Transição energética na África do Sul mostra obstáculos para cooperação entre países ricos e pobres

África do Sul transição energética
Leon Sadiki/Bloomberg

Anunciada com grande pompa na COP26, em Glasgow, em novembro de 2021, a “Just Energy Transition Partnership” (JETP) deveria ser um modelo de justiça climática, mostrando como países ricos poderiam ajudar economias em desenvolvimento a acabar com sua dependência do carvão e se tornarem verdes. Entretanto, quase 18 meses depois, a peça-chave da transição, um plano de US$ 8,5 bilhões da África do Sul, se parece mais com uma lenda, explica a Bloomberg.

Apenas uma termelétrica a carvão sul-africana deixou de operar nesse período. Agora, políticos do país pressionam para manter outras plantas à base do combustível fóssil operando por mais tempo do que o planejado – potencialmente por anos – enquanto o país tenta acabar com os apagões diários que frustram eleitores e afastam investidores estrangeiros.

O sucesso da JETP depende de um plano da Eskom Holdings, estatal de energia elétrica da África do Sul responsável por cerca de 40% das emissões de gases de efeito estufa do país, para substituir a maioria de suas 14 térmicas a carvão remanescentes por energia eólica e solar. Mas contínuos reveses têm marcado o programa desde o seu início, o que lança uma sombra sobre acordos semelhantes sendo firmados com Índia, Indonésia, Senegal e Vietnã, relata o Valor.

Um desses reveses é que a África do Sul vem sofrendo há tempos com os apagões, às vezes por mais de dez horas por dia, devido a um déficit de capacidade elétrica. Os blecautes pioraram no ano passado durante a pior onda de calor em cem anos, ironicamente um efeito das mudanças climáticas, e afetaram não apenas a economia como a popularidade do presidente Cyril Ramaphosa. Preocupado com as eleições nacionais do ano que vem, Ramaphosa anunciou que o país pode adiar o fechamento das usinas a carvão. A medida pode conter os apagões, mas retardará a mudança para fontes de energia mais verdes, informa a AP.

Outro problema envolve acusações de corrupção e desvio de dinheiro na estatal Eskom. O ex-presidente da companhia, Andre de Ruyter, afirmou que as perdas mensais por roubos superariam US$ 55 milhões, relata a Reuters

Enquanto isso, mulheres da pequena cidade sul-africana de Carolina, cercada por 22 minas de carvão, ilustram tanto a urgência quanto a dificuldade de uma transição justa para a energia limpa no país. Os moradores relatam problemas de saúde e abusos, mas temem um futuro de desemprego e fome se as minas fecharem.

“Ou morreremos deste ar ou morreremos das mudanças climáticas”, disse uma participante do relatório “Mulheres no carvão: uma pesquisa de ação participativa feminista sobre o carvão e as mudanças climáticas”, que reuniu opiniões de 185 mulheres das comunidades de Silobela, Kroomkrans e Onbekend, na Carolina.

A cidade de 14 km2 e 17 mil habitantes fica na província de Mpumalanga, que tem “o ar mais sujo do mundo”, segundo relatório do Greenpeace de 2019. A província abriga uma dúzia de usinas a carvão, uma gigantesca refinaria de petróleo, fundições, fábricas de produtos químicos, olarias e centenas de minas, relata o Mongabay.

Em tempo: Ambientalistas querem que se retire o rótulo “natural” do gás de origem fóssil. Para eles, ainda que tecnicamente correto, o termo traz uma carga enganosa, pois esconde do público o alto poder de efeito estufa do metano. “Não há nada de natural no fracking; não há nada de natural em milhares de quilômetros de oleodutos e não há nada de natural na poluição do ar interior associada ao gás”, disse Caleb Heeringa, diretor de campanha do grupo de defesa ambiental Gas Leaks. Ele e outros ambientalistas estão pressionando os reguladores federais a estabelecer uma política que desencoraje as empresas a usarem o termo “gás natural” no marketing, argumentando que ele classifica incorretamente a substância como uma fonte de energia limpa e verde. As alternativas lançadas pelos ativistas incluem “gás metano” e “gás fóssil”, relata a Bloomberg.

ClimaInfo, 28 de abril de 2023.

Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.