Gigantes de bebidas são acusadas de greenwashing em iniciativa de reciclagem de plástico na África

poluição plásticos empress Gana
Nipah Dennis / Bloomberg

A ideia era interessante, e os apoiadores dela, poderosos: unir gigantes da indústria internacional para impulsionar a reciclagem de plástico em Gana, na costa ocidental da África, gerando renda para comunidades locais e contribuindo para reduzir a poluição por plástico. Entretanto, uma investigação da Bloomberg revelou que, na prática, as empresas por trás desta iniciativa não parecem muito preocupadas em diminuir o volume de plástico circulando na economia, mas sim em transferir a responsabilidade pelo problema para seus clientes.

O projeto em questão é a Iniciativa de Reciclagem de Gana por Empresas Privadas (GRIPE, sigla em inglês), que conta com a participação de empresas internacionais graúdas como Coca-Cola, Unilever, Nestlé, Danone e Dow Chemical. Nos materiais publicitários da campanha, pouco se fala em diminuir o consumo de plástico em si – o que é central para qualquer esforço de redução da poluição por esse material. O que se tem são mensagens vazias que responsabilizam o consumidor pela poluição, em um país no qual a coleta e o tratamento de resíduos sólidos é praticamente inexistente, colocando as pessoas em um “beco sem saída”.

Assim, os resultados práticos da iniciativa são pífios até aqui. Dados de 2020 da Comissão Europeia indicam que menos de 0,1% do plástico que circula na economia de Gana é reciclado. Alguns centros de coleta e processamento do material foram abertos, mas eles são insuficientes para lidar com o volume de plástico consumido pela população ganense. Outro obstáculo é logístico: em alguns casos, Gana não possui capacidade técnica para processar o material, o que exige sua transferência para outro país, geralmente na Europa.

A coisa fica mais revoltante quando se analisa o valor despendido por essas empresas na iniciativa. O contrato de 2017 que criou o GRIPE estabeleceu uma contribuição anual de apenas 45 mil Cedis ganenses por ano – cerca de US$ 5,8 mil. A Nestlé, por razões desconhecidas, contribui com um valor ainda menor, de cerca de US$ 1.850. Para comparação, o dinheiro destinado pela Unilever à iniciativa de reciclagem de Gana representa 0,0001% de seu orçamento anual de marketing de US$ 7,5 bilhões.

Em tempo: A poluição por plástico atinge as regiões mais remotas do planeta, desde o fundo do mar até o cume das montanhas mais altas. Mas o cenário é particularmente desolador nas pequenas ilhas do Pacífico: distante de qualquer alternativa para reprocessamento e reciclagem, o plástico consumido fica por lá, nas praias, preso nas rochas, dentro dos peixes e espécies marinhas consumidas pelas pessoas. “Plásticos estão sendo produzidos a milhares de quilômetros de onde os impactos estão sendo sentidos. As comunidades ribeirinhas, muitas vezes em áreas rurais, têm poucas opções disponíveis para descartar resíduos plásticos. Há ainda menos opções ao considerar quais produtos comprar. Alternativas sem plástico e esquemas de reciclagem são quase inexistentes”, escreveu Andrew Paris no Guardian. “Desde tempos imemoriais, nós, ilhéus do Pacífico, confiamos em nosso ambiente como uma máquina de venda automática para tudo o que precisamos e a única moeda era um pouco de trabalho duro, engenhosidade e respeito. Mas este sistema está em colapso, estamos testemunhando a deterioração constante do nosso meio ambiente em uma morte por mil cortes tóxicos, incluindo poluição plástica”.

 

ClimaInfo, 26 de agosto de 2022.

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