Sob a calamidade das enchentes, Acre escancara o racismo ambiental

chuvas extremas rio Acre
Cedida por Juan Vicent Diaz ao Amazônia Real

As águas não param de subir no Acre, após quase uma semana com o estado sendo castigado por chuvas extremas. Na terça-feira (28/3), o rio Acre, que banha a capital Rio Branco, subiu 16 centímetros e atingiu 17 metros, 3 metros acima da cota de transbordo. A cidade, de acordo com o g1, somava mais de 3,5 mil desabrigados, com 37 bairros atingidos. O total de atingidos na capital acreana superava 40 mil pessoas até a manhã de quarta-feira (29/3), informa o AC 24 horas.

Além dessa tragédia, as tempestades sobre o Acre escancararam um problema recorrente no Brasil, de norte a sul: o racismo ambiental. As inundações atingem diretamente a população de bairros periféricos e comunidades ribeirinhas de Rio Branco, ressalta o Amazônia Real. Os problemas históricos de falta de habitação e assistência social na região amazônica persistem, e a situação de desamparo se agrava com a crise climática.

O site cita a família de Gean e Janaína Santos e seus dois filhos. Os quatro moram no bairro Raimundo Melo, em Rio Branco, há mais de 30 anos e convivem desde então com o drama das enchentes. “A casa ficou quase 60% debaixo d’água. Começamos a suspender as coisas até onde deu, acreditando que a água não ia passar da porta, mas nos pegou de surpresa. O que vamos tentar salvar é os colchões que não temos como fazer esse investimento agora, perdemos tudo o que tínhamos e nós nunca esperamos que algo acontecesse nessa proporção”, contou Janaína sobre a inundação deste ano.

Há pouco mais de uma semana, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, ressaltou à TV Cultura a necessidade de uma articulação multissetorial para atacar o racismo ambiental. “Precisamos entender que [sobre] as pessoas indígenas ou da periferia que moram nas margens, ninguém está lá por opção. Todas essas pessoas precisam ter condições suficientes para viver bem e morar bem. O racismo ambiental, assim como o racismo estrutural está muito presente na nossa sociedade. Nós protegemos o meio ambiente e somos os primeiros a serem afetados pelas mudanças climáticas, é preciso um olhar que já está sendo conversado com outros ministérios”.

A visão é reiterada pela secretária municipal de Ambiente e Clima do Rio de Janeiro, Tainá de Paula, arquiteta e eleita vereadora pelo PT em 2020. Nascida em uma favela carioca, ela disse que as discussões sobre sustentabilidade não chegam à sua comunidade. “Trinta anos se passaram e água ainda é um tema muito forte na favela de onde eu vim. Temos índices de precipitações talvez dos maiores da América Latina e ainda não tem uma discussão mais ampla sobre isso”, disse à Folha. A chave do problema é, como já dito, o racismo, que se traduz em falta de investimentos em áreas periféricas.

Em artigo no Jota, Guilherme Lobo Pecoral e JP Amaral, do Instituto Alana, chamam atenção para um lado ainda mais cruel do racismo ambiental: o descaso com crianças e adolescentes.“Junto aos segmentos mais afetados pelas mudanças climáticas, estão, de forma especialmente grave, as crianças e os adolescentes, sobretudo os que vivem no Sul Global”, como destaca o Legal Policy Brief, do Instituto Alana. O relatório “A crise climática é uma crise dos direitos da criança”, do UNICEF, por sua vez, avalia que cerca de 1 bilhão deles – quase metade dos 2,2 bilhões de meninas e meninos do mundo – vivem em um dos 33 países classificados como de “risco extremamente elevado”, detalham.

ClimaInfo, 30 de março de 2023.

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