Por Tatiane Matheus*
O GT de Gênero e Clima do Observatório do Clima lançou, em agosto, o estudo “Quem precisa de Justiça climática no Brasil?”, com o apoio institucional da Hivos. Ele foi coordenado e organizado pela jornalista Andréia Coutinho Louback – também autora da apostila do ClimaInfo “ Entenda a Justiça Climática“. A publicação contou ainda com a organização de Letícia Maria R.T. Lima e a participação de membros do grupo de trabalho, e está disponível aqui.
O título estampa a pergunta norteadora da pesquisa, que buscou trazer as perspectivas de lideranças indígenas, negras, quilombolas, periféricas, pesqueiras e rurais. A pluralidade de ideias não é só pelos entrevistados, mas também pela multiplicidade de olhares de especialistas e defensoras ambientais de todas as regiões do País. O livro é primordial para quem quer saber o que é justiça climática ou para quem já estuda o tema.
Justiça ambiental X climática – Logo no início, a publicação já esclarece a diferença, nem sempre percebida, entre justiça ambiental e justiça climática. A primeira começou a ser debatida, ainda nos anos 1980, nos Estados Unidos, e envolveu questionamentos sobre o despejo de resíduos poluentes e perigosos próximo a comunidades de pessoas negras e imigrantes. Basicamente, a justiça ambiental contempla um conjunto de princípios e práticas que asseguram que nenhum grupo social, étnico, de classe ou racial suporte uma parcela desproporcional das consequências negativas ambientais de atividades econômicas e de decisões políticas, por exemplo.
Já a justiça climática – que só foi explicitada pela ONU e reconhecida pelo preâmbulo do Acordo de Paris, em 2015, – propõe que as mudanças climáticas sejam analisadas e combatidas pelo viés da responsabilização daqueles que causaram o desequilíbrio constatado, logo, deve-se levar em conta as desproporcionalidades que países e pessoas encontram para se defender das consequências da emergência climática e aprofundar o debate sobre a diferenciação que faz com que alguns sejam mais vulneráveis do que outros.
Tanto para o bem (ou seria somente) quanto para o mal, o mito da democracia racial, que colocou para debaixo do tapete o genocídio negro e indígena ocorrido no Brasil, faz com que o assunto precise ser tratado de forma mais específica. É fundamental que ele seja analisado a partir de nossa cultura e sociedade se quisermos avançar em ações propositivas e soluções efetivas.
Foi uma grata surpresa ver essa revisão de conceitos, como o de racismo ambiental e o da (in)justiça climática, ser traduzida para a realidade brasileira por meio da publicação. Também foi uma satisfação “rever” entrevistados ouvidos para a construção desse conhecimento, como a líder comunitária e quilombola mãe Donana, a comunicadora social Luana Costa, o geógrafo Diosmar Filho, a defensora ambiental Sara Marques, a advogada Erika Pires e a empreendedora e quilombola Tuya Kalunga, entre outros.
Interseccionalidade – Outro ponto relevante desse estudo é que ele permeia a interseccionalidade do início ao fim. Ela é ilustrada na obra por mulheres de diferentes contextos geográficos dividindo suas inquietações e seus enfrentamentos, sob a perspectiva dos seus respectivos territórios, como aponta a jornalista Andréia Coutinho Louback. “O que ouvimos sobre os quilombos é diferente do que ouvimos sobre os territórios indígenas, que é diferente da favela e que, por sua vez, é diferente de uma comunidade rural ou pesqueira. Mas, para além dessa obviedade, é preciso entender que a justiça climática difere em soluções e encaminhamentos políticos também. Isso nos provoca a fuga do argumento raso que define um problema sistêmico atrelando-o ao impacto às ‘populações mais vulneráveis’”, complementa.
Na última parte da publicação, foram apresentadas recomendações para diferentes atores – técnicos ou não – sobre energia elétrica, migrações, litigância climática, soberania alimentar, entre outras. A jornalista Isis Rosa Nóbile – autora de artigo sobre energia elétrica – destaca que todo esse conhecimento possibilita a redução das consequências das mudanças climáticas juntamente com o combate às injustiças sociais. “É possível melhorar o clima, melhorando a qualidade de vida das pessoas”, assegura.
Debater a justiça climática a partir do olhar brasileiro e de quem a vivencia torna-se cada vez mais necessário para a construção de uma sociedade de baixo carbono com justiça social. Portanto, vale refletir na última frase do livro: qual o seu papel diante de quem precisa de justiça climática no Brasil?
(*) Tatiane Matheus é jornalista e pesquisadora em Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão no Instituto ClimaInfo
ClimaInfo, 19 de agosto de 2022.
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