A ilusão de um preço de carbono global

mercado global de carbono

Uma corrente de economistas preconiza um preço de carbono global como o instrumento mais eficiente para colocar o mundo na trilha da transição para o baixo carbono. Rochelle Toplensky, do Wall Street Journal, discorda e argumenta que não faria sentido comparar o preço para evitar o desmatamento no Congo com o de abandonar o carvão em Bangladesh ou trocar de carro na Suécia. Não há um preço único que reflita as diferenças entre alternativas e entre países e regiões.

Ela tentou aproveitar o gancho na recente negociação do Artigo 6 do Acordo de Paris, que foi erroneamente noticiada como tendo  regulamentado um mercado internacional de carbono para confundir ainda mais a questão. Os mercados europeu, chinês e outros, regulam as emissões por meio da distribuição e/ou venda de permissões para plantas industriais e energéticas poluidoras. Essas permissões podem ser negociadas entre os agentes. Já o Artigo 6 especifica condições para que projetos e atividades que reduzam emissões possam pleitear créditos de carbono. O Acordo de Paris não obriga ninguém a comprar esses créditos. Toplensky trata os mercados regulados e os créditos de carbono como se fossem a mesma coisa. Não são.

Eric Roston, da Bloomberg, leu um trabalho que comentamos ontem sobre as regiões de carbono irrecuperável – aquele que, se liberado para atmosfera, não será removido até a metade do século quando o mundo terá que ser climaticamente neutro (net zero). Roston defende que essas áreas deveriam ser as prioritárias para financiamentos climáticos, por exemplo, por meio de créditos de carbono gerados ao evitar as emissões do desmatamento.

Por falar em mercados de carbono, as notícias da COP de empresas e países prometendo aumentar a ambição climática e o preço alto do gás natural estão fazendo o preço da permissão no mercado de carbono europeu disparar e passar a marca de 70 euros pela primeira vez na história. A Europa voltou a queimar carvão neste inverno, aumentando as emissões e, portanto, a demanda pelas permissões. A Bloomberg e a Reuters publicaram artigos a respeito.

Depois de mentir descaradamente na COP, o ministro do meio ambiente, Joaquim Leite, disse ao Valor que o país deve receber 10 bilhões de dólares anualmente com a venda de créditos de carbono. “Nenhum outro país tem a estrutura de produção industrial, de energia e agrícola e de floresta nativa que o Brasil  tem”, afirmou. “Por essa característica, o Brasil deve ser um grande exportador de carbono para o mundo.”  Isso significa que Leite acha que os projetos brasileiros ficarão com cerca de 20% dos US$ 50 bilhões anuais movimentados pelos mercados ao redor do mundo.

Para entender o que ele está falando, basta supor que o crédito seja vendido a 50 dólares (bem abaixo dos 70 euros). Para receber a quantia de Leite, o país precisaria evitar a emissão ou remover da atmosfera 2 bilhões de toneladas de carbono. Essa tem sido a emissão anual do país há 10 anos. Para isso, precisaríamos zerar todas as nossas emissões já no próximo ano e, depois disso, plantar 2 milhões de hectares de floresta amazônica a cada ano.

 

ClimaInfo, 23 de novembro de 2021.

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