Net Zero: como detectar truques em planos de emissão zero

Balança antiga de pratos

A COP26 deve trazer um tsunami de planos e compromissos com emissões líquidas zero (net zero). Estes virão de empresas e países ligeiramente ou inteiramente expostos a atividades de altas emissões. Medir a real ambição e a eficácia destas metas é uma tarefa tão vital quanto difícil para a imprensa em meio a uma cobertura jornalística pressionada pelo tempo.

A Climate Action 100+ descobriu recentemente que, das centenas de grandes empresas com metas líquidas zero, apenas uma minúscula quantidade está estabelecendo objetivos que cobrem todas as suas emissões. E poucas delas têm ações de curto prazo e que não dependem de brechas legais, promessas futuras ou tecnologias inexistentes.

Isso significa que se você estiver lendo hoje um plano de emissão líquida zero de uma empresa, é provável que este apresente pelo menos um dos truques mais comuns usados na elaboração deste tipo de documento.

Desenvolvemos um guia rápido e simples para a identificação das lacunas na ambição climática, particularmente quando são apresentadas de forma confusa ou enganosa em metas líquidas zero. O guia dá alguns exemplos simples de como são esses truques e como já foram usados para inflar a ambição climática, particularmente das empresas mais responsáveis pelo problema climático e que, portanto, exigem maior escrutínio de seus planos e ambições.

Para identificar estes truques vamos partir do seguinte: há três aspectos fundamentais para um plano climático de qualidade:

1) adoção de medidas imediatas;

2) adequação das metas; e

3) metas em fase com o determinado pela ciência.

Adoção de medidas imediatas

Alerta: Ausência de metas de curto prazo.

As metas líquidas zero tornam-se progressivamente mais difíceis de alcançar quanto mais tarde começar sua implantação.

Um exemplo: A companhia aérea australiana Qantas tem uma meta líquida zero até 2050, mas sem metas de curto prazo – ou seja, sem meta para 2025 ou 2030. Recentemente, a empresa começou a realizar “vôos para lugar nenhum” sobre a Grande Barreira de Corais. Isto mostra que eles não estão considerando ações imediatas e de curto prazo para reduzir suas emissões. Um artigo no Flight Global anunciou a nova meta líquida zero da Qantas, mas não levou em conta a ausência de metas de curto prazo.

Alerta: Confiança excessiva em futuras invenções tecnológicas para distrair de ações que poderiam ser tomadas hoje.

Colocar todos os seus ovos em uma cesta improvável leva a um fracasso provável.

Um exemplo: A meta líquida zero da Shell até 2050 depende de um aumento da tecnologia de captura e armazenagem de carbono (CCS) e biocombustível que é várias ordens de magnitude superior ao desempenho atual dessas tecnologias. Embora os dados históricos da Shell mostrem muito pouco crescimento do uso CCS, a empresa indica um crescimento significativo em um período de tempo muito curto (2030). Enquanto aposta nesse suposto crescimento, a empresa continua a expandir sua infraestrutura de gás em vez de reduzi-la.

Alerta: Metas de curto prazo repletas de qualificadores, exceções e com uma matemática que não faz sentido.

As emissões de gases de efeito estufa precisam cair rapidamente, mas não cairão se as metas estiverem repletas de notas de rodapé.

Adequação das metas

Alerta: Não inclusão das emissões do escopo 3 (todas as emissões indiretas que ocorrem na cadeia de valor da empresa e que não estão incluídas nos escopos 1 e 2).

As emissões do escopo 3 constituem a maior parte das emissões da maioria das empresas, prncipalmente daquelas produtoras de combustíveis fósseis.

Um exemplo: a empresa australiana de petróleo e gás, a Santos, só estabeleceu metas de curto prazo para seus escopos 1 e 2, ou seja, apenas as emissões resultantes da fabricação de seus produtos fósseis, ao invés de incluir as emissões maciças resultantes da queima desses produtos (escopo 3).

Alerta: PDFs vistosos que carecem de detalhes específicos.

As reduções de emissões só são tangíveis se tiverem detalhes e quantificações específicas e verificáveis.

Um exemplo: a Chevron estabeleceu uma meta líquida de zero até 2050, mas turbinou as reduções de emissões após 2030 com “inovação e compensações”. Essas “inovação e compensações” serviriam para mitigar mais da metade das reduções de emissões do plano e mesmo assim, as mudanças após 2029 são vagas. Fonte: Bloomberg .

Alerta: Apostar tudo em compensações e remoção de carbono ao invés de na redução de emissões.

Há uma quantidade finita de compensações e remoções de carbono, o que significa que nem todas as empresas no mundo podem apelar para esta abordagem. Quanto mais um plano climático depende de compensações e remoções, mais provável será a insuficiência das medidas de reduções reais de emissões.

Um exemplo: O plano zero líquido da Shell depende muito das compensações de carbono para zerar as emissões. A quantidade de emissões “residuais” e compensadas em 2050 não foi especificada no documento da empresa.

Metas em fase com a ciência

Alerta: Metas não suficientemente ambiciosas.

As metas líquidas zero devem estar alinhadas com as metas do Acordo de Paris.

Um exemplo: De 39 planos de emissões líquidas zero até 2050 avaliadas pela C limate Action 100+ , zero têm capital alocado alinhado com a meta de Paris. Ex: Delta Airlines, Equinor, Glencore, Nestlé, Panasonic, PepsiCo, Rolls-Royce.

Alerta: Limites e definições que diminuem a responsabilidade sobre as emissões.

As decisões das empresas impactam as atividades de altas emissões de diversas maneiras, e os planos climáticos precisam refletir sua esfera de influência.

Um exemplo: a “meta líquida zero” do aeroporto de Bristol, no Reino Unido, exclui as emissões dos vôos que utilizam o aeroporto.

Outras fragilidades comuns em planos climáticos inconsistentes

Rápido/Lento: Por que caminhos lentos e caminhos rápidos para o mesmo alvo não são iguais?

O efeito estufa é causado pelo volume total de gases de efeito estufa adicionados à atmosfera da Terra e aos oceanos. Por isso, há diferenças entre um plano climático que diz que vai alcançar o zero líquido até 2050 empurrando todas as ações para 2049, e outro que promete alcançar até 2050 agindo rapidamente e reduzindo a maioria das emissões antes de 2030. O caminho ‘lento’ resulta em uma maior adição total de gases de estufas enviados para o céu. O “rápido” resulta em muito menos.

Leitura recomendada:Tribunal força Alemanha a alterar metas climáticas para fazer mais ações mais cedo, em vez de mais tarde: aqui .

Reluz, mas não é ouro: Que tipo de qualificação ou de advertências fazem com que metas aparentemente boas acabem sendo más?

Um favorito dos produtores de combustíveis fósseis é apresentar metas climáticas com “intensidade”, ao invés de abordar as emissões absolutas.

Em vez de visar vender menos produtos de combustíveis fósseis causadores de mudanças climáticas, uma empresa pode estabelecer uma meta de emissões por unidade de energia vendida. Isto significa que ela pode manter ou aumentar os combustíveis fósseis enquanto adicionam uma pequena proporção de vendas limpas no topo, o que reduz a “intensidade” de suas vendas, mas não as emissões reais causadas por seus produtos.

Outro exemplo de metas “quase boas” é a abordagem exclusiva de gases específicos do efeito estufa, como o dióxido de carbono, ‘esquecendo’ do metano.

Leitura recomendada: As metas de intensidade da Organização Marítima Internacional .

ClimaInfo, 30 de agosto de 2021.

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