Hamlet e o mercado de carbono

20 de março de 2022
mercado de carbono
Josh Haner/The New York Times

Ser ou não ser íntegro é o dilema Shakespeariano dos mercados de carbono. Desde que se saiba o que quer dizer “integridade”.

Duas novas iniciativas surgiram das pesadas críticas aos anúncios bombásticos de Mike Carney, ex-presidente dos bancos centrais da Inglaterra e do Canadá, sobre o potencial que teria o mercado voluntário de movimentar trilhões de dólares. Um bom retrato da situação saiu no ano passado na Argus.

As críticas atingiram todo o ciclo de vida dos offsets, os créditos de carbono. Pelo lado dos projetos de oferta desses offsets, apontou-se desde a violação de Direitos de Povos Originários, passando por não serem “adicionais” e chegando até ao uso de artifícios pouco críveis para calcular o volume de offsets. Pelo lado da demanda, apontou-se que não havia como garantir que um mesmo offset fosse usado muitas vezes para compensar as emissões de várias empresas.

O próprio Carney está à frente do Conselho de Integridade dos Mercados Voluntários de Carbono (ICVCM). O órgão promete definir um conjunto de princípios-chave até o final do ano. Com isso, pretende dar aval aos offsets que satisfizerem seus princípios. O Financial Times comentou a iniciativa.

Chloe Farand, na Climate Change News, também fala da iniciativa e comenta uma outra, a Iniciativa para a Integridade do Mercado Voluntário de Carbono (VCMI), a qual também pretende colocar suas diretrizes em consulta pública neste ano. Estes serão dirigidos ao lado da demanda: como escolher, como reportar e como garantir que não haja uso múltiplo do mesmo offset.

O Conselho de Carney quer definir o que é um projeto e um offset íntegro.

Nenhum dos dois está olhando para um ponto fundamental mencionado por Farand: o setor fóssil quer usar esses offsets para prolongar seus modelos de negócio e postergar para o Dia de São Nunca colocar a rolha em todos os poços de petróleo, gás e carvão.

Plantar e preservar árvores parece ser a bola da vez nas conversas sobre créditos de carbono. O New York Times conta que offsets vindos de árvores podem ser uma arma poderosa para, no final das contas, limitar o aquecimento global, mas também tem o potencial de causar danos à população e à biodiversidade, além de não ajudar o clima. O Estadão publicou uma tradução da matéria.

Já a Bloomberg traz a história de um norte-americano que passou a ganhar dinheiro prometendo não derrubar parte da sua plantação de árvores. Ele diz que o negócio é frágil porque sempre aparecem projetos de baixa qualidade que comprometem a credibilidade de todo mundo. A matéria diz que Jim Hourdequin tem ideias de como reformar o mercado.

Em tempo 1: O BNDES anunciou que comprará R$ 10 milhões de offsets de projetos brasileiros certificados. Será, segundo o Valor, um primeiro lote de um plano para comprar R$ 300 milhões nos próximos 2 anos. O Banco não explicou o que fará com os créditos – se pretende aposentá-los ou revendê-los mais tarde. Mas deve ter deixado gente do mercado animado com um bom cliente garantido.

Em tempo 2: A Comunidade Europeia anunciou a criação de um imposto sobre a pegada de carbono de produtos importados. O mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (tradução livre de CBAM – carbon border adjustment mechanism) parte do princípio de que o mercado europeu de carbono, o EU-ETS, onera produtos como o aço europeu e prejudica sua competitividade frente ao aço importado. A tarifa de importação passa a considerar a pegada de carbono do importado e se este é taxado no país de origem. A notícia é da Euroactive. A ver como isso afetará a pauta de exportação brasileira e se dará um impulso extra para a criação de um mercado regulado por aqui.

 

ClimaInfo, 21 de março de 2022.

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