A “comédia de erros” da agenda de negociação climática em Bonn

COP28 Bonn agenda
UNclimatechange

Há uma semana, negociadores de mais de 190 países não conseguem chegar a um acordo sobre um aspecto fundamental para qualquer negociação – a definição sobre o que raios está sendo negociado. A comédia de erros acontece em Bonn, na Alemanha, onde as Partes da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC) se reúnem em um encontro preparatório à COP28, programada para novembro nos Emirados Árabes Unidos.

Desde o dia 5, quando a 58ª sessão dos órgãos subsidiários da UNFCCC (SB58) se iniciou, os diplomatas não conseguem se entender sobre a agenda do encontro. Isso mesmo: uma semana discutindo uma agenda. Havia a expectativa de que essa espera terminasse na última 2ª feira (12/6), mas ela fracassou de forma monumental, com blocos de países trocando acusações mútuas.

A causa da discórdia é o desentendimento de países desenvolvidos e em desenvolvimento em torno da inclusão de um item novo na agenda de negociação da SB58 – o Programa de Trabalho para Mitigação (MWP, sigla em inglês). Proposto pela União Europeia, o programa visa (ao menos formalmente) incentivar um novo aumento da ambição dos compromissos nacionais de redução de emissões de carbono sob o Acordo de Paris.

O argumento de seus defensores é de que as contribuições nacionalmente determinadas (NDC) atuais são insuficientes e que as metas de cada país precisam ser elevadas o quanto antes para viabilizar o limite de 1,5oC para o aquecimento do planeta até 2100, em linha com o que foi apontado pelo IPCC em seu 6º relatório de avaliação (AR6).

Para a maior parte dos países em desenvolvimento, no entanto, o MWP nada mais é que mais uma tentativa das nações desenvolvidas de empurrar novos compromissos de mitigação sem qualquer tipo de discussão ou definição sobre o financiamento dessas ações. A cautela faz sentido: já vão se completar 14 anos desde que os países ricos prometeram destinar ao menos US$ 100 bi anuais para o financiamento climático; a promessa era de que esse valor seria atingido em 2020, o que até hoje não se cumpriu.

Para contornar o desentendimento, os países decidiram iniciar a sessão discutindo todos os itens propostos da agenda de forma preliminar, sendo que a validade de seus resultados estaria condicionada à aprovação posterior da agenda. Até houve uma articulação, encabeçada pela Noruega, para se chegar a um denominador comum antes da SB58 adentrar em sua 2ª semana.

O esforço foi vão: os países em desenvolvimento, puxados pela coalizão dos “like-minded” (LMDC), insistiram em derrubar o MWP e ainda jogaram lenha na fogueira ao propor um novo item na agenda, focado na ampliação do financiamento climático pelos países ricos. O resultado final foi constrangedor mesmo para o observador mais experiente das negociações climáticas da ONU, com União Europeia, Estados Unidos, Suíça, Bolívia e Cuba lavando roupa suja no meio da plenária de Bonn.

A situação não mudou muito na 3ª feira (13/6). Os presidentes dos órgãos subsidiários fizeram um pequeno stocktake para destacar os avanços obtidos nos diferentes itens da agenda da SB58, com o intento óbvio de mostrar aos negociadores o que está sendo posto em risco pela intransigência de alguns países. No entanto, não houve qualquer avanço prático rumo à adoção da agenda.

Sobrou para o Brasil fechar o stocktake com um apelo em favor do bom senso. “O que aconteceu ontem é inaceitável e não pode se repetir de novo. Os países precisam ir além dos seus interesses nacionais. Devemos sair do modo de negociação [pura e simples] e passar para o modo de entendimento mútuo”, disse Túlio Andrade, diplomata da delegação brasileira em Bonn.O Climate Home deu mais detalhes sobre a celeuma na SB58.

ClimaInfo, 14 de junho de 2023.

Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.