Impacto do coronavírus na periferia

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Sem água corrente, sem esgoto, sem saneamento e sem a menor possibilidade de distanciamento, mais de 100 milhões de brasileiros estão, uma vez mais, superexpostos a uma epidemia. Uma população, que segundo o IBGE, é de maioria negra ou parda. O Alma Preta cita o Mapa da Desigualdade de São Paulo para mostrar que “enquanto bairros como Moema (5,8%), Perdizes (9,3%) e Pinheiros (11%) têm baixo percentual de pessoas negras, os bairros do extremo da periferia são majoritariamente negros. É o caso do Jardim Ângela (60,1%), Grajaú (56,8%) e Parelheiros (56,8%).”

Gilberto do Nascimento, sanitarista, cita a Carta à Sociedade Brasileira da Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS): “É importante lembrar que em termos de Saúde Pública, não existe uma linha que separe os setores mais vulneráveis dos demais, ou seja, o impacto diferenciado da crise em grupos mais vulneráveis afeta indistintamente toda a sociedade, sendo a prevenção de interesse geral.”

As notícias dessa regiões ainda são esparsas. Falam da demora para as autoridades retirarem pessoas que morreram em casa sem testes para confirmar ou não se foi por COVID-19. Falam de casos que se acumulam em favelas e comunidades do Rio e de São Paulo, onde o número de óbitos é bem maior do que aquele registrado no conjunto de hospitais privados.

O médico Drauzio Varella, na Folha, afirma que sociedades com o grau de desigualdade social da brasileira condenam a parte mais vulnerável a um grau de sofrimento ainda maior. Partindo do exemplo do caso de Manaus, onde “as UTIs estão lotadas, faltam respiradores, equipamentos de proteção individual, médicos, fisioterapeutas e enfermagem com experiência em terapia intensiva”, Varella explica o que significa o colapso de um sistema de saúde: “Colapso é uma situação em que os hospitais e os centros de atendimento ficam completamente lotados, sem condições de receber qualquer pessoa, tenha ela infarto, AVC, apendicite, desidratação ou COVID-19. Sem vagas nas UTIs nem ventiladores mecânicos para todos, os médicos são obrigados a decidir quem vai morrer por falta de ar, a mais sofrida das mortes. Os menos afortunados enfrentarão essa realidade em suas casas ou nas portas dos hospitais.” E, como em Manaus, a tragédia termina em valas comuns cavadas por um sistema funerário também sobrecarregado.

Wallace Pereira, líder comunitário da Rocinha, conversou com Caio Barretto Briso e Tom Phillips do The Guardian: “As pessoas estão ficando doentes e não têm para onde ir”, disse. “A situação está piorando porque muitas pessoas andam por aí dizendo: ‘Este vírus não vai me pegar’ – o que é uma fantasia.”

Sobre os casos no Rio, vale ler duas matéria d’O Globo, uma sobre a epidemia em cinco comunidades e outra com relatos de líderes comunitários.

Em São Paulo, Evaldo Stanislau, médico do HC, disse ao UOL que “a população periférica só consegue ter a hipótese da doença quando ela já está avançada. Isso é um fenômeno global, que mostra a faceta da COVID-19, que é a desigualdade, onde quem é o mais pobre, quem é minoria, acaba sofrendo mais do que quem tem uma saúde de melhor qualidade”.

Neste sábado, em Manaus, morreu de COVID-19 Aldevan Baniwa, 46 anos, agente de endemias da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas. Ele apresentou sintomas no começo da semana passada e procurou, sem sucesso, fazer o teste. Na 4ª feira, buscou atendimento, mas foi mandado de volta para casa. Foi internado na 6ª feira e morreu no dia seguinte. A notícia é de Rubens Valente, na Folha.

 

ClimaInfo, 27 de abril de 2020.

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