O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo vestido por Paris

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Unsplash/Michael Flausert

O Livro de Regras do Acordo de Paris, aprovado finalmente em Glasgow no ano passado, contém dois mecanismos financeiros para ajudar os países a cumprirem suas metas climáticas. Um deles trata de acordos bilaterais por meio dos quais um país paga para outro reduzir emissões no lugar do primeiro. O segundo, conhecido como Artigo 6.4, cria um mecanismo emissor de créditos de carbono por meio do qual empresas podem comprá-los para compensar suas emissões.

Essa compensação é, em geral, mandatória – como para aquelas empresas sob a regulação do Sistema Europeu de Emissões ou porque o conselho de administração ou os acionistas da empresa assim o decidiram. Em todo caso, há muita expectativa em relação ao novo mecanismo 6.4.

Nesses dias, reunidos em Bonn, as partes da Convenção Clima e do Acordo de Paris definiram a composição do grupo supervisor que coordenará os esforços de criação do novo mecanismo. As maiores diferenças entre este novo grupo e o criado pelo Protocolo de Quioto decorre do fato de todos os países terem obrigações (em Quioto, apenas os mais ricos tinham compromissos) e de elas serem expressas nas NDCs.

Como não há formato-padrão, cada país é soberano para decidir as metas e os meios para alcançá-las. Assim, as linhas de base e a adicionalidade dos projetos estão ancorados nas NDCs dos países onde estes projetos ocorrem. O desafio é ainda complicado pelos “ajustes correspondentes”, compromisso que o país do projeto precisa assumir para evitar a dupla contagem do mesmo esforço climático.

Enquanto o tal 6.4 não vem, a enxurrada de denúncias sobre projetos de carbono não arrefece. Os projetos registrados sob o Protocolo de Quioto tinham a opção de receber créditos de carbono por períodos de até 21 anos. Isso quer dizer que os primeiros projetos registrados em 2005 continuam a receber esses créditos.

O pessoal da Climate Change News conta a história de uma hidrelétrica de 240 MW em Myanmar, construída no começo da década passada e que virou um projeto de carbono no começo de 2013. Durante mais de 11 anos, a hidrelétrica esteve no meio de um conflito social entre um grande grupo cristão (minoria no país) e os militares que governaram o país durante esse tempo. Não se sabe o número de mortos, mas mais de 100.000 pessoas vivem em campos de refugiados na fronteira com a China. Assim, o Mecanismo de Desenvolvimento ajudou a enriquecer alguns e certamente não trouxe desenvolvimento para muitos.

Neste e noutros casos, não há indícios de fraudes ou trapaças e tudo está sendo feito dentro das regras. Mas a energia gerada pela hidrelétrica já não reduz tantas emissões porque a matriz elétrica de Myanmar mudou e não trouxe a melhoria das condições de vida de quem foi atingida por ela.

 

ClimaInfo, 21 de junho de 2022.

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