Rivais sim, mas mudanças climáticas à parte. A livre adaptação do famoso ditado popular resume o convite do enviado da China para o clima, Xie Zhenhua, ao seu equivalente estadunidense John Kerry, para discutir uma cooperação entre os dois países no combate às alterações climáticas. Os dois se falaram virtualmente na semana passada. Durante essa conversa, Xie convidou Kerry a ir à China, relata o Climate Change News.
O governo do presidente Joe Biden tentou manter as negociações climáticas separadas do relacionamento mais amplo entre Estados Unidos e China. Mas questões como a independência de Taiwan e o escândalo do balão de espionagem chinês impediram os dois lados de se envolverem de maneira significativa no tema.
Problemas de saúde também impediram o progresso. Kerry disse à revista Foreign Policy que Xie sofreu “uma espécie de derrame” em janeiro, o que o impediu de trabalhar por “um mês e meio ou mais”. O enviado chinês do clima não fez nenhuma viagem ao exterior desde então, e sua participação nas negociações climáticas da COP28 é uma incógnita.
E por falar na conferência do clima de novembro, a polêmica sobre seu presidente continua. Desde que foi indicado para a posição, o sultão Al Jaber, que preside a ADNOC, estatal petrolífera dos Emirados Árabes Unidos, tenta se defender e mostrar que sua indicação não é tão controversa como apontam, lembra o Um só planeta.
Al Jaber recebeu apoio das Maldivas, um país insular que está desaparecendo devido às mudanças climáticas, e da União Europeia e dos EUA. Entretanto, mais de 400 grupos climáticos e ambientais enviaram uma carta ao secretário-geral da ONU, António Guterres, dizendo que o trabalho do sultão “ameaça a legitimidade e a eficácia” da cúpula. Nos EUA, mais de duas dúzias de legisladores já fizeram pedidos para que haja uma pressão diplomática para forçá-lo a sair.
O argumento favorável a Al Jaber se dá pelo fato do sultão também comandar a Masdar, uma empresa de energia renovável que atua em mais de 40 países e com grandes investimentos em energia solar e eólica. Contudo, a desconfiança supera a esperança, por causa das (pouquíssimas) ações da indústria petrolífera em substituir sua produção de combustíveis fósseis por fontes limpas de energia, avalia David Dodwell no scmp.
“Tanto al-Jaber quanto os Emirados Árabes exemplificam a profunda esquizofrenia entre os produtores de combustíveis fósseis que tem despertado a preocupação dos ambientalistas. Isso foi bem refletido por Bill McKibben, que usa uma aritmética simples: os produtores de petróleo ganharam US$ 2,8 bilhões por dia nos últimos 50 anos. Hoje controlam reservas que, se queimadas, produziriam 3.700 gigatoneladas de CO2 – cerca de 10 vezes mais do que nossa atmosfera pode absorver para limitar o aumento de temperatura a 1,5°C necessário para evitar a crise climática. Significa que 90% dessas reservas precisam ser deixadas no solo, encalhando ativos avaliados em US$ 100 trilhões. ‘As pessoas que ganham esse dinheiro têm o motivo e os meios para tentar manter viva [a indústria de combustíveis fósseis]’, diz McKibben.”
A solução desses imbróglios passa pela diplomacia – a mesma que EUA e China tentam resgatar após sucessivos conflitos em outras áreas que não a crise climática. Na CBC, Felix von Geyer se mostra cético, mas aponta que a ONU continua sendo o caminho para o combate às mudanças do clima.
“Infelizmente, o sucesso diplomático tem menos a ver com a eficácia climática do que com manter o processo vivo, chutando as proverbiais negociações climáticas de COP em COP, na esperança de um consenso. Normalmente, as conferências ficam paralisadas. A linguagem diplomática falhou; no entanto, esse mesmo processo diplomático ainda é necessário, e a ONU continua sendo a única estrutura adequada para a tarefa.”
Difícil dizer que é mesmo adequada, mas é mesmo a única que temos.
ClimaInfo, 26 de abril de 2023.
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