O mundo parece estar ocupado demais para fazer a lição de casa para a COP27

Os países não estão fazendo a lição de casa: o aquecimento global pode chegar a 2,4 graus sob as atuais NDC

Lição de casa em falta: “Brincamos de avestruz com a cabeça na areia e vamos de COP a COP a COP até o tempo acabar.” Gustavo Petro, Presidente da Colômbia

A invasão da Ucrânia pela Rússia desencadeou crises globais de alimentos e energia, e agravou a inflação global. Além disso, parece ter distraido os líderes dos países das promessas climáticas feitas no ano passado, na COP26 de Glasgow. 

Apenas 19 dos 193 países que se prometeram em Glasgow a apresentar metas mais ambiciosas de redução das suas emissões de gases de efeito estufa o fizeram até a 6ª feira passada (23/9), o prazo estabelecido pela Convenção Clima – a UNFCCC. E destes, apenas o plano da Austrália levará a mais cortes de emissões, enquanto o da Indonésia reflete um leve aumento na ambição.

“No geral, isto é muito decepcionante”, disse Tom Evans, pesquisador de diplomacia climática do think tank E3G. “Mas o importante a lembrar é que o foco deste ano é a implementação – é sobre como cumpriremos nossos compromissos.” 

E há boas notícias nessa frente. Os EUA aprovaram recentemente a Lei de Redução da Inflação, que estabelece o caminho para o país atingir a meta climática de redução de metade das emissões de gases de efeito estufa até o final desta década, em comparação com os níveis de 2005. E, pelo menos até agora, a União Europeia conseguiu manter seu pacote de legislação verde nos trilhos, apesar da guerra ter elevado os preços da energia a níveis recordes.

Na realidade, a UE ter sido obrigada a se afastar dos combustíveis fósseis russos pode levar o bloco a um aumento na sua meta principal nos próximos meses: as três principais instituições da UE – Comissão, Parlamento e Conselho – concordaram em aumentar a ambição por mais energias renováveis ​​e mais eficiência energética até 2030. Isso pode levar a um aumento de mais alguns pontos percentuais à meta da UE de corte de 55% de suas emissões até o final de da década, em comparação com os níveis de 1990.

“Buscar compromisso com a ambição é olhar apenas um dos lados da moeda”, disse Evans. “Não podemos esperar que todos os países apresentem novas metas todos os anos – qual é o sentido de estabelecer uma meta se você não pode cumpri-la?”

Ainda assim, estes desenvolvimentos não mascaram as preocupações com questões consideradas mais urgentes pelos líderes mundiais neste momento. As  Contribuições Nacionalmente Determinadas claramente não são suas principais prioridades. 

Sob o acordo de Glasgow, os países que não atualizaram seus planos climáticos estariam obrigados a fazê-lo “o mais rápido possível”. Todas as nações se comprometeram a “revisitar e fortalecer” suas metas para 2030 até o final de 2022. Novos documentos ainda podem ser apresentados, mas não serão incorporados ao relatório de síntese da UNFCCC, um cálculo de emissões futuras e aquecimento previsto para ser publicado pouco antes da COP27

Se as metas de redução de emissões estabelecidas até agora para 2030 forem implementadas, o mundo aqueceria 2,4°C até 2100, segundo análise divulgada em junho pelo Climate Action Tracker (CAT). E isto apesar dos líderes globais terem concordado sob o Acordo de Paris em manter o nível de aquecimento bem abaixo de 2°C. O CAT planeja divulgar uma perspectiva atualizada em novembro, antes da COP27. 

Quais países fizeram a lição de Casa?

Um grande número de importantes emissores com planos climáticos desatualizados não apresentou novas metas a tempo para que a UNFCCC pudesse incluí-las na estimativa de aquecimento futuro deste ano, que será divulgada pouco antes da COP27. 

Documentos do México e da Turquia não foram vistos em lugar algum, embora ambos tenham indicado no início deste ano que aumentariam suas metas antes da cúpula. Vietnã, Irã, Rússia, África do Sul e Coreia do Sul também não apresentaram novos documentos.

A seguir algumas breves observações sobre os países que fizeram a lição de casa.

Austrália – Dos 18 novos planos climáticos apresentados após a COP26, apenas o da Austrália levará a mais cortes de emissões. O país atualizou sua meta climática em junho, depois da vitória do Partido Trabalhista e de vários independentes pró-clima. O governo liderado pelo primeiro-ministro Tony Albanese está agora visando um corte de 43% nas emissões de gases de efeito estufa até o final desta década, em comparação com os níveis de 2005.  A meta ainda está aquém daquelas estabelecidas pelos EUA, UE e Reino Unido, e é classificada como “insuficiente” pelo CAT. “A Austrália ainda está apoiando expansões e novas minas de carvão, bem como desenvolvimentos maciços de gás natural liquefeito”, disse Bill Hare, diretor executivo da Climate Analytics, uma das organizações por trás do CAT.

Brasil – O país apresentou uma meta  mais fraca do que a apresentada em 2015. A eleição presidencial pode mudar tudo, já que Lula prometeu reverter as políticas negacionistas de Bolsonaro. 

Egito – O segundo maior produtor de gás natural da África e responsável por um terço do consumo do continente, não estabeleceu uma meta geral de redução de emissões e condicionou suas metas ao apoio internacional. O CAT classificou-o como “altamente insuficiente”, um sinal preocupante do país anfitrião das negociações climáticas deste ano. 

Índia – A Índia, o terceiro maior emissor do mundo, comprometeu-se a fazer com que a energia renovável atenda 50% das necessidades de eletricidade do país até 2030. No mesmo ano, também pretende reduzir suas emissões por unidade de Produto Interno Bruto em 45%, em comparação com 2005. No entanto, isso não reduzirá necessariamente sua pegada de carbono geral.

Indonésia – Em uma apresentação recente feita de última hora, a Indonésia aumentou sua meta para 2030 de reduzir “incondicionalmente” as emissões abaixo dos níveis normais de 29% para 31,89%. Embora a linha de base da Indonésia, o cenário de negócios como de costume tenha sido criticado como sendo inflado, as metas mais ambiciosas refletem uma ambição modestamente maior, de acordo com uma avaliação informal e inicial feita por ambientalistas. O país também disse que sua próxima meta estará alinhada com a meta de zero líquido para 2060 – linguagem que sugere que essa promessa pode ficar aquém, mas a Indonésia está tentando manter o caminho.

Reino Unido – A Grã-Bretanha manterá sua promessa de cortar as emissões em 68% até 2030, em comparação com os níveis de 1990, inalterada. Seu novo plano simplesmente acrescentou mais esclarecimentos sobre como chegará lá e ampliou o objetivo de incorporar territórios ultramarinos e dependências da coroa. Embora o ministro do clima do Reino Unido, Graham Stuart, tenha afirmado que sua meta de redução de emissões é a mais ambiciosa de qualquer grande economia, há preocupação entre ambientalistas e investidores verdes de que o país possa retroceder sob a nova primeira-ministra Liz Truss. Ela pressionou para aumentar a produção de combustíveis fósseis para ajudar a enfrentar a crise de energia.

Texto publicado originalmente pela Bloomberg em 26 de setembro de 2022.