“Centrãoduto”: projeto favorece interesses eleitorais de ministro

Centrãoduto
Agência Senado

Os partidos do Centrão, principais aliados do atual presidente da República no Congresso Nacional (e sócios dele no comando de diversos ministérios e fatias do governo), querem matar dois coelhos com uma cajadada só. Por um lado, jogam no colo dos estados a bomba fiscal criada pela mudança nas regras do ICMS sobre a energia elétrica e os combustíveis, barateando esses itens às custas do cofre alheio. Por outro, aprovam uma boiada de leis que beneficia interesses suspeitos do setor de energia fóssil, especialmente do gás natural, às custas do bolso dos contribuintes no longo prazo. É uma pedalada fiscal com salto duplo twist carpado.

Como essa turma não dá ponto sem nó, é claro que essas ações beneficiariam interesses pouco republicanos de figuras associadas ao atual governo. N’O Globo, Malu Gaspar revelou que o ministério de minas e energia definiu no decreto que regulamentou os “jabutis” do gás natural aprovados na lei de privatização da Eletrobras que a maior parte da energia termelétrica a ser contratada no Nordeste será gerada em Teresina (PI), base eleitoral do atual ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. E a gentileza com chapéu alheio não termina aí: na semana passada, o governo divulgou novas regras que beneficiarão diretamente os interesses do empresário Carlos Suarez, vulgo “rei do gás”, no Amapá.

Por falar no “rei do gás”, Suarez foi convidado pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara para discutir o projeto do “Centrãoduto”, que pretende construir uma vasta rede de gasodutos por todo o país com dinheiro público e que beneficiará diretamente os interesses do empresário. Como Lauro Jardim lembrou n’O Globo, o convite livra Suarez da obrigatoriedade de dar as caras, mas já é um indício de como a discussão em torno desses gasodutos tirou do anonimato um dos nomes mais poderosos da indústria de energia do Brasil.

Os proponentes do “Centrãoduto” terão dificuldades para aprovar o projeto antes do calendário eleitoral tomar conta de Brasília, Daniel Rittner escreveu no Valor. Enquanto o setor elétrico vira a cara para a proposta, alguns insistem em defendê-la, ainda que timidamente, sob o argumento de que o gás poderia ser um “combustível de transição” para fontes mais limpas de energia. Esse argumento é mais furado que as previsões do Paulo Guedes, como assinalamos aqui repetidas vezes nos últimos anos. No entanto, o vai-e-vem desses gasodutos mostra que o tema não sairá tão cedo do radar e dos interesses de empresários e políticos.

Em tempo: Ainda sobre o tema “gentilezas suspeitas pagas com dinheiro dos contribuintes”, a Folha destacou a aprovação pelo Senado de uma medida provisória que prorrogou até 2027 benefícios tributários para a indústria petroquímica. Uma das emendas apresentadas na Casa cria incentivos adicionais para fábricas de fertilizantes que usam – surprise! – gás natural. O risco de desabastecimento de fertilizantes no contexto da guerra entre Rússia e Ucrânia foi a principal justificativa dos defensores da medida.

 

ClimaInfo, 27 de maio de 2022.

Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.