project Drawdown – a organização ambiental sem fins lucrativos que ajudo a dirigir – examinamos mais de 100 das mais viáveis soluções para as mudanças climáticas, elencando-as de acordo com seus impactos climáticos e custos. Você pode dar uma olhada todas elas no website Drawdown.org.

Muitas das soluções que exploramos envolvem mudança no uso da energia, é claro, mas também propomos soluções importantíssimas no uso da terra, na indústria química, de cimentos, nos materiais de construção civil, nas florestas e no setor de alimentos.

 

“Seis grandes setores – Eletricidade,  Alimentação & Uso da Terra, Indústria, Transporte, Edificações e Outras Emissões – são os causadores do problema. Portanto, estão neles as oportunidades que irão contribuir mais amplamente com a redução de emissões”

 

Até aqui falamos apenas sobre as fontes que emitem os gases de efeito estufa para a atmosfera – quais são, de onde vêm e as soluções potenciais para reduzi-las.

Mas nós também podemos olhar para maneiras de remoção dos gases de efeito estufa da atmosfera por meio dos chamados “sumidouros”. Um sumidouro é um processo – tipicamente encontrado nos ecossistemas terrestres, nos oceanos ou até mesmo em  equipamentos desenvolvidos para tal fim – que remove os gases de efeito estufa (especialmente dióxido de carbono) da atmosfera.

A princípio, isso pode soar meio forçado. O que seria capaz de remover em escala a poluição da atmosfera de modo a fazer diferença para o clima?

Bem, na verdade a natureza já faz isso todos os anos, em grande quantidade e de graça.

 

Focando no dióxido de carbono, apenas cerca de 45% das emissões anuais de CO2 se mantém na atmosfera, contribuindo com a mudança do clima; os outros cerca de 55% são basicamente absorvidos pelos oceanos (cerca de 23%) e ecossistemas terrestres (cerca de 32%).

Destino das emissões anuais de CO2 vindas da atividade humana. Cerca de 45% das emissões ficam na atmosfera, contribuindo para as mudanças climáticas. Mas os restantes 55% são absorvidos pelos oceanos e ecossistemas terrestres. Essas capturas naturais diminuíram muito as mudanças climáticas em relação ao que elas poderiam ter sido sem esses processos de absorção de carbono. A questão é: podemos aumentar de alguma forma essas capturas naturais ou adicionar a elas equipamentos especificamente projetados para tal fim? Dados do Global Carbon Project.

 

É importante reiterar: mais da metade das nossas emissões anuais de CO2 é imediatamente absorvida pelos ecossistemas terrestres e pelos oceanos, reduzindo dramaticamente o impacto das nossas atividades no clima.

E pode ser possível melhorar essas capturas naturais – na terra e nos oceanos – de modo a que elas absorvam ainda mais dióxido de carbono. Reflorestar grandes áreas, restaurar solos ricos em carbono sob nossas terras degradadas e de agricultura, restaurar ecossistemas costeiros e proteger ecossistemas naturais sob corrente ameaça são todas maneiras de fazer isso agora. E há muitas outras maneiras.

(Comentário adicional: Para mim, é muito interessante notar o papel central do uso da terra e de nossa produção de alimentos nas emissões de gases de efeito estufa, bem como seu papel potencial na criação de capturas de carbono adicionais. Essa área merece muito mais atenção em pesquisas, políticas e investimentos nas comunidades.)

É também plausível desenharmos tecnologias que funcionem como capturas suplementares, com dispositivos que removam gases de efeito estufa através de processos industriais e químicos. Até então, máquinas que possam remover gases de efeito estufa em grande escala são apenas um sonho, e sou bastante cético em relação a elas. Eu preferiria ajudar a Natureza a fazer esse trabalho, com registros comprovados dos resultados, mas vamos manter a mente aberta a essa questão.

Resumindo, temos que trabalhar nas fontes dos gases de efeito estufa, imediatamente, mas também é importante reconhecermos a potencial importância das capturas.

Finalmente, precisamos de ações dramáticas, rápidas e com conhecimento para enfrentar as mudanças climáticas.

Precisaremos sempre, em primeiro lugar, cortar as emissões que vêm principalmente dos combustíveis fósseis, do uso da terra e alimentação e dos processos industriais.

Penso que precisamos de um portfólio de abordagens para enfrentar a mudança do clima, e não colocar todos os nossos gases de efeito estufa em um único balaio de soluções. Eu focaria em diferentes problemas para começar, incluindo melhoria na eficiência de consumo de energia; aumento de geração de energia renovável; redução do desperdício de alimentos; mudança nas dietas com uso de alimentos menos danosos ao meio ambiente; melhoria dos sistemas de agricultura; eletrificação dos transportes onde possível, utilizando combustíveis sustentáveis onde possível; construção e remodelagem de edificações para versões de extrema eficiência energética; e eletrificação dos sistemas de calefação e refrigeração. Devemos também focar no metano, e nos chamados superpoluentes, o mais rápido possível, para ganharmos tempo para enfrentar os demais desafios.

E devemos buscar formas de remover as emissões de gases de efeito estufa (especialmente aquelas emissões cujas fontes levariam mais tempo para serem eliminadas) por meio do desenvolvimento de sistemas seguros de captura de carbono. E recomendo fortemente soluções de captura de carbono naturais, como reflorestamento, aumento da captura de carbono nas práticas agrícolas e restauração de ecossistemas costeiros, como estratégias  excelentes e ‘certeiras’ para começar.

Enfrentar a crise climática é possível, mas não será fácil. Precisamos transformar políticas, práticas de negócio, fluxos de capital e infraestrutura, e comportamentos pessoais em escala massiva. Será uma grande transformação em nosso mundo. Mas precisamos disso, e acredito que podemos fazê-lo.

Mas, primeiro, temos que compreender onde estão os temas-chave e as melhores oportunidades para enfrentar a mudança do clima. E começar com um pouco de retaguarda científica é o melhor lugar para isso.

* Dr. Jonathan Foley é cientista ambiental, especialista em sustentabilidade, autor, palestrante e diretor executivo do Projeto Drawdown (@ProjectDrawdown no Twitter).

 

 

Este artigo originalmente publicado no Medium.

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